https://wikifavelas.com.br/api.php?action=feedcontributions&user=Katia.lerner&feedformat=atomDicionário de Favelas Marielle Franco - Contribuições do usuário [pt-br]2024-03-28T19:45:07ZContribuições do usuárioMediaWiki 1.39.5https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Favela_tem_mem%C3%B3ria&diff=3448Favela tem memória2020-01-23T14:53:49Z<p>Katia.lerner: </p>
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<div><p style="text-align:justify">Autoria: [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Palloma Palloma Menezes]</p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">Grynszpan e Pandolfi (2006) sugerem que, a partir da década de 1990, o movimento de recuperação, preservação e divulgação de memórias das favelas começou a ganhar vulto na cidade do Rio de Janeiro. Na visão dos autores, além do significativo aumento numérico dos projetos voltados para memória das favelas, ocorreu também, nas últimas décadas, a diversificação dos agentes direta ou indiretamente envolvidos.</span></p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-left:42.55pt; text-align:justify"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">Antes, o que se tinha era resultado principalmente de um esforço individual e, em geral, subproduto de algum trabalho distinto, de natureza acadêmica, religiosa, política, entre outras. Agora, ao lado de indivíduos, encontra-se um variado conjunto de agentes, organismos, organizações, instituições, tanto do setor público quanto do privado e do terceiro setor, nacionais e até internacionais. Além disso, a memória deixou de ser preocupação secundária, ou subproduto, para ocupar o centro mesmo das atenções de projetos desenvolvidos em favelas.</span></p> <p style="margin-left:27.0pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Cada vez mais é possível notar na cidade do Rio de Janeiro ações que permitem identificar a manifestação da ''vontade de memória'', da ''vontade de patrimônio'' e da ''vontade de museu'' de diferentes grupos sociais. Hoje, há inúmeros projetos sociais dedicados justamente ao tema da memória em áreas faveladas. São projetos que, endógenos ou não, defendem a ideia de que a favela tem memória; que a favela é não apenas parte da cidade, mas parte historicamente relevante do urbano carioca; que investem na promoção da “autoestima” das populações faveladas.</span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">Um exemplo desse tipo de projeto é o “Centro de História e Memória da Rocinha”, criado pela Ong “Rocinha Comunidade XXI” com o objetivo de construir uma história da Rocinha a partir da fala de seus moradores, dando ênfase, principalmente, à diversidade cultural da favela. Um projeto similar, de resgate da história da favela a partir de depoimentos dos moradores locais, foi realizado no espaço cultural Casarão dos Prazeres com patrocínio da Secretaria Municipal de Educação. No total, foram coletadas 60 histórias de vida de moradores dos Prazeres, além de 230 fotos e documentos. O material deu origem ao vídeo-documentário “Casarão dos Prazeres: Janelas de Histórias” e a uma exposição realizada no espaço cultural Casarão dos Prazeres, que fica dentro da própria favela, em Santa Teresa.</span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Outro projeto, que vem ganhando destaque na mídia desde a sua criação, é o site [http://www.favelatemmemoria.com.br/ www.favelatemmemoria.com.br], construído pela Ong Viva Rio. Como é explicado no próprio site, o intuito do projeto é “valorizar as lembranças dos moradores mais velhos e resgatar experiências coletivas de participação política, associativa ou religiosa (...) fazer circular histórias do passado para reforçar laços, identidades e sonhos do presente”.</span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Somam-se aos projetos citados acima diversas publicações que também vêm buscando registrar aspectos da história e da memória das favelas cariocas. Alguns exemplos são: ''Coração do morro: histórias da Mangueira[[#_ftn1|'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[1]</span></span>''']]''; ''Maré: vida na favela[[#_ftn2|'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[2]</span></span>''']]''; ''Salgueiro, 50 anos de glória[[#_ftn3|'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[3]</span></span>''']]; Jongo da Serrinha[[#_ftn4|'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[4]</span></span>''']]'' &nbsp;e ''Histórias de favelas da Grande Tijuca contadas por quem faz parte delas&nbsp;: Projeto Condutores(as)de Memória[[#_ftn5|'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[5]</span></span>''']]''.</span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Um dos mais bem-sucedidos projetos desse tipo é a “Rede Memória da Maré”, criada pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM, uma Organização Não-Governamental que surgiu em 1997, a partir da iniciativa da iniciativa de alguns moradores e ex-moradores das 16 comunidades que compõem o bairro da Maré. Esses moradores que criaram o CEASM tinham em comum a formação universitária, uma trajetória de militância em movimentos sociais nas favelas e o desejo de criar um programa voltado para o registro, preservação e divulgação da história local. A Rede Memória da Maré desenvolve, ainda, o Arquivo Dona Orosina Vieira, o Projeto de História Oral, a Exposição Itinerante Memórias da Maré e o Grupo Maré de Histórias - Contadores de Histórias da Maré. Como grande ápice dessas iniciativas levadas a cabo pelo CEASM, foi inaugurado, em maio de 2006, o Museu da Maré, que passou a disputar com o Museu Aberto da Providência o título de “primeiro museu em favela do Brasil” (Freire-Medeiros, 2006).&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;</span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É importante lembrar que estes múltiplos projetos ligados à ideia de memória e patrimônio, que hoje estão espalhadas pelo território do Rio, não existem enquanto tal senão a partir do momento em que assim os classificamos em nossos discursos (Gonçalves, 2007). Nesse sentido, poderíamos questionar: como escolhemos os objetos que serão eleitos para ganharem o status de memória relevante ou patrimônio? Segundo Gonçalves, muitos estudos sobre patrimônio dão “a sugestão implícita ou explícita de que a escolha desses objetos seria de natureza arbitrária, contingente, materializando o que seriam emblemas de ''tradições inventadas''” (2007:28). Estes estudos indicam que as ações que levariam a tais escolhas seriam conscientes e intencionais, visando propósitos ideológicos e políticos em contextos sociais marcados pelos conflitos de interesses e valores. Todavia, Gonçalves (2007) acredita que esta tese da “invenção dos patrimônios” vem se tornando uma verdadeira obsessão e questiona se não seria válido explorarmos a sugestão segundo a qual mais importante que a “invenção das tradições”, seria pensarmos na “inventividade das tradições” (Sahlins, 1999).</span></p> <p style="margin-left:42.55pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-left:42.55pt; text-align:justify"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">Ou, parafraseando a rica sugestão de Roy Wagner, se não será oportuno considerar se não são os “patrimônios culturais” que nos “inventam” (no sentido de que constituem nossa subjetividade), ao mesmo tempo em que os construímos no tempo e no espaço. Em outras palavras: quando classificamos determinados conjuntos de objetos materiais como “patrimônios culturais”, esses objetos estão por sua vez a nos “inventar”, uma vez que eles se materializam uma teia de pensamentos por meio dos quais nos percebemos individual e coletivamente (Gonçalves, 2007:29).</span></p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Dessa forma, os processos sociais e culturais que levam à escolha dos objetos que viram patrimônios escapariam em grande parte às nossas ações conscientes e propositais de natureza política e ideológica. Logo, na visão de Gonçalves, seria importante para o entendimento da natureza dos chamados ''patrimônios'' o trabalho de acompanhamento dos processos sociais e simbólicos de reclassificação que elevam determinados bens a esta condição de patrimônios (2007:29). Nesse sentido, torna-se cada vez mais importante mapear e analisar os processos de patrimonialização das favelas e de celebração da memória desses espaços e de seus moradores que, em alguma medida, têm nos ajudam a reinventar o sentido da cidade.</span></p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <br />
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<div id="ftn1"><p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify">[[#_ftnref1|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[1]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">Jovens alunos das oficinas de fotografia, vídeo e texto, da Casa das Artes da Mangueira lançaram em 2001 o livro “Coração do Morro: Histórias da Mangueira”, produzido integralmente por eles. No Núcleo de Cultura Audiovisual do projeto, 120 adolescentes da favela da Mangueira desenvolveram, ao longo de dez meses, um trabalho cujo resultado está documentado no livro e em três vídeos.</span></p> </div> <div id="ftn2"><p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify">[[#_ftnref2|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[2]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">O livro “Maré, vida na favela” foi escrito por Drauzio Varela, Paola Berenstein Jacques e Ivaldo Bertazzo e lançada em 2002 pela editora Casa da Palavra.</span></p> </div> <div id="ftn3"><p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify">[[#_ftnref3|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[3]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">"Salgueiro - 50 Anos de Glória", é um livro de Haroldo Costa lançado em 2003 pela Editora Record.</span></p> </div> <div id="ftn4"><p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify">[[#_ftnref4|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[4]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">O livro "Jongo da Serrinha - do Terreiro aos palcos", escrito por Edir Gandra, , foi lançado pela GGE - Giorgio Gráfica e Editora em 1995.</span></p> </div> <div id="ftn5"><p class="MsoFootnoteText" style="text-align:justify">[[#_ftnref5|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[5]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt">“Quando memória e história se entrelaçam: a trama dos espaços na Grande Tijuca” foi organizado por Alexandre Mello Santos, Márcia Pereira Leite e Nahyda Franca. O livro foi lançado em 2003 pelo IBASE.</span></p> </div> </div></div>Katia.lernerhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Cartilha_de_abordagem_policial_no_Santa_Marta&diff=3427Cartilha de abordagem policial no Santa Marta2020-01-23T14:42:35Z<p>Katia.lerner: </p>
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'''Autoria: [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usuário:Palloma Palloma Menezes]'''<br />
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<span lang="PT-BR" style="font-family:">Cartilha de abordagem policial do Santa Marta: </span><span lang="PT-BR" style="font-family:">[http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2015/09/Cartilha-popular-do-Santa-Marta-Abordagem-Pol--cial.-2010.pdf http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2015/09/Cartilha-popular-do-Santa-Marta-Abordagem-Pol--cial.-2010.pdf]</span><br />
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<p style="text-align:justify"><span style="background:white"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-family:">Após a inauguração da primeira Unidade de Polícia Pacificadora no Morro Santa Marta ocorreram muitos</span><span lang="PT-BR" style="font-family:">casos de abordagens de abuso policial entre 2009 e 2010. No início de 2009, policiais da UPP estavam detendo moradores pelo simples fato de estarem andando sem documentos pela favela e os encaminhando para delegacia para que as fichas dessas pessoas fossem levantadas. Como um jovem de 19 anos contou que na época, ele foi “conduzido à delegacia erradamente, simplesmente porque eu estava sem documento. Alegaram que eu não tinha documento e por isso tinham que me levar. Mas a gente sabe que não existe nenhuma lei, nenhuma legislação que obrigue a pessoa a andar com documento” (Trecho de entrevista com um jovem morador do Santa Marta).</span></span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-family:">Assim como esse jovem, diversos moradores da favela sabiam que os policiais da UPP, com frequência, não seguiam o que estava previsto em lei durante as abordagens realizadas no morro, mas eles temiam criticar publicamente essas arbitrariedades visto que, nesse período, havia um forte consenso em torno do projeto das UPPs. Isto dificultava a apresentação de qualquer denúncia pública à polícia, pois quem fazia alguma crítica à atuação dos policiais dentro da favela, geralmente, era acusado de “preferir” o tráfico a polícia ou de “compactuar” com traficantes.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-family:">Incomodado com o crescimento dos abusos cometidos por agentes da UPP na favela e a dificuldade das vítimas em denunciar esses casos, um grupo de lideranças resolveu se reunir para criar uma cartilha de abordagem policial no Santa Marta. A cartilha foi uma iniciativa do grupo Visão da Favela Brasil, coordenado pelo Rapper Fiell, com o apoio do Grupo Eco e da Associação de Moradores. O objetivo central da publicação era </span><span lang="PT-BR" style="font-family:">conter os excessos da ação policial, reforçar a ideia de que os moradores de favelas deviam ser respeitados pelo poder público e por seus agentes</span><span lang="PT-BR" style="font-family:">. </span><span lang="PT-BR" style="font-family:">Usando uma linguagem simples e muitas ilustrações, </span><span lang="PT-BR" style="font-family:">o grupo de moradores produziu a cartilha coletivamente, com o apoio de ONGs e organizações de direitos humanos. Nela foram </span><span lang="PT-BR" style="font-family:">descritos os limites da ação da polícia, a melhor maneira de agir durante uma abordagem policial e depois dela, caso um abuso viesse a ocorrer.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-family:">Urbina (2013) define que “a</span><span lang="PT-BR" style="font-family:">cartilha pela abordagem policial foi uma ação social que surgiu como um grito desesperado”. A autora conta que “foram tantas pessoas, tantos casos que recebemos, que foi necessário criar um mecanismo de educação e comunicação para moradores, visitantes e policiais, enquanto aos direitos e deveres da pessoa abordada pela polícia”.</span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-family:">A cartilha pode ser pensado como uma espécie de síntese dos principais excessos que a polícia vinha cometendo no primeiro ano de ocupação das favelas, já que o material foi produzido a partir de um mapeamento informal realizado pelos próprios moradores dos casos de “abuso” que vinham ocorrendo com mais recorrência. Alguns exemplos dessas arbitrariedades comuns em favelas “pacificadas” naquele momento eram: a) buscas policiais dentro de residências sem autorização dos moradores nem mandato de busca ou apreensão; b) “duras” policiais em moradores, sem que existisse uma fundada suspeita de que quem estava sendo abordado; c) xingamento, ameaça e agressões de policiais a moradores durante as “buscas pessoais” (mais conhecidas como “geral” ou “dura”); d) a existência de polícia do sexo masculino fazendo revistas íntimas em mulheres da favela; e) o fato de policiais levarem pessoas à delegacia apenas para “puxar sua ficha”.</span></span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">Além de descrever os limites da ação policial, a cartilha buscava orientar como os moradores deveriam agir para denunciar caso algum “excesso” acontecesse, indicando, por exemplo, que aquele que sofreu algum “abuso” deveria anotar o nome do policial que atuou fora da legalidade. Como eram frequentes os casos em que policiais não estavam identificados, havia também a indicação da vítima anotar as características do policial como altura, cor da pele, assim como o horário do ocorrido e todos os demais detalhes possíveis.</span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">A cartilha sugeria também que os moradores deveriam encaminhar suas denúncias para algum dos órgãos do Poder Público (como Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, Subprocuradoria Geral de Direitos Humanos do Ministério Público etc.) ou organizações da Sociedade Civil listadas na cartilha (como Grupo Eco, Visão da Favela, Associação de Moradores do Santa Marta, Justiça Global, Instituto de Defesa dos Direitos Humanos etc.). E apresentava ainda que outras possibilidades de denúncia poderiam surgir a partir da organização de audiências públicas comunitárias na própria favela. Segundo Fiell,</span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:4.0cm; text-align:justify">tudo que está na cartilha, está na Constituição. Se os policiais praticassem só o que está na Constituição, não tinha quase violência. Só que como o policial tem fé pública, eles dizem o que querem. Se você não filmar um ato irregular da polícia, o delegado na delegacia vai acreditar no policial. Então, a ideia da cartilha foi para garantir direitos. Após a cartilha diminuiu muito a violência policial. Ainda tem, muita coisa a gente nem sabe, mas após a cartilha mudou muito. Policial percebeu que o favelado pensa, percebeu que o favelado é ser humano e tem direitos. (Depoimento de Fiell no documentário “Pelo Santa Marta, para o Santa Marta: o percurso da comunicação comunitária”)[[#_ftn1|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[1]</span></span>]].</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">A cartilha pode ser tomada, portanto, como uma tentativa bem-sucedida dos moradores de “pacificar” os policiais da UPP. Após o lançamento e a distribuição de três mil exemplares da cartilha, ouvi relatos que alguns moradores passaram a andar com ela em mãos, utilizando-a, assim, como um dispositivo para reivindicar seus direitos quando sofriam abordagens policiais excessivas. Uma moradora do Santa Marta contou que seu pai passou a andar sempre com a cartilha, já que era constantemente abordado:</span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-left:4.0cm; text-align:justify"><span lang="PT-BR" style="font-family:">Meu pai andava com a cartilha (...) Ele não esconde de ninguém que tem o viciozinho dele na cachaça, fuma o cigarrinho no canto dele lá, mas, não implica com ninguém, não pega [dinheiro] de ninguém, não tira de ninguém. Então, a dura já é focada! (...) Meu pai já foi agredido por muitos deles, meu pai já ficou internado. Agora, meu pai tem duas costelas deslocadas, tem platina no joelho por agressão, por ter sofrido coisas. (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta)</span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">A Cartilha não foi muito bem recebida por alguns dos policiais que trabalhavam na UPP do Santa Marta na época. Durante uma entrevista, um policial disse que que não entendia qual era a necessidade da existência de uma cartilha para ensinar como deve ser a abordagem policial:</span></p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:4.0cm; text-align:justify">Vi essa cartilha. Ela foi levada para o comando. Só que ela não tem base jurídica. Como eu não posso revistar uma mulher dentro de uma favela? Posso revistar sim. Desde o momento que eu faça uma revista não íntima, mas sim uma revista superficial com o dorso da minha mão. (...) O dorso da minha mão não é sensível para você chegar ao ponto de dizer que eu estou te bolinando. Logicamente onde as mulheres guardam drogas, no sutiã, nos seios, e no cós da calcinha, perto da calcinha. Então, você passar ali e revistar alguma saliência que tenha aparecendo no corpo da pessoa, você logicamente não é médico, mas conhece um pouco de anatomia. Você vê um caroço ali (aponta para o peito), você sabe que aquilo ali não é normal da anatomia humana. Então você vai chegar ali para ver o que está acontecendo. E você sabe que mulher é bandida também, é mulher de bandido, mulheres que usam drogas. (Trecho de uma entrevista com um policial da UPP do Santa Marta)</p> <p style="text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">O lançamento da cartilha tensionou a relação entre os policiais e Fiell e outras lideranças da favela. Segundo o rapper, desde o lançamento, os policiais começaram a “pegar ainda mais no pé” dele e acabaram o detendo em maio de 2010 no bar do seu sogro o acusando de perturbação da ordem e “baderna”. O episódio teve início às 21 horas quando cinco policiais teriam advertido Fiell a abaixar o som do bar até às 2 horas. Os policiais teriam dito que prenderiam o rapper, caso o som não fosse diminuído. Faltando cinco minutos para 2h, 12 policiais chegaram ao bar dizendo que tinham recebido reclamações de que o som estaria muito alto. Como aponta Fiell, eles chegaram “metendo as mãos nas tomadas, desligando tudo, invadindo o local”. Como narra o rapper:</span></p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:1.0cm; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin-top:0cm; margin-right:0cm; margin-bottom:.0001pt; margin-left:4.0cm; text-align:justify">Eu tinha acabado de lançar a cartilha. Ela saiu em vários meios de comunicação de massa, como o jornal ''O Globo'', o ''Extra''. A polícia não se manifestou perante a cartilha. Ela não quis falar, ela não quis reconhecer essa cartilha como algo legal (...). Ela viu [a cartilha] como uma afronta. Doze policiais chegaram no bar do meu sogro, invadiram um espaço privado, o que é irregular. Isso não acontece em um restaurante, não acontece no Copacabana Palace, [isso] da polícia invadir e chegar acabando com a festa. Mas como nós estamos em um território chamado favela, para a polícia tudo é possível. Então, eles chegaram e me deram voz de prisão. Porque eu falei no microfone que eles não podiam ter entrado em um bar e desligado o som, porque se era polícia pacificadora tem que dialogar, aí eu fui preso, arrastado pelos becos, tomei porrada. E aí os policiais perguntaram: “cadê a sua cartilha agora para te garantir?” A gente sabe que um papel não vai garantir que não sejamos violentados, mas é o que a gente pode fazer, exigir nossos direitos! (Depoimento de Fiell no documentário “Pelo Santa Marta, para o Santa Marta: o percurso da comunicação comunitária”)[[#_ftn2|<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="font-family:">[2]</span></span>]]</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">&nbsp;</p> <p style="margin:0cm; margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="line-height:150%">No mesmo dia o jornal ''O Globo'' também divulgou uma matéria sobre o episódio. Na reportagem era dito que a Polícia Militar tinha enviado uma nota afirmando que o rapper&nbsp; “repetidamente promove atos de protesto contra os policiais das UPPs”. Segundo Fiell, além de tentar machar sua imagem através da mídia, posteriormente, o comando da UPP tentou diversas vezes jogá-lo contra a população, afirmando que ele era baderneiro e promovia a desordem na favela. O rapper afirma ainda que sua prisão foi “política” e associa o ocorrido ao lançamento da Cartilha de Abordagem Policial.</span></p> <div><br />
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[[#_ftnref1|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[1]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="color:black">Fonte:</span></span>[https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo <span style="font-size:10.0pt">https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo</span>]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="color:black">(Acessado em 31 de julho de 2014)</span></span><br />
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[[#_ftnref2|<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="font-family:">[2]</span></span></span>]]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="color:black">Fonte:</span></span>[https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo <span style="font-size:10.0pt">https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo</span>]<span lang="PT-BR" style="font-size:10.0pt"><span style="color:black">(Acessado em 31 de julho de 2014)</span></span><br />
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</div> </div></div>Katia.lernerhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usu%C3%A1rio:Palloma&diff=3421Usuário:Palloma2020-01-23T14:38:52Z<p>Katia.lerner: Criou página com 'Professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, Palloma Valle Menezes possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade do...'</p>
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<div>Professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, Palloma Valle Menezes possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestrado em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). É doutora em sociologia pelo Instituto de Estudo Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e pelo Department of Social and Cultural Anthropology da Vrije Universiteit Amsterdam e pós-doutora pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). Atua como pesquisadora do Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade (CEVIS) e como pesquisadora associada do Projeto Temático Fapesp intitulado A gestão do conflito na cidade contemporânea.</div>Katia.lerner