https://wikifavelas.com.br/api.php?action=feedcontributions&user=Lia+Rocha&feedformat=atomDicionário de Favelas Marielle Franco - Contribuições do usuário [pt-br]2024-03-29T02:21:55ZContribuições do usuárioMediaWiki 1.39.5https://wikifavelas.com.br/index.php?title=UPP_%E2%80%93_a_redu%C3%A7%C3%A3o_da_favela_a_tr%C3%AAs_letras&diff=850UPP – a redução da favela a três letras2019-03-28T13:39:03Z<p>Lia Rocha: destacar a parte do livro</p>
<hr />
<div><br />
'''Apresentação'''<br />
<br />
A dissertação de mestrado de Marielle Franco, intitulada "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGAd) da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração, em 29 de Setembro de 2014.<br />
<br />
A dissertação foi orientada pela Profª. Drª. Joana D’Arc Fernandes Ferraz (UFF/PPGAd)e teve como banca examinadora a Profª. Drª. Lia Rocha Mattos (do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Uerj); o Prof. Dr. Claudio Roberto Marques Gurgel (UFF/PPGAd) e o Prof. Dr. Joel&nbsp;de Lima Pereira Castro Jr.&nbsp;- UFF/PPGAd.<br />
<br />
Segundo o resumo da dissertação, o objetivo desta foi "apresentar um estudo sobre o significado das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) pela perspectiva da Segurança Pública e fundamentado nos elementos da Administração Pública". A socióloga argumentou ainda que foi realizado "um esforço de identificar se as Unidades de Polícia Pacificadoras representam uma alteração nas políticas de segurança ou se estas se confirmam como maquiagem dessas políticas”. Incorporando em sua análise a Favela da Maré como um exemplo do que Loïc Wacquant (2002) definiu como Estado Penal, Marielle conclui que o Estado Brasileiro aplica sobre as favelas "uma política voltada para repressão e controle dos pobres” a partir do discurso da “insegurança social’. Assim, ainda nas palavras da autora, "As UPPs tornam-se uma política que fortalece o Estado Penal com o objetivo de conter os insatisfeitos ou "excluídos" do processo, formados por uma quantidade significativa de pobres, cada vez mais colocados nos guetos das cidades e nas prisões”. Por fim, afirma "A marca mais emblemática deste quadro é o cerco militarista nas favelas e o processo crescente de encarceramento, no seu sentido mais amplo".<br />
<br />
(Fonte: FRANCO, Marielle. "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Resumo. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2014).<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
'''Sumário da Dissertação'''<br />
<br />
A dissertação é dividida em quatro capítulos, além da Introdução, Conclusão e Referências Bibliográficas. Na dissertação também constam os agradecimentos.&nbsp;<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Introdução:</u><br />
<br />
Segundo Franco, "O objetivo geral deste trabalho é demonstrar que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), enquanto política de segurança pública adotada no estado do Rio de Janeiro, reforçam o modelo de Estado Penal, absolutamente integrado ao projeto neoliberal. Ainda que tragam diferenças, centradas na substituição das conhecidas incursões policiais por um modelo de controle e ocupação de território por armas oficiais, esse fato não significa necessariamente uma alteração profunda da política em curso. Cabe destacar que a política estatal de combate às drogas e à criminalidade violenta nesses territórios das favelas é caracterizada por estratégias de confronto armado contra o varejo do tráfico, em que as incursões policiais ou a permanência nesses locais reforçam a iminência de confrontos e cerceamento da vida cotidiana”. (Franco, 2014: 11).<br />
<br />
Como objetivos são destacados:<br />
<br />
*Demonstrar "que o discurso de “guerra contra as drogas” e de controle dos territórios são iniciativas para conquistar o apoio do conjunto da cidade com uma alusão à paz. Sobretudo, através de recursos ideológicos como instrumentos fundamentais para conquistar a opinião pública e o senso comum, a fim de sustentar as contradições desta política; <br />
*Evidenciar que não há “guerra” nesse processo. O que, de fato, existe é uma política de exclusão e punição dos pobres, que está escondida por trás do projeto das UPPs.&nbsp; <br />
*[Demonstrar que] a administração da segurança não construiu qualquer alteração qualitativa, ao contrário, atuou como força auxiliar no fortalecimento de um modelo de cidade centrada no lucro privado e não na sua população, sustentado pela política hegemônica do Estado, marcada pela exclusão e punição”. (Franco, 2014: 11). <br />
<br />
É ainda na Introdução que a autora definiu sua metodologia de trabalho:<br />
<br />
''"Em termos metodológicos, esta pesquisa se fundamentou em análise documental. Foram consultados documentos oficiais (decretos legislativos, normativas e boletim interno da Polícia Militar), bem como foram analisados imagens, gravações, atas de reuniões, boletins informativos, jornal de bairro, entre outras fontes. Mas também foi utilizada, durante todo o processo de elaboração do trabalho, a observação participante de diversas reuniões com movimentos sociais e a cúpula da Segurança Pública, além do experiência obtida pelo exercício profissional junto a equipe da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Com esse instrumental procuramos identificar, através da elaboração, execução, resistências e organizações nas favelas, os mecanismos possíveis para o acesso da população à Segurança Pública, em relação ao conjunto da cidade” (Franco, 2014: 15).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Sobre a metodologia Franco argumentou ainda:<br />
<br />
''"Notas de campo, reuniões locais, acompanhamento de casos emblemáticos, cafés comunitários nas unidades pacificadoras ou no batalhão da área, audiências públicas, reuniões com a sociedade civil organizada, e outras conjuntas à secretaria de segurança ou com conselho comunitário de segurança integram este vasto material” (Franco, 2014: 65).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 1: DO LIBERALISMO AO ATUAL ESTADO PENAL: REFLEXÕES TEÓRICAS</u><br />
<br />
No primeiro capítulo Marielle fez uma discussão teórica que serviria como seu arcabouço teórico na análise realizada nos capítulos seguintes. Assim, ela apresentou o debate sobre o Keynesianismo, o Liberalismo Econômico, a transição para o Neoliberalismo e sua articulação com o que Loïc Wacquant (2002) conceitua como Estado Penal. Citando o autor Marielle apontou que "é precisamente devido ao fato de que as elites estatais, convertidas à ideologia dominante do mercado todo-poderoso, irradiada dos Estados Unidos, reduzem ou abandonam as prerrogativas do Estado nos assuntos socioeconômicos que elas devem, de todas as formas, aumentar e reforçar sua missão nos assuntos de “segurança” — após terem-na reduzido abruptamente à sua única dimensão criminal — e, além disso, fazer a assepsia do crime da classe baixa nas ruas, em vez de enquadrar as infrações da classe alta nas grandes corporações. (Wacquant, 2007, p. 203)". Ainda segundo Wacquant (2007) "expandir o Estado penal lhes permite, em primeiro lugar, abafar e conter as desordens urbanas geradas nas camadas inferiores da estrutura social pela simultânea desregulamentação do mercado de trabalho e decomposição da rede de herança social. Também permite que os eleitos para cargos majoritários contenham seu déficit de legitimidade política com a confirmação da autoridade estatal nessa limitada área de ação, em um momento no qual têm pouco para oferecer a seus eleitores (2007, p. 203)"<br />
<br />
Outro conceito importante acionado por Marielle e apresentado neste capítulo teórico é Ideologia. Marielle definiu ideologia a partir do conceito de Michel Löwy (1985): "Para Marx, a ideologia é uma forma de falsa consciência, correspondendo a interesses de classe: mais precisamente, ela designa o conjunto de ideias especulativas e ilusórias (socialmente determinadas) que os homens formam sobre a realidade, através da moral, da religião, da metafísica, dos sistemas filosóficos, das doutrinas políticas e econômicas etc. (Löwy, 1985, p. 10)". Assim, na definição operada por Marielle Franco, a ideologia é composta por "um conjunto de aparelhos privados ou estatais, voltados para construir um senso comum sobre as políticas hegemônicas que são implementadas pelo aparelho estatal" e assim convencer que "o Estado é para todos". Mas a autora chama a atenção para o fato de que, ainda assim, ideias divergentes, que questionam o status quo, podem surgir e modificar a correlação de forças, obrigando o Estado a assimilar novas ideias. Para tanto, utiliza a distinção trabalhada por Löwy entre ideologia e utopia, derivada da contribuição de Mannheim. Segundo Lowy " Mannheim atribui uma outra significação, bem mais restrita, ao mesmo termo: ideologia designa, nesta acepção, os sistemas de representação que se orientam na direção da estabilização e da reprodução da ordem vigente — em oposição ao conceito de utopia, que define as representações, aspirações e imagens-de-desejo (Wunschbilder) que se orientam na direção da ruptura da ordem estabelecida e que exercem uma função subversiva (Löwy, 1985, p. 10-11)".<br />
<br />
Ideologia é importante para o trabalho porque Marielle argumentou que as Unidades de Polícia Pacificadora não representaram uma mudança real nas políticas de segurança, mas sim que elas fizeram parte de uma grande máquina de propaganda que as apresentava como novidade. Dessa forma, o objetivo da dissertação era também identificar o que tinha mudado e o que estava apenas sendo "apresentado ideologicamente como alteração, mas [que] acaba por manter as condições anteriores (Franco, 2014: 49).<br />
<br />
Como conclusão do capítulo, Marielle afirmou que:&nbsp;<br />
<br />
''“Seguindo o raciocínio que se apresentou até o momento, pode-se identificar que a realidade de aplicação das UPPs não apresentou qualquer alteração de qualidade na forma de políticas públicas, sequer de policiamento. Até agora, o que se pode verificar é o predomínio de uma ideologia que conquista significativamente a cidade articulando a paz com a ação policial. Porém, não é possível, por meio de ações policiais, conquistar um ambiente de paz ou de segurança”. (Franco, 2014: 47).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Capítulo 2: O OBJETO E O CAMPO<br />
<br />
Neste capítulo Marielle apresentou seus dados de pesquisa, coletados a partir de análise documental, como apresentado na metodologia, mas também articulando a análise de documentos à sua experiência pessoal e profissional, como “nascida e criada” na Maré (ou ainda “cria" da favela) e como membro da equipe e depois coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.<br />
<br />
Inicialmente a socióloga apresentou o que é o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora e sua formulação em termos de "legislações, normativas, decretos e portarias [que] são os instrumentos que balizam a consolidação das políticas” (Franco, 2014: 52). Ela destacou a incongruência entre os documentos oficiais, o que dizia à época o governo sobre as UPPs e a prática observada no trabalho de campo. Neste sentido, afirmou analisar a UPP como uma política pública, ainda que “incompleta" (Franco, 2014: 53), mas procurou mostrar que as UPPs possuíam uma prática que ia ao encontro do que já se fazia anteriormente nas favelas cariocas.<br />
<br />
Disse Marielle:&nbsp;<br />
<br />
''"Nesse modelo de pacificação descrito acima, considera-se que as políticas públicas sociais chegam, no mínimo, em segundo plano, e em determinadas regiões nem chegam. Ocorre que a polícia figura como força reguladora e responsável pela manutenção da “ordem” nas favelas” (Franco, 2014: 56).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
É também nesse capítulo que Marielle apresenta a Favela da Maré como um caso empírico a ser analisado. Cabe ressaltar que quando a dissertação foi redigida, no primeiro semestre de 2014, a Favela da Maré tinha acabado de ser ocupada pelo Exército - o que ocorreu entre 5 de abril de 2014 e 30 de junho de 2015. Nesses 14 meses foram acionados um efetivo de mais de três mil homens a um custo de "R$ 461 milhões, o equivalente a R$ 41,9 milhões por mês" (segundo o Jornal Extra a partir de informações obtidas via Lei de Acesso à Informação junto ao Ministério da Defesa, ao Exército e à Marinha). Fonte: <[https://extra.globo.com/casos-de-policia/ocupacao-do-complexo-da-mare-pelas-forcas-armadas-custou-461-milhoes-confira-outros-numeros-15784703.html https://extra.globo.com/casos-de-policia/ocupacao-do-complexo-da-mare-pelas-forcas-armadas-custou-461-milhoes-confira-outros-numeros-15784703.html]>.<br />
<br />
Também havia, naquele momento, uma grande expectativa que após a ocupação seria instalada na Maré uma UPP. Marielle discutiu em seu trabalho essa possibilidade. Ao fim, nunca foi instalada a UPP da Maré, e em Março de 2016 a ideia foi oficialmente descartada pela Secretaria de Segurança, alegando falta de verba. Nesse momento o Governo do Estado anunciava uma série de medidas de corte de gastos com a justificativa da crise econômica que se abateu sobre o Estado do Rio de Janeiro. Fonte: <[https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rj-corta-r-2-bilhoes-da-seguranca-publica-21032016 https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rj-corta-r-2-bilhoes-da-seguranca-publica-21032016]>.<br />
<br />
É por isso que a autora identifica o momento pelo qual passava a localidade da Maré como um momento “pré-UPP”.&nbsp;<br />
<br />
Franco comparou o caso das UPPs com o caso colombiano, especificamente Bogotá e Medellín, por terem sido cidades consideradas “inspiração" para o projeto de "pacificação" no Rio de Janeiro. Mas a autora considerou os casos colombiano e brasileiro muito diferentes:<br />
<br />
''"Não parece que por meio das UPPs se rompa com questões fundamentais que marcam a implementação do Estado Penal. Por isso, situar a conjuntura política no qual as UPPs tiveram início em 2008 e correlacioná-la com o modelo político de segurança pública até 2014 faz-se necessário para melhorar a compreensão dessa ação política nas favelas.&nbsp;''<br />
<br />
''O cenário indica, ainda, uma política com características de ampliação da população carcerária (na maioria pobres e pretos), de um lado, e de outro, o isolamento dos territórios ocupados por esses sujeitos sociais” (Franco, 2014: 69).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Neste capítulo ainda a autora introduziu uma seção sobre “as UPPs e os Investimentos Sociais”, em que discutiu o programa UPP Social - cuja função seria, segundo Franco, "aglutinar as áreas sociais a partir da marca da pacificação” (2014: 76). Ao discutir a necessidade de investimentos sociais que reparassem a histórica dívida que o estado brasileiro tem com os moradores de favelas em termos da promoção e garantia real de seus direitos, a autora demonstrou como tal fato não ocorreu, apesar da propaganda em torno da pacificação garantir isso.<br />
<br />
''“(…) o que ocorre é o crescimento de críticas e pressões para maior controle, na perspectiva policial, e maior “civilidade” dos moradores, na perspectiva social” (Franco, 2014: 76)''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 3: A MILITARIZAÇÃO DA FAVELA</u><br />
<br />
O capítulo 3 expõe e analisa os dados da pesquisa de campo e do levantamento documental, com foco na militarização das favelas e dos territórios “pacificados”.<br />
<br />
A autora trouxe diversos dados sobre a militarização da vida e a repressão - resgatando desde a criminalização das manifestações de 2013 até às denúncias sobre abuso nos treinamentos de policiais militares. As operações realizadas pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE), a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e as Forças Armadas no momento de instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora também foram analisadas.&nbsp;<br />
<br />
É a partir desta análise que a autora introduziu uma análise mais sistemática sobre a Favela da Maré e o momento em que esta localidade se encontrava, ocupada por Forças do Exército Brasileiro.<br />
<br />
Após descrever diversos casos de abuso policial e violação de direitos por parte das forças de segurança a autora afirmou: "Não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais, e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir” (Franco, 2014: 96-7).<br />
<br />
Sobre as diversas denúncias de execução de moradores de favelas, disse a autora:<br />
<br />
''"As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos” (Franco, 2014: 98).''<br />
<br />
''"Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs” (Franco, 2014: 98).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Para concluir o capítulo a autora discutiu ainda os casos de desaparecimento, que vinham se tornando mais comuns após a instalação das UPPs, entre eles o do pedreiro Amarildo de Souza Dias, morador da Rocinha e desaparecido em Julho de 2013.<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 4: A ORGANIZAÇÃO POPULAR E AS RESISTÊNCIAS POSSÍVEIS</u><br />
<br />
Neste último capítulo Marielle recupera parte importante de sua militância como defensora dos direitos humanos para apresentar diversas iniciativas realizadas por moradores de favelas e organizações para a defesa e promoção de direitos nessas localidades, especialmente o direito à vida e à segurança.<br />
<br />
Entre as iniciativas analisadas estão:<br />
<br />
*Cartilha organizada por moradores e movimentos da favela Santa Marta sobre abordagem policial; <br />
*Campanha Maré de direitos, organizada pelas organizações locais Observatório de Favelas e Redes da Maré junto com a Anistia Internacional; <br />
*Movimento Ocupa Borel, organizado por moradores e organizações locais contra o arbítrio do comando local da UPP; <br />
*Campanha pela desmilitarização; <br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
É neste capítulo que a autora teve a possibilidade de discorrer melhor sobre as lutas e as resistências dos moradores de favelas contra todas as injustiças descritas nos outros capítulos.&nbsp;<br />
<br />
Sobre a conexão entre as diferentes formas de resistência e a importância da desmilitarização a autora argumentou:<br />
<br />
''"Na cidade modelo dos grandes investidores, as contradições se acirram e a população se levanta contra a retirada dos seus direitos. Na mesma medida, o poder público abre mão da legalidade para a manutenção da ordem estabelecida e acirra a violência institucional. Professores criminalizados, centenas de manifestantes levados para delegacias em um só dia: a forma de repressão pode ser diferente, mas a polícia que assassina nas favelas é a mesma que reprime a luta por direitos. Nesse sentido, a aprovação da PEC-51 pode ser considerada um avanço nas políticas de segurança nacional” (Franco, 2014: 119).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Conclusão</u>:<br />
<br />
À guisa de conclusão afirmou Marielle Franco:<br />
<br />
''"Ao final deste trabalho, arrisca-se afirmar que o mais correto, se estivesse em jogo uma alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não ocorre na completude. E sim, configuram uma ocupação de regulação pelo Estado em territórios antes regulados pelos grupos criminosos armados, principalmente pelo varejo do tráfico armado. A denominação atual, portanto, demonstra a carga ideológica para manutenção dos elementos fundamentais da política hegemônica, pois se centraliza na ação da polícia e usa o recurso ideológico da apelação pela paz” (Franco, 2014: 120).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
E, por fim:<br />
<br />
''"A política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro mantém as características de Estado Penal segundo Loic Wacquant. Os elementos centrais dessa constatação estão nas bases da ação militarizada da polícia, na repressão dos moradores, na inexistência da constituição de direitos e nas remoções para territórios periféricos da cidade (o que acontece em vários casos). Ou seja, a continuidade de uma lógica racista de ocupação dos presídios por negros e pobres, adicionada do elemento de descartar uma parte da população ao direito da cidade, continua marcando a segurança pública com o advento das UPPs. Elementos esses que são centrais para a relação entre Estado Penal e a polícia de segurança em curso no Rio de Janeiro (Franco, 2014: 123).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
'''O Livro "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”.'''<br />
<br />
Após a execução de Marielle Franco, e como parte das demonstrações de repúdio ao crime e de reivindicação de Justiça para Marielle e Anderson Gomes, publicou-se sua dissertação de mestrado pela N-1 Edições.&nbsp;<br />
<br />
A publicação contou com a revisão técnica de Lia Rocha, o prefácio de Frei Betto, o posfácio da Prof. da Uerj da área de criminologia Vera Malagutti, a orelha da Deputada Estadual pelo PSOL Monica Francisco e a quarta capa do Deputado Federal pelo PSOL Marcelo Freixo.&nbsp;<br />
<br />
O lançamento em São Paulo foi no dia 07 de Novembro de 2018, espaço cultural Aparelha Luzia, na região central de São Paulo.<br />
<br />
Fonte: <[https://www.brasildefato.com.br/2018/11/07/mestrado-de-marielle-sobre-violencia-do-estado-sera-lancado-como-livro-nesta-quarta/ https://www.brasildefato.com.br/2018/11/07/mestrado-de-marielle-sobre-violencia-do-estado-sera-lancado-como-livro-nesta-quarta/]>.&nbsp;<br />
<br />
O livro continua à venda e seus direitos estão sendo negociados com editoras de outros países. Todo o lucro da venda do livro&nbsp; "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro” de Marielle Franco está sendo revertido para sua filha Luyara Santos e sua companheira Monica Benício.<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Palavras-chave (escolhidas por Marielle para a dissertação)&nbsp;: Administração Pública; Política Pública; Segurança Pública; UPP.<br />
<br />
Autora: Marielle Franco (In Memorium).</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=UPP_%E2%80%93_a_redu%C3%A7%C3%A3o_da_favela_a_tr%C3%AAs_letras&diff=849UPP – a redução da favela a três letras2019-03-28T13:38:20Z<p>Lia Rocha: Fiz o verbete</p>
<hr />
<div><br />
'''Apresentação'''<br />
<br />
A dissertação de mestrado de Marielle Franco, intitulada "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”, foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGAd) da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Turismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Administração, em 29 de Setembro de 2014.<br />
<br />
A dissertação foi orientada pela Profª. Drª. Joana D’Arc Fernandes Ferraz (UFF/PPGAd)e teve como banca examinadora a Profª. Drª. Lia Rocha Mattos (do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Uerj); o Prof. Dr. Claudio Roberto Marques Gurgel (UFF/PPGAd) e o Prof. Dr. Joel&nbsp;de Lima Pereira Castro Jr.&nbsp;- UFF/PPGAd.<br />
<br />
Segundo o resumo da dissertação, o objetivo desta foi "apresentar um estudo sobre o significado das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) pela perspectiva da Segurança Pública e fundamentado nos elementos da Administração Pública". A socióloga argumentou ainda que foi realizado "um esforço de identificar se as Unidades de Polícia Pacificadoras representam uma alteração nas políticas de segurança ou se estas se confirmam como maquiagem dessas políticas”. Incorporando em sua análise a Favela da Maré como um exemplo do que Loïc Wacquant (2002) definiu como Estado Penal, Marielle conclui que o Estado Brasileiro aplica sobre as favelas "uma política voltada para repressão e controle dos pobres” a partir do discurso da “insegurança social’. Assim, ainda nas palavras da autora, "As UPPs tornam-se uma política que fortalece o Estado Penal com o objetivo de conter os insatisfeitos ou "excluídos" do processo, formados por uma quantidade significativa de pobres, cada vez mais colocados nos guetos das cidades e nas prisões”. Por fim, afirma "A marca mais emblemática deste quadro é o cerco militarista nas favelas e o processo crescente de encarceramento, no seu sentido mais amplo".<br />
<br />
(Fonte: FRANCO, Marielle. "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. Resumo. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2014).<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
'''Sumário da Dissertação'''<br />
<br />
A dissertação é dividida em quatro capítulos, além da Introdução, Conclusão e Referências Bibliográficas. Na dissertação também constam os agradecimentos.&nbsp;<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Introdução:</u><br />
<br />
Segundo Franco, "O objetivo geral deste trabalho é demonstrar que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), enquanto política de segurança pública adotada no estado do Rio de Janeiro, reforçam o modelo de Estado Penal, absolutamente integrado ao projeto neoliberal. Ainda que tragam diferenças, centradas na substituição das conhecidas incursões policiais por um modelo de controle e ocupação de território por armas oficiais, esse fato não significa necessariamente uma alteração profunda da política em curso. Cabe destacar que a política estatal de combate às drogas e à criminalidade violenta nesses territórios das favelas é caracterizada por estratégias de confronto armado contra o varejo do tráfico, em que as incursões policiais ou a permanência nesses locais reforçam a iminência de confrontos e cerceamento da vida cotidiana”. (Franco, 2014: 11).<br />
<br />
Como objetivos são destacados:<br />
<br />
*Demonstrar "que o discurso de “guerra contra as drogas” e de controle dos territórios são iniciativas para conquistar o apoio do conjunto da cidade com uma alusão à paz. Sobretudo, através de recursos ideológicos como instrumentos fundamentais para conquistar a opinião pública e o senso comum, a fim de sustentar as contradições desta política; <br />
*Evidenciar que não há “guerra” nesse processo. O que, de fato, existe é uma política de exclusão e punição dos pobres, que está escondida por trás do projeto das UPPs.&nbsp; <br />
*[Demonstrar que] a administração da segurança não construiu qualquer alteração qualitativa, ao contrário, atuou como força auxiliar no fortalecimento de um modelo de cidade centrada no lucro privado e não na sua população, sustentado pela política hegemônica do Estado, marcada pela exclusão e punição”. (Franco, 2014: 11). <br />
<br />
É ainda na Introdução que a autora definiu sua metodologia de trabalho:<br />
<br />
''"Em termos metodológicos, esta pesquisa se fundamentou em análise documental. Foram consultados documentos oficiais (decretos legislativos, normativas e boletim interno da Polícia Militar), bem como foram analisados imagens, gravações, atas de reuniões, boletins informativos, jornal de bairro, entre outras fontes. Mas também foi utilizada, durante todo o processo de elaboração do trabalho, a observação participante de diversas reuniões com movimentos sociais e a cúpula da Segurança Pública, além do experiência obtida pelo exercício profissional junto a equipe da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Com esse instrumental procuramos identificar, através da elaboração, execução, resistências e organizações nas favelas, os mecanismos possíveis para o acesso da população à Segurança Pública, em relação ao conjunto da cidade” (Franco, 2014: 15).''<br />
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&nbsp;<br />
<br />
Sobre a metodologia Franco argumentou ainda:<br />
<br />
''"Notas de campo, reuniões locais, acompanhamento de casos emblemáticos, cafés comunitários nas unidades pacificadoras ou no batalhão da área, audiências públicas, reuniões com a sociedade civil organizada, e outras conjuntas à secretaria de segurança ou com conselho comunitário de segurança integram este vasto material” (Franco, 2014: 65).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 1: DO LIBERALISMO AO ATUAL ESTADO PENAL: REFLEXÕES TEÓRICAS</u><br />
<br />
No primeiro capítulo Marielle fez uma discussão teórica que serviria como seu arcabouço teórico na análise realizada nos capítulos seguintes. Assim, ela apresentou o debate sobre o Keynesianismo, o Liberalismo Econômico, a transição para o Neoliberalismo e sua articulação com o que Loïc Wacquant (2002) conceitua como Estado Penal. Citando o autor Marielle apontou que "é precisamente devido ao fato de que as elites estatais, convertidas à ideologia dominante do mercado todo-poderoso, irradiada dos Estados Unidos, reduzem ou abandonam as prerrogativas do Estado nos assuntos socioeconômicos que elas devem, de todas as formas, aumentar e reforçar sua missão nos assuntos de “segurança” — após terem-na reduzido abruptamente à sua única dimensão criminal — e, além disso, fazer a assepsia do crime da classe baixa nas ruas, em vez de enquadrar as infrações da classe alta nas grandes corporações. (Wacquant, 2007, p. 203)". Ainda segundo Wacquant (2007) "expandir o Estado penal lhes permite, em primeiro lugar, abafar e conter as desordens urbanas geradas nas camadas inferiores da estrutura social pela simultânea desregulamentação do mercado de trabalho e decomposição da rede de herança social. Também permite que os eleitos para cargos majoritários contenham seu déficit de legitimidade política com a confirmação da autoridade estatal nessa limitada área de ação, em um momento no qual têm pouco para oferecer a seus eleitores (2007, p. 203)"<br />
<br />
Outro conceito importante acionado por Marielle e apresentado neste capítulo teórico é Ideologia. Marielle definiu ideologia a partir do conceito de Michel Löwy (1985): "Para Marx, a ideologia é uma forma de falsa consciência, correspondendo a interesses de classe: mais precisamente, ela designa o conjunto de ideias especulativas e ilusórias (socialmente determinadas) que os homens formam sobre a realidade, através da moral, da religião, da metafísica, dos sistemas filosóficos, das doutrinas políticas e econômicas etc. (Löwy, 1985, p. 10)". Assim, na definição operada por Marielle Franco, a ideologia é composta por "um conjunto de aparelhos privados ou estatais, voltados para construir um senso comum sobre as políticas hegemônicas que são implementadas pelo aparelho estatal" e assim convencer que "o Estado é para todos". Mas a autora chama a atenção para o fato de que, ainda assim, ideias divergentes, que questionam o status quo, podem surgir e modificar a correlação de forças, obrigando o Estado a assimilar novas ideias. Para tanto, utiliza a distinção trabalhada por Löwy entre ideologia e utopia, derivada da contribuição de Mannheim. Segundo Lowy " Mannheim atribui uma outra significação, bem mais restrita, ao mesmo termo: ideologia designa, nesta acepção, os sistemas de representação que se orientam na direção da estabilização e da reprodução da ordem vigente — em oposição ao conceito de utopia, que define as representações, aspirações e imagens-de-desejo (Wunschbilder) que se orientam na direção da ruptura da ordem estabelecida e que exercem uma função subversiva (Löwy, 1985, p. 10-11)".<br />
<br />
Ideologia é importante para o trabalho porque Marielle argumentou que as Unidades de Polícia Pacificadora não representaram uma mudança real nas políticas de segurança, mas sim que elas fizeram parte de uma grande máquina de propaganda que as apresentava como novidade. Dessa forma, o objetivo da dissertação era também identificar o que tinha mudado e o que estava apenas sendo "apresentado ideologicamente como alteração, mas [que] acaba por manter as condições anteriores (Franco, 2014: 49).<br />
<br />
Como conclusão do capítulo, Marielle afirmou que:&nbsp;<br />
<br />
''“Seguindo o raciocínio que se apresentou até o momento, pode-se identificar que a realidade de aplicação das UPPs não apresentou qualquer alteração de qualidade na forma de políticas públicas, sequer de policiamento. Até agora, o que se pode verificar é o predomínio de uma ideologia que conquista significativamente a cidade articulando a paz com a ação policial. Porém, não é possível, por meio de ações policiais, conquistar um ambiente de paz ou de segurança”. (Franco, 2014: 47).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Capítulo 2: O OBJETO E O CAMPO<br />
<br />
Neste capítulo Marielle apresentou seus dados de pesquisa, coletados a partir de análise documental, como apresentado na metodologia, mas também articulando a análise de documentos à sua experiência pessoal e profissional, como “nascida e criada” na Maré (ou ainda “cria" da favela) e como membro da equipe e depois coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.<br />
<br />
Inicialmente a socióloga apresentou o que é o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora e sua formulação em termos de "legislações, normativas, decretos e portarias [que] são os instrumentos que balizam a consolidação das políticas” (Franco, 2014: 52). Ela destacou a incongruência entre os documentos oficiais, o que dizia à época o governo sobre as UPPs e a prática observada no trabalho de campo. Neste sentido, afirmou analisar a UPP como uma política pública, ainda que “incompleta" (Franco, 2014: 53), mas procurou mostrar que as UPPs possuíam uma prática que ia ao encontro do que já se fazia anteriormente nas favelas cariocas.<br />
<br />
Disse Marielle:&nbsp;<br />
<br />
''"Nesse modelo de pacificação descrito acima, considera-se que as políticas públicas sociais chegam, no mínimo, em segundo plano, e em determinadas regiões nem chegam. Ocorre que a polícia figura como força reguladora e responsável pela manutenção da “ordem” nas favelas” (Franco, 2014: 56).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
É também nesse capítulo que Marielle apresenta a Favela da Maré como um caso empírico a ser analisado. Cabe ressaltar que quando a dissertação foi redigida, no primeiro semestre de 2014, a Favela da Maré tinha acabado de ser ocupada pelo Exército - o que ocorreu entre 5 de abril de 2014 e 30 de junho de 2015. Nesses 14 meses foram acionados um efetivo de mais de três mil homens a um custo de "R$ 461 milhões, o equivalente a R$ 41,9 milhões por mês" (segundo o Jornal Extra a partir de informações obtidas via Lei de Acesso à Informação junto ao Ministério da Defesa, ao Exército e à Marinha). Fonte: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/ocupacao-do-complexo-da-mare-pelas-forcas-armadas-custou-461-milhoes-confira-outros-numeros-15784703.html>.<br />
<br />
Também havia, naquele momento, uma grande expectativa que após a ocupação seria instalada na Maré uma UPP. Marielle discutiu em seu trabalho essa possibilidade. Ao fim, nunca foi instalada a UPP da Maré, e em Março de 2016 a ideia foi oficialmente descartada pela Secretaria de Segurança, alegando falta de verba. Nesse momento o Governo do Estado anunciava uma série de medidas de corte de gastos com a justificativa da crise econômica que se abateu sobre o Estado do Rio de Janeiro. Fonte: <[https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rj-corta-r-2-bilhoes-da-seguranca-publica-21032016 https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/rj-corta-r-2-bilhoes-da-seguranca-publica-21032016]>.<br />
<br />
É por isso que a autora identifica o momento pelo qual passava a localidade da Maré como um momento “pré-UPP”.&nbsp;<br />
<br />
Franco comparou o caso das UPPs com o caso colombiano, especificamente Bogotá e Medellín, por terem sido cidades consideradas “inspiração" para o projeto de "pacificação" no Rio de Janeiro. Mas a autora considerou os casos colombiano e brasileiro muito diferentes:<br />
<br />
''"Não parece que por meio das UPPs se rompa com questões fundamentais que marcam a implementação do Estado Penal. Por isso, situar a conjuntura política no qual as UPPs tiveram início em 2008 e correlacioná-la com o modelo político de segurança pública até 2014 faz-se necessário para melhorar a compreensão dessa ação política nas favelas.&nbsp;''<br />
<br />
''O cenário indica, ainda, uma política com características de ampliação da população carcerária (na maioria pobres e pretos), de um lado, e de outro, o isolamento dos territórios ocupados por esses sujeitos sociais” (Franco, 2014: 69).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Neste capítulo ainda a autora introduziu uma seção sobre “as UPPs e os Investimentos Sociais”, em que discutiu o programa UPP Social - cuja função seria, segundo Franco, "aglutinar as áreas sociais a partir da marca da pacificação” (2014: 76). Ao discutir a necessidade de investimentos sociais que reparassem a histórica dívida que o estado brasileiro tem com os moradores de favelas em termos da promoção e garantia real de seus direitos, a autora demonstrou como tal fato não ocorreu, apesar da propaganda em torno da pacificação garantir isso.<br />
<br />
''“(…) o que ocorre é o crescimento de críticas e pressões para maior controle, na perspectiva policial, e maior “civilidade” dos moradores, na perspectiva social” (Franco, 2014: 76)''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 3: A MILITARIZAÇÃO DA FAVELA</u><br />
<br />
O capítulo 3 expõe e analisa os dados da pesquisa de campo e do levantamento documental, com foco na militarização das favelas e dos territórios “pacificados”.<br />
<br />
A autora trouxe diversos dados sobre a militarização da vida e a repressão - resgatando desde a criminalização das manifestações de 2013 até às denúncias sobre abuso nos treinamentos de policiais militares. As operações realizadas pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE), a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) e as Forças Armadas no momento de instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora também foram analisadas.&nbsp;<br />
<br />
É a partir desta análise que a autora introduziu uma análise mais sistemática sobre a Favela da Maré e o momento em que esta localidade se encontrava, ocupada por Forças do Exército Brasileiro.<br />
<br />
Após descrever diversos casos de abuso policial e violação de direitos por parte das forças de segurança a autora afirmou: "Não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais, e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir” (Franco, 2014: 96-7).<br />
<br />
Sobre as diversas denúncias de execução de moradores de favelas, disse a autora:<br />
<br />
''"As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos” (Franco, 2014: 98).''<br />
<br />
''"Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs” (Franco, 2014: 98).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Para concluir o capítulo a autora discutiu ainda os casos de desaparecimento, que vinham se tornando mais comuns após a instalação das UPPs, entre eles o do pedreiro Amarildo de Souza Dias, morador da Rocinha e desaparecido em Julho de 2013.<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Capítulo 4: A ORGANIZAÇÃO POPULAR E AS RESISTÊNCIAS POSSÍVEIS</u><br />
<br />
Neste último capítulo Marielle recupera parte importante de sua militância como defensora dos direitos humanos para apresentar diversas iniciativas realizadas por moradores de favelas e organizações para a defesa e promoção de direitos nessas localidades, especialmente o direito à vida e à segurança.<br />
<br />
Entre as iniciativas analisadas estão:<br />
<br />
*Cartilha organizada por moradores e movimentos da favela Santa Marta sobre abordagem policial; <br />
*Campanha Maré de direitos, organizada pelas organizações locais Observatório de Favelas e Redes da Maré junto com a Anistia Internacional; <br />
*Movimento Ocupa Borel, organizado por moradores e organizações locais contra o arbítrio do comando local da UPP; <br />
*Campanha pela desmilitarização; <br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
É neste capítulo que a autora teve a possibilidade de discorrer melhor sobre as lutas e as resistências dos moradores de favelas contra todas as injustiças descritas nos outros capítulos.&nbsp;<br />
<br />
Sobre a conexão entre as diferentes formas de resistência e a importância da desmilitarização a autora argumentou:<br />
<br />
''"Na cidade modelo dos grandes investidores, as contradições se acirram e a população se levanta contra a retirada dos seus direitos. Na mesma medida, o poder público abre mão da legalidade para a manutenção da ordem estabelecida e acirra a violência institucional. Professores criminalizados, centenas de manifestantes levados para delegacias em um só dia: a forma de repressão pode ser diferente, mas a polícia que assassina nas favelas é a mesma que reprime a luta por direitos. Nesse sentido, a aprovação da PEC-51 pode ser considerada um avanço nas políticas de segurança nacional” (Franco, 2014: 119).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
<u>Conclusão</u>:<br />
<br />
À guisa de conclusão afirmou Marielle Franco:<br />
<br />
''"Ao final deste trabalho, arrisca-se afirmar que o mais correto, se estivesse em jogo uma alteração qualitativa na política de Estado e de Segurança Pública, seria nominar as UPPs de Unidades de Políticas Públicas, por se tratarem de uma necessária mudança cultural em territórios nos quais a presença do Estado não ocorre na completude. E sim, configuram uma ocupação de regulação pelo Estado em territórios antes regulados pelos grupos criminosos armados, principalmente pelo varejo do tráfico armado. A denominação atual, portanto, demonstra a carga ideológica para manutenção dos elementos fundamentais da política hegemônica, pois se centraliza na ação da polícia e usa o recurso ideológico da apelação pela paz” (Franco, 2014: 120).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
E, por fim:<br />
<br />
''"A política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro mantém as características de Estado Penal segundo Loic Wacquant. Os elementos centrais dessa constatação estão nas bases da ação militarizada da polícia, na repressão dos moradores, na inexistência da constituição de direitos e nas remoções para territórios periféricos da cidade (o que acontece em vários casos). Ou seja, a continuidade de uma lógica racista de ocupação dos presídios por negros e pobres, adicionada do elemento de descartar uma parte da população ao direito da cidade, continua marcando a segurança pública com o advento das UPPs. Elementos esses que são centrais para a relação entre Estado Penal e a polícia de segurança em curso no Rio de Janeiro (Franco, 2014: 123).''<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
O Livro "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”.<br />
<br />
Após a execução de Marielle Franco, e como parte das demonstrações de repúdio ao crime e de reivindicação de Justiça para Marielle e Anderson Gomes, publicou-se sua dissertação de mestrado pela N-1 Edições.&nbsp;<br />
<br />
A publicação contou com a revisão técnica de Lia Rocha, o prefácio de Frei Betto, o posfácio da Prof. da Uerj da área de criminologia Vera Malagutti, a orelha da Deputada Estadual pelo PSOL Monica Francisco e a quarta capa do Deputado Federal pelo PSOL Marcelo Freixo.&nbsp;<br />
<br />
O lançamento em São Paulo foi no dia 07 de Novembro de 2018, espaço cultural Aparelha Luzia, na região central de São Paulo.<br />
<br />
Fonte: <[https://www.brasildefato.com.br/2018/11/07/mestrado-de-marielle-sobre-violencia-do-estado-sera-lancado-como-livro-nesta-quarta/ https://www.brasildefato.com.br/2018/11/07/mestrado-de-marielle-sobre-violencia-do-estado-sera-lancado-como-livro-nesta-quarta/]>.&nbsp;<br />
<br />
O livro continua à venda e seus direitos estão sendo negociados com editoras de outros países. Todo o lucro da venda do livro&nbsp; "UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro” de Marielle Franco está sendo revertido para sua filha Luyara Santos e sua companheira Monica Benício.<br />
<br />
&nbsp;<br />
<br />
Palavras-chave (escolhidas por Marielle para a dissertação) : Administração Pública; Política Pública; Segurança Pública; UPP.<br />
<br />
Autora: Marielle Franco (In Memorium).</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Associa%C3%A7%C3%A3o_de_moradores_e_Movimentos_Sociais&diff=793Associação de moradores e Movimentos Sociais2019-03-21T13:16:13Z<p>Lia Rocha: </p>
<hr />
<div>Palavras-chave: associação de moradores, associativismo, política, movimentos sociais, democracia<br />
<br />
<br />
;I. Introdução<br />
<br />
As associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro ocuparam um papel importante tanto no campo dos movimentos sociais quanto no debate público sobre a cidade, sendo atores fundamentais na luta contra as remoções dos anos 1960 e no processo de urbanização de grandes favelas, nas décadas de 1980 e 1990. No entanto, apesar de existirem em grande número e de terem uma importância política reconhecida, as associações de moradores de favelas têm encontrado grande dificuldade para atuar no espaço público nos últimos anos, tanto dentro quanto fora das favelas. Há alguns anos é de conhecimento público que o cerco sobre os moradores de favelas praticado pelas quadrilhas de traficantes, forças policiais e milícias se fecha também sobre as associações, causando a morte ou a expulsão de muitos dirigentes de suas casas e territórios de moradia (Rocha, 2013).<br />
<br />
Uma pesquisa realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2005, analisou dados sobre 800 dirigentes de associações de moradores de favelas entre 1992 e 2001, e chegou à conclusão que nesse período 300 dirigentes foram expulsos de suas localidades por divergências com grupos armados locais, e 100 foram assassinados (Leite, 2005:382). Leite (2005) aponta que essas expulsões, de dirigentes e outros moradores, são tão freqüentes quanto invisíveis para a sociedade em geral, muitas vezes não sendo percebida mesmo como uma modalidade de violência.<br />
<br />
<br />
;II. Histórico<br />
<br />
O surgimento das primeiras associações de moradores de favelas, nos anos 1940, acontece em um contexto de reação dos favelados às propostas de remoção das favelas para lugares distantes do centro da cidade. Já no início da década de 1960, para tentar conter o crescimento das favelas, o governo municipal estimulou a formação de diversas associações, que seriam agências estatais dentro das favelas para “auxiliar o governo na implantação de serviços básicos e na manutenção da ordem interna” (Pandolfi e Grynszpan, 2002: 243). A política do governo estadual, nesse período, oscilava entre a remoção e a urbanização das favelas, mas o golpe empresarial-militar de 1964 possibilitou o ambiente para que as propostas remocionistas se fortalecessem, reprimindo de forma violenta qualquer tipo de ação coletiva, enfraquecendo o movimento dos favelados. Nessa época as relações entre poder público e moradores de favelas já se davam na dinâmica da troca de votos por recursos de fonte externa, o que garantia às lideranças locais uma posição elevada dentro da hierarquia social e econômica da favela, formando com pequenos proprietários a “burguesia da favela”, como definiu Machado da Silva (1967). O autor ressaltou ainda que a participação da maioria dos moradores era muito pequena ou inexistente, e somente aqueles que pertenciam ao estrato social mais elevado se envolviam nas atividades políticas. O controle dos recursos internos disponíveis garantia a permanência do dirigente na associação e impedia o acesso coletivo aos recursos mencionados (1967: 38-9).<br />
<br />
Com o golpe empresarial-militar de 1964, a política de contenção executada pelo governo estadual se radicalizou, com forte repressão às organizações comunitárias e um violento programa de remoção. De acordo com Valladares (1978), entre 1962 e 1973, mais de 140 mil favelados foram removidos de forma violenta de suas casas. Segundo Pestana (2018), o aprofundamento do programa de remoções se deveu a fortes interesses relacionados aos imóveis, organizados em torno de associações de agentes imobiliários com grande influência no governo (antes e depois da instalação da ditadura empresarial-militar). Apesar de muitas organizações de favelados terem resistido às remoções, com a força da repressão que sobre elas recaiu – inclusive com a suspeita de incêndios criminosos para forçar a retirada da população – as associações passaram a atuar como representantes do governo dentro das favelas, gerenciando os serviços públicos e evitando o seu crescimento (Burgos, 1998; Pandolfi; Grynszpan, 2002). <br />
<br />
No final dos anos 1970, com o processo de redemocratização do país e o (re) surgimento de movimentos sociais, o ritmo das remoções começou a diminuir, tanto pelos problemas relacionados aos custos das obras dos conjuntos habitacionais e ao pouco retorno dado pelos financiamentos, quanto pela pressão do movimento de favelados. Nesse momento é a bandeira da urbanização que impulsiona a organização coletiva, mas sem a execução de políticas públicas realmente transformadoras da condição urbana das favelas. O período ficou caracterizado pelas relações clientelistas entre poder público e lideranças de favelas, conhecido como período da “política da bica d’água" ou do “chaguismo" (referência ao então governador Chagas Freitas). O primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1987) representou uma mudança na relação entre poder público e favelas, especialmente por ele ter sido o primeiro governador eleito de forma direta após a fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Assinalando o fim das políticas de remoção, a urbanização de favelas começou a ser implantada, e o governo do estado passou a investir em sistema de esgoto e água e na coleta de lixo nessas localidades, bem como em tentar modificar a forma como a polícia atuava dentro das favelas (Burgos, 1998: 42). Dentro dessa nova perspectiva trazida por Brizola, as lideranças tornaram-se interlocutoras frequentes do governo, continuando a assumir os papéis de agência estatal que lhes tinham sido atribuídos anteriormente. Foram atribuídas às associações tarefas públicas em acordos firmados com agências estatais, que incluíam a contratação de mão-de-obra para trabalhar nas obras e na manutenção e garantiam à associação de moradores uma taxa de administração de 5%, segundo informação coletada por Burgos e citada por Pandolfi e Grynszpan (2002: 249). Os autores ressaltam que essa forma de relação entre associações e Governo fortaleceu a atuação de muitas associações, já que estar na associação significava ter acesso a recursos como empregos, controle dos serviços, etc., o que acarretou inclusive a contratação de muitas lideranças como funcionárias do governo, no posto de agentes comunitários.<br />
<br />
Assim, Brizola escolheu a interlocução direta com as associações de moradores sem a mediação de políticos, incentivando que essas se aproximassem mais do poder público em suas demandas, que participassem mais da administração pública presente em suas localidades, entre outros. Pandolfi e Grynszpan (2002: 249) ressaltam que essa forma de articulação entre associações e Governo incentivou a adesão de moradores às organizações, já que estar na associação significava ter acesso a recursos como empregos, controle dos serviços, etc., o que acarretou inclusive a contratação de muitas lideranças como funcionárias do governo, no posto de agentes comunitários. No entanto, tal posicionamento mais conciliador foi identificado por parte do movimento de base como uma “cooptação” dessas lideranças pelo poder público, e a transformação das entidades em atores da política institucional.<br />
<br />
A relação de proximidade entre associações e Governo permaneceu nos anos 1990, agora institucionalizada como “parcerias”, e inclusive teve sua atuação aumentada nesse campo na gestão municipal de César Maia, especialmente em função do Programa Favela-Bairro, iniciado em 1994. Dentro do Programa Favela-Bairro as associações são gerentes de programas financiados com recursos públicos, e concentram cada vez mais poder através da contratação de funcionários e serviços. Como dito anteriormente, o Programa Favela-Bairro pulveriza a luta por melhorias, pois cada favela passa a defender seus interesses separadamente, o que “enfraquece o conjunto das mobilizações e despolitiza as reivindicações, circunscrevendo-as à dimensão administrativa e técnico-financeira na qualidade de pequenos lobbies (...)” (Machado da Silva, 2002: 232). <br />
No momento mais recente, as obras do Programa de Aceleração do Crescimento nas favelas cariocas - conhecido como PAC Favelas - pareceram reproduzir o mesmo tipo de relação entre associações e poder público, mas agora incluindo também na rede o poder federal. O formato das ações continua sendo a ação localizada, privilegiando algumas favelas em detrimento de outras. As associações de moradores continuam atuando como “parceiras”, mas participando como executoras das políticas, e não como copartícipes de sua elaboração. Ao mesmo tempo, a política de segurança pública permanece como monopólio da Secretaria de Segurança Pública do Estado, e as denúncias de que as associações de moradores atuam como mediadoras do poder público junto aos traficantes de drogas (quando não são acusadas de cúmplices destes) são cada vez mais frequentes na mídia (Rocha, 2013). <br />
<br />
<br />
;III. Movimento de moradores de favelas: União dos Trabalhadores Favelados, Federação de Favelas da Guanabara e do Rio de Janeiro.<br />
<br />
A União dos Trabalhadores Favelados (UTF) surgiu, em abril de 1954, diante da ameaça de remoção do Morro do Borel. Para o pesquisador Rafael Soares Gonçalves, os moradores do Borel foram apoiados pelo famoso advogado Antoine de Magarinos Torres na criação dessa articulação de associações de moradores - o que foi inovador à época. Segundo o autor, a partir da UTF foram formados diversos subcomitês para reivindicar o direito a serviços de luz, de água, de urbanização e o direito de permanência. Esta articulação não se limitava somente a questões políticas, mas também permitia uma relação solidária entre as favelas. Rafael conta, por exemplo, que, quando o Morro do Santo Antônio, no Centro do Rio, foi destruído, o Morro do Borel recebeu parte dos moradores desabrigados. Da mesma forma, a UTF foi inovadora ao reivindicar o reconhecimento do papel de trabalhador para o favelado, afirmando sua cidadania e questionando a criminalização decorrente da condição de moradores de habitações consideradas ilegais. Nesse ponto, uma das conquistas jurídicas obtidas foi a petição da UTF ao ministro da Justiça contra a polícia, que não respeitava nem os moradores das favelas nem suas moradias, agindo de forma desrespeitosa e truculenta nas comunidades. "Eles pleiteavam que os barracos fossem considerados e respeitados como os lares de qualquer cidadão.” <br />
<br />
Apesar de não estar vinculada ao partido comunista, a UTF contava com o apoio de diversos militantes, fato observado, inclusive, pela cobertura ostensiva do jornal comunista Imprensa Popular. Com a crise no partido comunista, a partir da segunda metade dos anos 1950, a UTF também começou a declinar. Em 1959, foi substituída pela Coalizão dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de janeiro, tornando-se o embrião para a formação da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (Fafeg) e mais tarde para a Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). <br />
A Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (Fafeg) foi criada em Julho de 1963. Alguns meses depois já esteve envolvida na luta contra a remoção da favela do Pasmado, em Botafogo em janeiro de 1964 - poucos meses antes da decretação do Golpe que instituiu o ditadura empresarial-militar no país (1964-1985). Com a fusão do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro, em 1975, a Federação passou a se chamar Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) (Entrevista de Rafael Soares Gonçalves ao site da Faperj sobre sua pesquisa, publicada em 12 de Julho de 2012 e disponível em: <http://www.faperj.br/?id=2246.2.9>.).<br />
<br />
Para Itamar Silva (jornalista, ex-presidente da associação de moradores do Santa Marta, presidente do Grupo Eco do Santa Marta e diretor do Instituto Brasileiro de Análise e Estatística - Ibase) a Faferj [Federação de Favelas do Rio de Janeiro] cumpriu um papel muito importante na reorganização das forças democráticas a partir dos anos 1970 e durante o período da redemocratização. Na década de 1980, a Faferj estava renovada não só nos nomes, mas na proposta de como olhar a favela, empunhando a bandeira da urbanização e agregando uma série de associações de moradores. Em entrevista às pesquisadoras Sonia Fleury, Sabrina Guerghe e Juliana Kabad ele disse: “Entramos nos anos 1980 com muita força, discutindo com o poder público e fazendo o Estado abrir algumas portas e negociar diretamente com as associações. Mas isso também significou um problema porque uma parte das lideranças foi cooptada pela dinâmica institucional. Muitas se transformaram em quase gestoras de projetos governamentais. Melhor que cooptação, trata-se de um processo de barganha mútuo”. Para o entrevistado, as associações de moradores encontram-se hoje em uma espécie de “crise de identidade”, que nasce da perda de horizonte reivindicativo resultado das diversas intervenções estatais realizadas nas localidades nos anos 1980 até hoje. “Aquelas que tinham um horizonte político, de organização dos moradores numa busca constante por um Estado democrático, permaneceram com um papel mais politizado. Mas a maioria caiu na armadilha do papel de síndico. Esse é o grande nó das associações de moradores, que permanece até hoje” (Itamar Silva, jornalista, diretor do Ibase e presidente do Grupo ECO do Santa Marta em entrevista às pesquisadoras Sonia Fleury, Sabrina Guerghe e Juliana Kabad para o Le Monde Diplomatique em Fevereiro de 2013. Link <https://diplomatique.org.br/associacoes-de-moradores-precisam-repensar-seu-papel-nas-favelas/>.).<br />
Atualmente a Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) continua em atividade, tendo escritório no Centro da Cidade do Rio de Janeiro (<https://faferj.wordpress.com>). A Faferj continua lutando contra as remoções forçadas e também contra a política de segurança executada pelo poder público, cujo resultado é a produção de cenários análogos à situações de guerras nas favelas do estado.<br />
<br />
<br />
;IV. Criminalização do movimento de moradores de favela<br />
<br />
Da mesma forma que moradores de favelas são estigmatizados como “invasores”, “ilegais”, marginais e criminosos, suas organizações de ações coletivas também o são. Desde seu surgimento as associações de moradores foram controladas e tuteladas pelo estado e pelas forças repressivas, situação que se agravou durante a ditadura empresarial militar.<br />
Juliana Oakim (2013) discute como, a partir de 1967, diversas medidas administrativas foram tomadas pelo governo Negrão de Lima para diminuir a representatividade da então Fafeg. Segundo a autora: "Em outras palavras, na favela, a redução da liberdade política foi implementada antes da decretação do AI-5” (2013: 99). Da mesma forma, destaca que a partir de 1971 outras medidas de controle do associativismo dos moradores de favelas foram tomadas, como o acompanhamento das eleições pelo Serviço Social do governo do estado e a necessidade de prévia aprovação dos nomes dos candidatos pela Secretaria de Segurança - sendo que "aqueles considerados perigosos segundo a doutrina de Segurança Nacional eram vetados” (Oakim, 2013: 142).<br />
<br />
Lucas Pedretti (2018), por sua vez, investiga os crimes da ditadura empresarial-militar contra moradores de favelas e suas organizações, argumentando que os favelados – junto com outras populações consideradas minoritárias – foram afetados pela repressão mas sua história teria sido silenciada. O autor discute ainda como as categorias “subversivo” e “comunista” foram plasmadas em lideranças comunitárias da época para justificar sua repressão, detenção e até desaparecimento (2018: 112). Como demonstram Pedretti (Ibid) e Pestana (2018), a luta contra a remoção das favelas nesse período contrapôs os favelados a interesses muito poderosos, de grupos de capitais do setor imobiliário, e para desmontar a sua resistência, as forças repressivas mobilizaram grandes esforços.<br />
<br />
Durante o período da redemocratização houve uma fase de expansão do movimento de favelas, refreada logo em seguida por outras acusações de ilegalidade, dessa vez associadas à presença de traficantes varejistas de drogas nas localidades. Dessa forma, as organizações de moradores de favelas se viram duplamente cerceadas, especialmente a partir dos anos 1990: por um lado, a presença de traficantes nas favelas representou um impedimento para a ação coletiva, ao controlarem e cercearem a ação das associações de moradores; ao mesmo tempo, seus líderes foram desqualificados, identificados como porta-vozes de interesses criminosos. Essa perda de legitimidade também aconteceu dentro das próprias localidades; denúncias de corrupção, de uso dos recursos da associação para interesses pessoais e de envolvimento com o tráfico afastaram os moradores da participação nos movimentos de base e desacreditaram a atuação de seus representantes (Zaluar, 1985; Leeds, 1998; Machado da Silva e Leite, 2004).<br />
<br />
Durante os dez anos de execução do Programa de Pacificação de Favelas no Rio de Janeiro a situação pouco mudou, e o “legado” do projeto de “pacificação” foi a disseminação da militarização (Leite et al, 2018), através de procedimentos de disciplinarização, conversão moral, vigilância, silenciamento, criminalização, repressão e extermínio (Rocha, 2018). O silenciamento, especificamente, se deu através da criminalização e da desqualificação das lideranças comunitárias. A criminalização e a desqualificação foram bastante eficientes em neutralizar as críticas ao programa das Unidades de Polícia Pacificadora, ao rotular todo o posicionamento não favorável à UPP de “cúmplice dos traficantes”, ou ainda “defensor da volta do tráfico” (Rocha, 2018; Rocha et al., 2018). Dessa forma, a convivência forçada entre moradores de favelas e traficantes de drogas foi usada para criminalizar e portanto desqualificar o posicionamento dos líderes locais. Ou, como disse um ex-dirigente de associação de moradores de favelas, acusado de cumplicidade com os traficantes: “(…) a polícia sempre nos viu como coniventes. Na verdade, nós não fomos coniventes com o trafico e nem com nada de ruim nós fomos conviventes. A palavra certa é convivente. Nós convivemos” (Rocha, 2018).<br />
<br />
<br />
;V. Estudos sobre associativismo em favelas<br />
<br />
As pesquisas sobre as favelas, sua população, seus hábitos, valores e formas de organização estiveram muitas vezes orientadas por um principio reformador, como bem demonstrou Valladares (2005). No campo dos estudos sobre associativismo em favelas não foi diferente: preocupações com a “autonomia” versus a “cooptação” dessas organizações frente a governos e partidos; com o classismo versus o clientelismo de suas lideranças; com a representatividade versus o esvaziamento das entidades; entre outros, foram norte de muitas investigações. Contudo, a relação das organizações coletivas de moradores de favelas com o poder público, os políticos, as organizações supralocais (Leeds; Leeds, 1978) e o próprio movimento mais amplo de favelados variou ao longo de sua história conforme as conjunturas políticas locais e nacionais, e também as dinâmicas internas e específicas de cada uma dessas localidades. A capacidade dessas associações de fazer exigências, sua autonomia de organização, sua cooperação com políticas estatais, o nível de repressão a suas atividades etc., sempre dependeu de uma correlação de forças que se deu em ambiente altamente desfavorável politicamente para esses grupos sociais. E, ainda assim, elas lograram continuar existindo. Muitos pesquisadores debruçaram-se sobre sua história e seus dilemas. <br />
<br />
Dentre os estudos clássicos sobre o tema podemos citar, entre outros:<br />
:LEEDS, Anthony e LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. <br />
<br />
:LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: políticas de Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação (Mestrado em ciência política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.<br />
MACHADO DA SILVA, L. A. A política na favela. Cadernos Brasileiros, Ano IX, nº 41, maio/junho de 1967, pp. 35-47.<br />
<br />
:PEPPE, Atílio Machado. (1992), Associativismo e política na favela Santa Marta. Dissertação (mestrado). Departa- mento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.<br />
<br />
:PERLMAN, Janice. O Mito da Marginalidade. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2002 [1977].<br />
<br />
:VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978.<br />
<br />
:ZALUAR, Alba. A Máquina e a Revolta – As organizações populares e o significado da pobreza. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 2002 [1985].<br />
<br />
<br />
Sobre os estudos mais recentemente publicados, cabe destacar, entre outros:<br />
<br />
:ARAÚJO SILVA, Marcella Carvalho. A transformação da política na favela: um estudo de caso sobre os agentes comunitários. Diss. Dissertação, UFRJ, 2013.<br />
<br />
:CARVALHO, Monique Batista. Os dilemas da" pacificação": práticas de controle e disciplinarização na "gestão da paz" em uma favela do Rio de Janeiro. Diss. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Rio de Janeiro.[Links], 2014.<br />
<br />
:OAKIM Juliana. "Urbanização sim, remoção não". A atuação da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara nas décadas de 1960-1970. 2014. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013.<br />
<br />
:OLIVEIRA, Samuel. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 2014. 333 fls. Diss. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014.<br />
PESTANA, Marco. Os trabalhadores favelados e a luta contra o controle negociado nas favelas cariocas (1954-1964). Rio de Janeiro: Editora UFF, 2016.<br />
<br />
:ROCHA, Lia de Mattos. "Uma favela “diferente das outras?”: rotina, silenciamento e ação coletiva na favela do Pereirão." Rio de Janeiro: FAPERJ/Quartet (2013).<br />
<br />
:SANTOS, Eladir Fátima Nascimento dos. E por falar em FAFERJ… Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (1963-1993)–memória e história oral. Diss. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2009.<br />
<br />
<br />
;VI. Referências bibliográficas utilizadas:<br />
BURGOS, M. B. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR, A. & ALVITO, M. (org.). Um Século de Favela. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998.<br />
LEEDS, E. Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira: ameaças à democratização em nível local. In: ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (org.). Um Século de Favela. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998.<br />
LEITE, M. P. Miedo y representación comunitaria en las favelas de Rio de Janeiro: los invisibles exilados de la violencia. In: REGUILO, R. GODOY, M. A. (Org.). Ciudades translocales: espacios, flujo, representación. Perspectivas desde las Americas. Guadalajara/N.York, ITESO/SSRC: Editorial ITESO/Social Sciences Research Council, pp. 365-392, 2005<br />
MACHADO DA SILVA, L. A. A política na favela. Cadernos Brasileiros, Ano IX, nº 41, maio/junho de 1967, pp. 35-47.<br />
______. A Continuidade do “Problema da Favela”. In: OLIVEIRA, L. L. Cidade: Histórias e Desafios. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002.<br />
______ e LEITE, Márcia Pereira. Favelas e democracia: temas e problemas da ação coletiva nas favelas cariocas. In: MACHADO DA SILVA, L. A. et alii (orgs.), Rio: a democracia vista de baixo. Rio de Janeiro, Ibase, 2004.<br />
OAKIM Juliana. "Urbanização sim, remoção não". A atuação da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara nas décadas de 1960-1970. 2014. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013.<br />
PANDOLFI, D. e GRYNSZPAN, M. Poder Público e Favelas: uma relação delicada. In: OLIVEIRA, L. L. Cidade: Histórias e Desafios. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002.<br />
PEDRETTI, Lucas. Ditadura, remoções forçadas e a luta dos moradores de favelas da Guanabara (1963-1973). Clepsidra: Revista Interdisciplinaria de Estudios sobre Memória, v. 5, n. 10, p. 94-115, 2018.<br />
PESTANA, Marco. Complexificação da sociedade civil e ampliação seletiva do Estado brasileiro: o caso do programa de remoções de favelas no Rio de Janeiro, 1957-1973. 2018. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.<br />
ROCHA, Lia de Mattos. Associativismo de moradores de favelas cariocas e criminalização. Estudos Históricos (Rio de Janeiro), v. 31, n. 65, p. 475-494, 2018.<br />
ROCHA, Lia de Mattos, CARVALHO, Monique Batista & DAVIES, Frank Andrew. "Crítica e controle social nas margens da cidade: etnografia de espaços de participação em favelas “pacificadas” do Rio de Janeiro. r@ u Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar." Volume 10: 216-237, 2018.<br />
VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978.<br />
ZALUAR, A. A Máquina e a Revolta – As organizações populares e o significado da pobreza. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1985.<br />
<br />
<br />
<br />
Autora: Lia Rocha</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Militariza%C3%A7%C3%A3o&diff=792Militarização2019-03-21T13:11:46Z<p>Lia Rocha: </p>
<hr />
<div>Militarização<br />
<br />
Palavras-chave: militarização, intervenção, pacificação, segurança, polícia<br />
<br />
;I. Conceito<br />
Trata-se de conceito ainda em definição, parte de um importante debate travado politicamente e academicamente. <br />
Catherine Lutz (https://en.wikipedia.org/wiki/Catherine_Lutz), por exemplo, define militarização como um processo histórico-social através do qual instituições militares (as Forças Armadas nacionais) contribuíram para moldar a vida humana no planeta, seja através de sua ação seja através da disseminação de visões positivas sobre os militares e o mundo militar. A autora chama ainda atenção para os enormes investimentos públicos feitos nessas instituições que permitiram às Forças Armadas alcançarem essa influência (https://www.academia.edu/2839719/Militarization). <br />
<br />
Em sentido similar, mas com algumas divergências, Stephen Graham define militarização como a justificativa moral e ideológica que permite transformar todos os espaços em “campos de batalha”, inclusive as ruas e espaços públicos das cidades dos países centrais que sempre viram a guerra de longe, sendo travada nos países da África, Ásia e América Latina. Para o autor, vivemos em uma época que tem a “guerra como metáfora dominante para descrever a condição constante e irrestrita das sociedades urbanas – em guerra contra as drogas, contra o crime, contra o terror, contra a própria insegurança” e apresenta os espaços urbanos como “locais prosaicos e cotidianos, áreas de circulação e espaços da cidade [que] estão se tornando” palco dessas “guerras” todas. (https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/08/06/Como-o-%E2%80%98novo-urbanismo-militar%E2%80%99-est%C3%A1-redesenhando-as-grandes-cidades). <br />
<br />
Já Leite, Rocha, Farias e Carvalho argumentam, na Introdução do livro "Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção”, que a militarização é uma forma de governo, conforme pensou Foucault em seu debate sobre governamentalidade - uma forma de exercício de poder “que tem como alvo principal a população, como forma mais importante de saber, a economia política, como instrumento técnico essencial, os dispositivos de segurança” (2010, p. 303), e que envolve a preeminência da soberania e da disciplina para modelar condutas (e, portanto, não apenas o governo dos outros, mas também o governo de si). Isso significa que o poder não emana apenas das instituições estatais – ainda que seus operadores sejam atores centrais de vários dos processos e situações aqui analisados –, mas pode ser observado circulando em diversos contextos a partir de seus diferentes agentes e funcionários (aqui, o Exército, a Polícia Militar, a Polícia Civil; ali, seus agentes e a burocracia de suas diversas instituições), das igrejas, das ONGs, dos trabalhadores dos programas sociais, do mercado, e muitas vezes do crime.<br />
<br />
Muitos outros autores abordam o tema, mas não é possível recuperar todos os debates aqui. Cabe ressaltar por último que, ainda que a militarização não seja um fenômeno recente, suas configurações se modificaram em termos de um aprofundamento desta lógica, especialmente a partir dos ataques às Torres Gêmeas na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos, em 09 de Setembro de 2011. Desde então, o país tem disseminado uma doutrina securitária que tem sido chamada de guerra de nova geração, ou Guerra 4.0, onde o "campo de batalha” deixa de ser um espaço rural pouco habitado (como na 2a Guerra Mundial ou nos Conflitos Pós-Coloniais, como a Guerra da Coréia e do Vietnã ou as guerras civis africanas) para ser travada nos espaços das cidades - sejam elas no Sul Global, como Bagdá ou Rio de Janeiro, ou no Norte, como Londres, Nova Iorque, etc. A guerra deixa de ser travada no “campo de batalha” (battlefield) para ser travada potencialmente em qualquer lugar ("espaço de batalha” ou battlespace). Como afirma Graham, a “militarização da sociedade civil é a extensão das ideias militares de rastreamento, identificação e seleção nos espaços e meios de circulação da vida cotidiana.”(GRAHAM, 2016: 24).<br />
<br />
<br />
;II. Exemplos<br />
<br />
Do que estamos falando quando falamos em militarização? <br />
:Uso de armas e equipamentos considerados “de guerra” na repressão ao crime e/ou protestos e nos confrontos armados:<br />
<br />
::Tanques sendo usados para reprimir protestos na Praça da Paz Celestial, na China em 1989 (https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-protesto-da-paz-celestial/)<br />
<br />
::Blindado conhecido como Caveirão, usado frequentemente nas favelas cariocas para levar policiais militares e civis para operações (https://piaui.folha.uol.com.br/materia/dentro-do-caveirao/ e http://www.global.org.br/blog/lancamento-da-campanha-caveirao-nao-favelas-pela-vida-e-contra-as-operacoes/)<br />
<br />
::Armas “de guerra” sendo usadas também pelos membros das quadrilhas de comércio de drogas ilícitas com o treinamento de ex-militares (https://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,no-rio-ex-militares-ensinam-taticas-do-exercito-a-faccoes-criminosas,70002212653) e só sendo possível porque os policiais, que têm acesso à essas armas, vendem para os traficantes (https://istoe.com.br/113928_OS+SENHORES+DAS+ARMAS/).<br />
<br />
:tecnologias de vigilância e controle sendo utilizadas para "patrulhar" cidades e seus moradores:<br />
<br />
::Londres, por exemplo, é a cidade mais vigiada do mundo, com uma câmera para cada 14 habitantes (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1007200712.htm)<br />
<br />
::Algumas favelas ocupadas por forças de “pacificação" durante o programa das UPPs também passaram a ser vigiadas com câmeras (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/01/quatro-meses-apos-upp-rocinha-recebe-80-cameras-de-vigilancia.html).<br />
<br />
::Durante a Intervenção Federal no Rio de Janeiro (18 de fevereiro à 31 de dezembro de 2018) moradores de favelas foram “fichados” por agentes do Exército, sem qualquer justificativa (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/01/quatro-meses-apos-upp-rocinha-recebe-80-cameras-de-vigilancia.html).<br />
<br />
:Forças Armadas sendo apresentadas como modelo moral e referências para outras instituições<br />
<br />
::Escolas públicas em Goiás e no Distrito Federal cuja gestão foi entregue à policiais militares, o que implicou em uma série de novas regras para o ambiente escolar (https://epoca.globo.com/numero-de-escolas-publicas-militarizadas-no-pais-cresce-sob-pretexto-de-enquadrar-os-alunos-22904768 e https://istoe.com.br/colegios-publicos-com-gestao-militar-chegam-a-brasilia-na-era-bolsonaro/)<br />
<br />
::Também grupos religiosos têm utilizado símbolos e lemas militares em suas práticas religiosas (https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2015-03-05/polemico-exercito-da-igreja-universal-gladiadores-do-altar-chega-ao-rio.html) ou ainda membros das forças armadas se tornam líderes religiosos (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1901929-bope-abre-templo-evangelico-e-utiliza-versiculos-para-justificar-letalidade.shtml).<br />
<br />
::Tal propagação da imagem das Forças Armadas como uma instituição positiva, que deve servir de modelo para outras e que deve se tornar quase um “estilo de vida” é chamada de militarismo e teve por efeito, pelo menos no caso brasileiro, de tornar as Forças Armadas a instituição em que os brasileiros mais confiam, segundo pesquisa Datafolha de 2017. Segundo a pesquisa, 40% da população diz confiar muito nas Forças Armadas e 43% confiam um pouco. Outros 15% não confiam e 2% não souberam responder. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/06/1895770-forcas-armadas-lideram-confianca-da-populacao-congresso-tem-descredito.shtml).<br />
<br />
<br />
;III. Militarização no Rio de Janeiro - da pacificação à intervenção <br />
<br />
Há décadas o Rio de Janeiro sofre os efeitos do que chamamos aqui de militarização. Como demonstra Marcia Leite em artigo basilar para entender este processo, no Rio de Janeiro a ideia de que vivemos “em guerra” foi disseminada a partir dos anos 1980 como forma de justificar os arbítrios e crimes das polícias contra a população trabalhadora, pobre, negra e moradora de favela (http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4148.pdf). A “Metáfora da Guerra” permite legitimar o extermínio dessas pessoas e a desconsideração por seus direitos porque apresenta a questão do crime e da segurança no Rio de Janeiro não como um problema de desigualdade social, e sim como uma “guerra" onde é preciso derrotar um inimigo - que se localiza nas favelas - mesmo que à custa de "vítimas inocentes”.<br />
<br />
Ainda que o programa das Unidades de Polícia Pacificadora, iniciado em 2009 durante o governo de Sérgio Cabral (2007-2014), do PMDB, tenha sido apresentado como uma mudança da “guerra" para a “paz”, após dez anos de sua criação é possível afirmar que tal promessa não se realizou. Pelo contrário, a UPP significou a manutenção da “guerra” como forma estatal de gerenciamento da vida e dos conflitos nas favelas (Leite, 2015). Neste sentido, vale destacar que a militarização das favelas cariocas não é novidade, mas o programa representa uma ampliação da presença e atuação de forças militares (Polícia Militar de diferentes unidades, Exército, Força Nacional) nessas localidades. <br />
<br />
Foi com a UPP que se tornou mais corriqueira a ocupação militar do espaço público, o acionamento das Forças Armadas para agir como força policial, nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (https://oglobo.globo.com/rio/ao-custo-de-25-milhoes-sete-operacoes-das-forcas-armadas-prenderam-147-pessoas-22002078), a vigilância e controle dos moradores de favelas passaram a fazer parte da rotina (e não ser mais algo pontual), etc. Foi também a partir das UPPs que se fortaleceu a compreensão que os direitos sociais dos moradores de favelas estão subordinados à questão da segurança pública, em acordo com a doutrina securitária que legitima a militarização (http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/upp-adeus-baiana-realiza-acaeo-social-para-moradores/Adeus%20%7C%20Baiana). <br />
<br />
Dessa forma, o fim das UPPs não significa uma mudança na lógica da “guerra”: como sabemos, a intervenção federal na área da segurança do Rio de Janeiro, executada entre 16 de fevereiro e 31 de dezembro de 2018, representou um aprofundamento da doutrina de confronto, e em seguida a eleição do governador Wilson Witzel confirmou esse aprofundamento, com uma plataforma ainda mais bélica (https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/). <br />
Ainda sobre a Intervenção, os dados do Observatório da Intervenção (http://observatoriodaintervencao.com.br) mostram "que houve um aumento significativo dos disparos e tiroteios (57%), das chacinas (64%) e das mortes por policiais (34%), em comparação com o mesmo período do ano anterior (fevereiro a dezembro). As mortes violentas no geral tiveram uma leve queda de 2%. Já o número de policiais mortos em 2018 (92) foi o menor da série histórica, segundo a PM” (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/intervencao-no-rio-nao-gerou-mudancas-efetivas-conclui-estudo.shtml). A mesma matéria destaca os custos da intervenção, o que foi considerado muito alto para pouco retorno: "A equipe da intervenção recebeu R$ 1,2 bilhão para investir na segurança pública do estado e conseguiu empenhar 97% desse valor, mas até agora só 10% foram efetivamente gastos.”. <br />
<br />
<br />
:Por que então a intervenção foi realizada?<br />
Quando anunciou a intervenção, em pronunciamento nacional no dia 16 de fevereiro, o Presidente Michel Temer declarou que seu objetivo era “(...) pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” no estado. Disse ainda que “o crime organizado quase tomou conta do Rio de Janeiro, uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a segurança do nosso povo”. Afirmando se tratar de uma “medida extrema”, justificou que era inaceitável a situação de mortes de “pais e mães de família, trabalhadores, policiais, jovens e crianças, bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis e avenidas sendo utilizadas como trincheiras”. “A desordem, sabemos todos, é a pior das guerras”. Terminou garantindo que, após retirar o país da pior recessão de sua história, iria restaurar a ordem pública. “Muitas vezes o Brasil está a demandar medidas extremas para colocar ordem nas coisas” ((https://www.youtube.com/watch?v=7HOlqToJhcM).<br />
Em termos concretos, considerando os números resultantes da intervenção, diversos militantes de movimentos sociais, ativistas e pesquisadores têm argumentado que um dos objetivos da intervenção era reduzir o roubo de cargas (https://diplomatique.org.br/a-intervencao-de-interesses-privados-na-seguranca-publica-no-rio-de-janeiro/), tipo de crime que afeta os negócios de milicianos que vendem proteção na cidade para empresários e são, como sabido, fortemente ligados aos grupos no poder (https://theintercept.com/2019/01/22/bolsonaros-milicias/). Outro motivo seria arranjar uma saída menos vexatória para o Temer para o fracasso político de não conseguir aprovar a Reforma da Previdência, pois durante a vigência de uma intervenção federal nos estados a Constituição Federal não pode ser modificada (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/16/politica/1518802306_130926.html). E, por fim, a intervenção foi uma tentativa (fracassada) de melhorar os níveis baixíssimos de aprovação popular de Temer (https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/03/06/apos-intervencao-aprovacao-do-governo-temer-ficam-em-43-diz-cntmda.htm), ao colocar "no centro do debate público – nas manchetes de jornal, no posicionamento dos partidos políticos e movimentos sociais e nas rodas de conversas das pessoas comuns – o tema da segurança pública, esse conhecido Cavalo de Tróia da política fluminense e nacional“ (Rocha, 2018). <br />
<br />
;IV. Referências:<br />
<br />
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.<br />
GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo Editorial, Coleção Estado de Sítio, 2016.<br />
LEITE, Márcia Pereira. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IMPRESSO), São Paulo, v. 15, n.44, p. 73-90, 2000.<br />
LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique. (Org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1.<br />
Sandra e Masé In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1, p. 142-160.<br />
LUTZ, Catherine.“Militarization”. In: 2018 International Encyclopedia of Anthropology. London: Wiley-Blackwell, p. 7008 (2018).<br />
MACHADO, Carly; ESPERANCA, V. ; GONCALVES, V. . Militarização e Religião: alianças e controvérsias entre projetos morais de governo de territórios urbanos pacificados. In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1, p. 142-160.<br />
ROCHA, Lia de Mattos. "Democracia e militarização no Rio de Janeiro:“pacificação”, intervenção e seus efeitos no espaço público." In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção. Rio de Janeiro: Mórula (2018): 223-239.<br />
<br />
<br />
Autor: Lia Rocha</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Militariza%C3%A7%C3%A3o&diff=791Militarização2019-03-21T13:00:19Z<p>Lia Rocha: a pedido da Marcia Leite fiz o verbete</p>
<hr />
<div>Militarização<br />
<br />
palavras-chave: militarização, intervenção, pacificação, segurança, polícia<br />
<br />
I. Conceito<br />
Trata-se de conceito ainda em definição, parte de um importante debate travado politicamente e academicamente. <br />
Catherine Lutz (https://en.wikipedia.org/wiki/Catherine_Lutz), por exemplo, define militarização como um processo histórico-social através do qual instituições militares (as Forças Armadas nacionais) contribuíram para moldar a vida humana no planeta, seja através de sua ação seja através da disseminação de visões positivas sobre os militares e o mundo militar. A autora chama ainda atenção para os enormes investimentos públicos feitos nessas instituições que permitiram às Forças Armadas alcançarem essa influência (https://www.academia.edu/2839719/Militarization). <br />
Em sentido similar, mas com algumas divergências, Stephen Graham define militarização como a justificativa moral e ideológica que permite transformar todos os espaços em “campos de batalha”, inclusive as ruas e espaços públicos das cidades dos países centrais que sempre viram a guerra de longe, sendo travada nos países da África, Ásia e América Latina. Para o autor, vivemos em uma época que tem a “guerra como metáfora dominante para descrever a condição constante e irrestrita das sociedades urbanas – em guerra contra as drogas, contra o crime, contra o terror, contra a própria insegurança” e apresenta os espaços urbanos como “locais prosaicos e cotidianos, áreas de circulação e espaços da cidade [que] estão se tornando” palco dessas “guerras” todas. (https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/08/06/Como-o-%E2%80%98novo-urbanismo-militar%E2%80%99-est%C3%A1-redesenhando-as-grandes-cidades). <br />
Já Leite, Rocha, Farias e Carvalho argumentam, na Introdução do livro "Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção”, que a militarização é uma forma de governo, conforme pensou Foucault em seu debate sobre governamentalidade - uma forma de exercício de poder “que tem como alvo principal a população, como forma mais importante de saber, a economia política, como instrumento técnico essencial, os dispositivos de segurança” (2010, p. 303), e que envolve a preeminência da soberania e da disciplina para modelar condutas (e, portanto, não apenas o governo dos outros, mas também o governo de si). Isso significa que o poder não emana apenas das instituições estatais – ainda que seus operadores sejam atores centrais de vários dos processos e situações aqui analisados –, mas pode ser observado circulando em diversos contextos a partir de seus diferentes agentes e funcionários (aqui, o Exército, a Polícia Militar, a Polícia Civil; ali, seus agentes e a burocracia de suas diversas instituições), das igrejas, das ONGs, dos trabalhadores dos programas sociais, do mercado, e muitas vezes do crime.<br />
Muitos outros autores abordam o tema, mas não é possível recuperar todos os debates aqui. Cabe ressaltar por último que, ainda que a militarização não seja um fenômeno recente, suas configurações se modificaram em termos de um aprofundamento desta lógica, especialmente a partir dos ataques às Torres Gêmeas na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos, em 09 de Setembro de 2011. Desde então, o país tem disseminado uma doutrina securitária que tem sido chamada de guerra de nova geração, ou Guerra 4.0, onde o "campo de batalha” deixa de ser um espaço rural pouco habitado (como na 2a Guerra Mundial ou nos Conflitos Pós-Coloniais, como a Guerra da Coréia e do Vietnã ou as guerras civis africanas) para ser travada nos espaços das cidades - sejam elas no Sul Global, como Bagdá ou Rio de Janeiro, ou no Norte, como Londres, Nova Iorque, etc. A guerra deixa de ser travada no “campo de batalha” (battlefield) para ser travada potencialmente em qualquer lugar ("espaço de batalha” ou battlespace). Como afirma Graham, a “militarização da sociedade civil é a extensão das ideias militares de rastreamento, identificação e seleção nos espaços e meios de circulação da vida cotidiana.”(GRAHAM, 2016: 24).<br />
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II. Exemplos<br />
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Do que estamos falando quando falamos em militarização? <br />
Uso de armas e equipamentos considerados “de guerra” na repressão ao crime e/ou protestos e nos confrontos armados:<br />
Tanques sendo usados para reprimir protestos na Praça da Paz Celestial, na China em 1989 (https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-o-protesto-da-paz-celestial/)<br />
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Blindado conhecido como Caveirão, usado frequentemente nas favelas cariocas para levar policiais militares e civis para operações (https://piaui.folha.uol.com.br/materia/dentro-do-caveirao/ e http://www.global.org.br/blog/lancamento-da-campanha-caveirao-nao-favelas-pela-vida-e-contra-as-operacoes/)<br />
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Armas “de guerra” sendo usadas também pelos membros das quadrilhas de comércio de drogas ilícitas com o treinamento de ex-militares (https://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,no-rio-ex-militares-ensinam-taticas-do-exercito-a-faccoes-criminosas,70002212653) e só sendo possível porque os policiais, que têm acesso à essas armas, vendem para os traficantes (https://istoe.com.br/113928_OS+SENHORES+DAS+ARMAS/).<br />
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b) tecnologias de vigilância e controle sendo utilizadas para "patrulhar" cidades e seus moradores:<br />
Londres, por exemplo, é a cidade mais vigiada do mundo, com uma câmera para cada 14 habitantes (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1007200712.htm)<br />
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Algumas favelas ocupadas por forças de “pacificação" durante o programa das UPPs também passaram a ser vigiadas com câmeras (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/01/quatro-meses-apos-upp-rocinha-recebe-80-cameras-de-vigilancia.html).<br />
favelados registrados intervenção<br />
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Durante a Intervenção Federal no Rio de Janeiro (18 de fevereiro à 31 de dezembro de 2018) moradores de favelas foram “fichados” por agentes do Exército, sem qualquer justificativa (http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/01/quatro-meses-apos-upp-rocinha-recebe-80-cameras-de-vigilancia.html).<br />
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c) Forças Armadas sendo apresentadas como modelo moral e referências para outras instituições<br />
Escolas públicas em Goiás e no Distrito Federal cuja gestão foi entregue à policiais militares, o que implicou em uma série de novas regras para o ambiente escolar (https://epoca.globo.com/numero-de-escolas-publicas-militarizadas-no-pais-cresce-sob-pretexto-de-enquadrar-os-alunos-22904768 e https://istoe.com.br/colegios-publicos-com-gestao-militar-chegam-a-brasilia-na-era-bolsonaro/)<br />
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Também grupos religiosos têm utilizado símbolos e lemas militares em suas práticas religiosas (https://odia.ig.com.br/_conteudo/noticia/rio-de-janeiro/2015-03-05/polemico-exercito-da-igreja-universal-gladiadores-do-altar-chega-ao-rio.html) ou ainda membros das forças armadas se tornam líderes religiosos (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/07/1901929-bope-abre-templo-evangelico-e-utiliza-versiculos-para-justificar-letalidade.shtml).<br />
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Tal propagação da imagem das Forças Armadas como uma instituição positiva, que deve servir de modelo para outras e que deve se tornar quase um “estilo de vida” é chamada de militarismo e teve por efeito, pelo menos no caso brasileiro, de tornar as Forças Armadas a instituição em que os brasileiros mais confiam, segundo pesquisa Datafolha de 2017. Segundo a pesquisa, 40% da população diz confiar muito nas Forças Armadas e 43% confiam um pouco. Outros 15% não confiam e 2% não souberam responder. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/06/1895770-forcas-armadas-lideram-confianca-da-populacao-congresso-tem-descredito.shtml).<br />
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III. Militarização no Rio de Janeiro - da pacificação à intervenção <br />
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Há décadas o Rio de Janeiro sofre os efeitos do que chamamos aqui de militarização. Como demonstra Marcia Leite em artigo basilar para entender este processo, no Rio de Janeiro a ideia de que vivemos “em guerra” foi disseminada a partir dos anos 1980 como forma de justificar os arbítrios e crimes das polícias contra a população trabalhadora, pobre, negra e moradora de favela (http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n44/4148.pdf). A “Metáfora da Guerra” permite legitimar o extermínio dessas pessoas e a desconsideração por seus direitos porque apresenta a questão do crime e da segurança no Rio de Janeiro não como um problema de desigualdade social, e sim como uma “guerra" onde é preciso derrotar um inimigo - que se localiza nas favelas - mesmo que à custa de "vítimas inocentes”.<br />
Ainda que o programa das Unidades de Polícia Pacificadora, iniciado em 2009 durante o governo de Sérgio Cabral (2007-2014), do PMDB, tenha sido apresentado como uma mudança da “guerra" para a “paz”, após dez anos de sua criação é possível afirmar que tal promessa não se realizou. Pelo contrário, a UPP significou a manutenção da “guerra” como forma estatal de gerenciamento da vida e dos conflitos nas favelas (Leite, 2015). Neste sentido, vale destacar que a militarização das favelas cariocas não é novidade, mas o programa representa uma ampliação da presença e atuação de forças militares (Polícia Militar de diferentes unidades, Exército, Força Nacional) nessas localidades. <br />
Foi com a UPP que se tornou mais corriqueira a ocupação militar do espaço público, o acionamento das Forças Armadas para agir como força policial, nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (https://oglobo.globo.com/rio/ao-custo-de-25-milhoes-sete-operacoes-das-forcas-armadas-prenderam-147-pessoas-22002078), a vigilância e controle dos moradores de favelas passaram a fazer parte da rotina (e não ser mais algo pontual), etc. Foi também a partir das UPPs que se fortaleceu a compreensão que os direitos sociais dos moradores de favelas estão subordinados à questão da segurança pública, em acordo com a doutrina securitária que legitima a militarização (http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/upp-adeus-baiana-realiza-acaeo-social-para-moradores/Adeus%20%7C%20Baiana). <br />
Dessa forma, o fim das UPPs não significa uma mudança na lógica da “guerra”: como sabemos, a intervenção federal na área da segurança do Rio de Janeiro, executada entre 16 de fevereiro e 31 de dezembro de 2018, representou um aprofundamento da doutrina de confronto, e em seguida a eleição do governador Wilson Witzel confirmou esse aprofundamento, com uma plataforma ainda mais bélica (https://veja.abril.com.br/politica/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo/). <br />
Ainda sobre a Intervenção, os dados do Observatório da Intervenção (http://observatoriodaintervencao.com.br) mostram "que houve um aumento significativo dos disparos e tiroteios (57%), das chacinas (64%) e das mortes por policiais (34%), em comparação com o mesmo período do ano anterior (fevereiro a dezembro). As mortes violentas no geral tiveram uma leve queda de 2%. Já o número de policiais mortos em 2018 (92) foi o menor da série histórica, segundo a PM” (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/intervencao-no-rio-nao-gerou-mudancas-efetivas-conclui-estudo.shtml). A mesma matéria destaca os custos da intervenção, o que foi considerado muito alto para pouco retorno: "A equipe da intervenção recebeu R$ 1,2 bilhão para investir na segurança pública do estado e conseguiu empenhar 97% desse valor, mas até agora só 10% foram efetivamente gastos.”. <br />
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Por que então a intervenção foi realizada?<br />
Quando anunciou a intervenção, em pronunciamento nacional no dia 16 de fevereiro, o Presidente Michel Temer declarou que seu objetivo era “(...) pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” no estado. Disse ainda que “o crime organizado quase tomou conta do Rio de Janeiro, uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a segurança do nosso povo”. Afirmando se tratar de uma “medida extrema”, justificou que era inaceitável a situação de mortes de “pais e mães de família, trabalhadores, policiais, jovens e crianças, bairros inteiros sitiados, escolas sob a mira de fuzis e avenidas sendo utilizadas como trincheiras”. “A desordem, sabemos todos, é a pior das guerras”. Terminou garantindo que, após retirar o país da pior recessão de sua história, iria restaurar a ordem pública. “Muitas vezes o Brasil está a demandar medidas extremas para colocar ordem nas coisas” ((https://www.youtube.com/watch?v=7HOlqToJhcM).<br />
Em termos concretos, considerando os números resultantes da intervenção, diversos militantes de movimentos sociais, ativistas e pesquisadores têm argumentado que um dos objetivos da intervenção era reduzir o roubo de cargas (https://diplomatique.org.br/a-intervencao-de-interesses-privados-na-seguranca-publica-no-rio-de-janeiro/), tipo de crime que afeta os negócios de milicianos que vendem proteção na cidade para empresários e são, como sabido, fortemente ligados aos grupos no poder (https://theintercept.com/2019/01/22/bolsonaros-milicias/). Outro motivo seria arranjar uma saída menos vexatória para o Temer para o fracasso político de não conseguir aprovar a Reforma da Previdência, pois durante a vigência de uma intervenção federal nos estados a Constituição Federal não pode ser modificada (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/16/politica/1518802306_130926.html). E, por fim, a intervenção foi uma tentativa (fracassada) de melhorar os níveis baixíssimos de aprovação popular de Temer (https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/03/06/apos-intervencao-aprovacao-do-governo-temer-ficam-em-43-diz-cntmda.htm), ao colocar "no centro do debate público – nas manchetes de jornal, no posicionamento dos partidos políticos e movimentos sociais e nas rodas de conversas das pessoas comuns – o tema da segurança pública, esse conhecido Cavalo de Tróia da política fluminense e nacional“ (Rocha, 2018). <br />
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IV. Referências:<br />
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FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.<br />
GRAHAM, Stephen. Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar. São Paulo: Boitempo Editorial, Coleção Estado de Sítio, 2016.<br />
LEITE, Márcia Pereira. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IMPRESSO), São Paulo, v. 15, n.44, p. 73-90, 2000.<br />
LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique. (Org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1.<br />
Sandra e Masé In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1, p. 142-160.<br />
LUTZ, Catherine.“Militarization”. In: 2018 International Encyclopedia of Anthropology. London: Wiley-Blackwell, p. 7008 (2018).<br />
MACHADO, Carly; ESPERANCA, V. ; GONCALVES, V. . Militarização e Religião: alianças e controvérsias entre projetos morais de governo de territórios urbanos pacificados. In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da pacificação à intervenção. 1ed.Rio de Janeiro: Mórula, 2018, v. 1, p. 142-160.<br />
ROCHA, Lia de Mattos. "Democracia e militarização no Rio de Janeiro:“pacificação”, intervenção e seus efeitos no espaço público." In: LEITE, Marcia; ROCHA, Lia; FARIAS, Juliana; CARVALHO, Monique (org.). Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção. Rio de Janeiro: Mórula (2018): 223-239.<br />
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Autor: Lia Rocha</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Projetos_Sociais_e_Ongs&diff=713Projetos Sociais e Ongs2019-03-19T17:19:18Z<p>Lia Rocha: coloquei o verbete inteiro</p>
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<div>1. Introdução.<br />
A partir dos anos 1990 novas formas de organização coletiva têm surgido dentro dos espaços das favelas: organizações não-governamentais que executam “projetos sociais” nas favelas, grupos culturais, reunindo artistas de diversos tipos, associações de familiares de vítimas de violência em busca de justiça e reparação, etc., representam um novo espectro de formato associativo que tem atuado com maior intensidade. Neste contexto destacam-se as ONGs, que têm sido vistas como “novos sujeitos na cena política”, não apenas nos espaços da favela, mas em toda “a cena política e social nacional e internacional” (Cicconello, 2006). Segundo o IBGE (em pesquisa citada por Cicconello, 2005), em 2005 existiam mais de 338 mil ONGs no país, mas não é possível estimar a quantidade de ONGs que atualmente executam “projetos sociais” no Rio de Janeiro, particularmente em suas favelas e territórios periféricos. Ainda que com abordagens, pressupostos e intenções variadas, essas novas organizações de moradores de favela parecem gravitar em torno da temática da juventude moradora de regiões periféricas e de favelas. São jovens o público-alvo principal de ações públicas e privadas realizadas nesses espaços que visam o “combate à pobreza e à vulnerabilidade social”, objeto de muitos projetos sociais executados por ONGs. Vale ainda ressaltar que no contexto de criminalização das organizações de moradores de favelas (como as associações de moradores), muitas ONGs têm sido tratadas pelo poder público e pela mídia como interlocutores "confiáveis" para exercer o papel de mediadores com as populações dessas localidades (Rocha, 2013).<br />
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2. Organizações não-governamentais<br />
O termo ONG aparece nas pesquisas oficiais englobando diferentes categorias de instituições, como na pesquisa feita pelo IBGE e divulgada em agosto de 2008. Sob o termo Fundações Privadas e Associações sem fins lucrativos encontram-se congregações religiosas, associações patronais e profissionais, organizações de assistência social, de defesa de direitos (que inclui associações comunitárias, de moradores e de defesa de minorias), entre outras, o dificulta mensurar o real tamanho das organizações não-governamentais que executam “projetos sociais” e que atuam em favelas. <br />
Segundo Gohn (2002), as ONGs surgem no contexto da década de 1990, como parte da proposta de organismos internacionais como Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para o combate à fome e à miséria nos países em desenvolvimento. Assim, a receita para combater tal situação de desigualdade deixa de ser a criação de políticas públicas universalistas como desenvolvimento econômico e educação - ligadas ao paradigma do Estado de Bem-Estar Social, e passa a ser a “parceria” entre governos e sociedade civil organizada na execução de ações governamentais - mais adequado ao paradigma neoliberal em voga. <br />
Para que tal atuação fosse possível era necessário um maior grau de institucionalização dessas organizações, visando maior sustentação e reprodução dentro do mercado, isso é, eficácia na prestação de serviços e arrecadação de recursos. Institui-se uma lógica diferente à que orientava os movimentos sociais, que não tinham tais preocupações mercadológicas e, ao mesmo tempo, permitiu que a burocracia estatal fosse diminuída pela transferência de atribuições e responsabilidades às ONGs (Gohn, 2002: 300).<br />
Segundo o IBGE, em 2005 funcionavam no Brasil mais de 338 mil organizações, e a cada dia 57 ONGs eram criadas no país. De acordo com dados citados pela Revista, essas organizações receberam em 2007 R$ 1.150 milhões – o que representa uma duplicação dos investimentos sociais feitos no ano de 2001. Ainda segundo dados do IBGE, e computados pela Revista Época, a distribuição das ongs é a seguinte: 24,8% são Congregações Religiosas; 17,8% são entidades de Defesa de direitos (sendo metade associações comunitárias, um terço são associações de moradores e 10% entidades de defesa de grupos específicos e minorias); 17,4% são associações patronais e profissionais; 13,9% são entidades de Cultura e recreação; 11,6% são de Assistência Social; 5,9% Educação e pesquisa; 1,3% Saúde; 0,8% Meio ambiente e proteção animal; 0,1% Habitação e 6,4% outras atividades.<br />
Landim (2005) discute dados de 2002 sobre o setor de Fundações e Associações sem fins lucrativos (Fasfil) no Brasil, mostrando como esse tem crescido nos últimos anos (o recorte temporal da pesquisa é de 1996 a 2002), especialmente o setor de desenvolvimento e defesa de direitos, onde se encontra a maior parte das ONGs, segundo a autora (2005: 83). Analisando os dados relativos às fundações e associações criadas mais recentemente, a autora afirma que a maioria é de “vocação territorializada local e de interesse geral (comunitárias e de moradores)”, e de defesa de direitos de grupos e minorias (Landim, 2005: 82). Ela aponta ainda que este crescimento acontece em um conhecido contexto de "(...) redefinição das relações entre Estado e sociedade, as transformações nas modalidades de regulação do laço social, as mudanças no mundo do trabalho e nas formas de solidariedade a elas associadas, o aumento da desigualdade e da desafiliação social, as dinâmicas de descentralização político-administrativas, etc.”. (Landim, 2005: 77).<br />
Sobre as ONGs que atuam especificamente junto à população moradora de favelas, cabe fazer algumas observações. A primeira dela diz respeito à composição da organização e, neste sentido, a sua função dentro da localidade. As ONGs que atuam em favelas são muitas vezes classificadas como “de dentro” da favela onde atuam, ou “de fora”. E esta diferenciação implica na legitimidade que possuem para exercerem também papel de representação política (em alguns casos concorrendo com as associações de moradores) ou não. ONGs que ficaram muito identificadas com as favelas onde estão localizadas, como a Central Única de Favelas, o AfroReggae, entre outras, desenvolveram também o papel de mediadoras entre as populações faveladas e os moradores do “asfalto”, através de suas apresentação artísticas e também pela participação em palestras, programas de TV e outros espaços disponíveis. Seus participantes buscam não apenas dar visibilidade ao trabalho que realizam, mas também comprovar – através da apresentação de si mesmos – que “nem todos os favelados são bandidos”. Dessa forma, aproximam estratos sociais que se encontram afastados geográfica e socialmente, e combatem a generalização, “palavra-chave da ‘cultura do medo’” (Novaes, 2003: 153).<br />
A segunda observação diz respeito ao objeto da atuação - ou, usando o jargão da área, o “público-alvo”. Ainda que com abordagens, pressupostos e intenções variadas, as ONGs em tela parecem gravitar em torno da temática da juventude moradora de regiões periféricas e de favelas. São jovens os principais participantes de grupos e movimentos culturais fortemente identificados com esses territórios (por exemplo, o funk, o hip-hop, o jongo, etc. ); e são também jovens o público-alvo principal de ações públicas e privadas realizadas nesses espaços que visam o “combate à pobreza e à vulnerabilidade social”. É evidente que tal escolha não é aleatória ou (somente) ideológica: não apenas os jovens são as maiores vítimas de homicídios dolosos no Rio de Janeiro como são também os jovens negros que são identificados como participantes potenciais de carreiras criminosas (Rocha, 2014). Assim, a questão da juventude pobre (desde a década de 1990) é apresentada como a questão da potencial adesão deste grupo etário à criminalidade violenta (Sposito e Carrano, 2003; Abramo, 1997), e a atuação de muitas dessas organizações, as não-governamentais particularmente, passou a ser voltada para “resgatar” a juventude dos riscos dessa adesão. <br />
Vale ressaltar que as políticas sociais voltadas para os jovens no Brasil, no geral, enquadram esse grupo como “problema” mesmo quando não são executadas em favelas (Cf. SPOSITO E CARRANO, 2003). No entanto, muitas dessas ações têm por objetivo, direta ou indiretamente, conter o risco real ou potencial que esses jovens de camadas pobres dos centros urbanos brasileiros representam, através de seu afastamento “da rua” e da ocupação de suas “mãos ociosas”.<br />
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3. Projetos Sociais<br />
disciplina<br />
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Os projetos sociais são a forma através da qual as ONGs atuam nas localidades, executam sua finalidade e também o meio pelo qual buscam seu financiamento. <br />
Para além da dimensão documental do projeto social - onde a organização apresenta os objetivos de sua iniciativa, o público-alvo que pretende atingir, os objetivos e o impacto que pretendem alcançar, interessa-nos discutir os efeitos da realização dos projetos nas favelas. <br />
Ao longo das décadas de 1990 e 2000 tornou-se comum nas favelas cariocas a presença de “projetos sociais” que tinham como objetivo “tirar os jovens do tráfico de drogas”. A ideia que se reproduzia constantemente era que, através desse tipo de atuação, seria possível "disputar" os jovens moradores de favela com os traficantes de drogas locais, criando “(...) condições de atração da juventude pobre, bloqueando sua cooptação pelos grupos que operam o tráfico de drogas e de armas (...)” (SOARES, 1996: 298). Uma das modalidades em que seria feita essa “disputa” seria através da "inserção de jovens no mercado de trabalho". Todavia, em função da desigualdade social e do racismo estrutural que caracterizam nosso país, o mercado de trabalho que se projeta para o jovem favelado é, na grande maioria das vezes, um mercado informal com relações de trabalho extremamente precarizadas e informais (TELLES, 2006). Nesse sentido, o “empreendedorismo” (individual ou coletivo) aparece como ponto chave no processo de transmutação do jovem favelado de “potencial bandido” em “trabalhador capacitado para o mundo do trabalho” (Rocha, 2014; Leite, 2017). No estágio atual do capitalismo, de reestruturação produtiva e novas formas de acumulação, o empreendedorismo se torna um valor central, ao incentivar que os agentes econômicos sejam responsáveis por seu próprio desenvolvimento. Para alguns autores, contudo, a ideologia do empreendedorismo mascara uma “forma oculta de trabalho assalariado”, através de novas formas de flexibilização de salários, horas de trabalho e estruturas organizativas e funcionais (ANTUNES, 2008:8). <br />
Rocha (2014) descreve como, nos projetos sociais, o empreendedorismo é disseminado através do aprendizado de “regras” apresentadas como básicas no mundo do trabalho: como escolher a roupa certa, qual a postura e o vocabulário correto, etc. Assim, seria ensinado o código do vestuário, interditando o uso de shorts, roupas curtas, chinelos; o código do vocabulário, que impediria o uso de gírias; e o código corporal, que orientaria os jovens a não usarem cabelos descoloridos (imitando alguns artistas populares), piercings e outras marcas corporais distintivas. Tais códigos seriam fundamentais para o sucesso na entrevista de emprego, onde os empregadores estariam, segundo os executores dos projetos sociais, avaliando se os candidatos são portadores dessas regras, desse conhecimento. Para a autora, esse aprendizado à princípio pareceria apenas uma tentativa de remodelar o jovem do seu estado “natural” em um estado mais adequado ao novo mundo no qual ele deveria ser aceito. Contudo, observando as características que são identificadas como desejáveis e as que são indesejáveis vemos como há uma forte estigmatização dos traços identificados fortemente como pertencentes a moradores de favelas.<br />
Da mesma forma, a caracterização dos jovens moradores de favelas como “público-alvo” dessas iniciativas também parte de uma estigmatização, que vê esses jovens como “em risco social”. Contudo, “no repertório dos projetos sociais” o conceito de “risco social” está quase sempre referido aos jovens moradores das grandes cidades e aos perigos a que estão submetidos por serem agentes e vítimas preferenciais da violência urbana, mas sem clareza sobre que perigos são esses – a adesão ao crime seria um deles, mas não o único (Rocha, 2014).<br />
Contudo, os projetos sociais voltados para os jovens moradores de favela não se resumem aos descritos acima. Outras grandes ONGs cariocas - como as já mencionadas AfroReggae, Central Única de Favelas, Nós do Morro, etc. - possuem grandes financiamentos e projetos bastante bem sucedidos no Rio de Janeiro e em outros estados. Essas organizações, especialmente as conduzidas por moradores de favelas e espaços periféricos, elencam entre seus objetivos mudar a imagem das favelas e de seus moradores, o que explicaria o investimento em projetos ligados à cultura: audiovisual, música e outras representações artísticas que dão visibilidade a uma “cultura da favela”. Afirmam que assim ajudam a combater o estigma contra o favelado e o racismo, aumentando a “auto-estima” dessa população, mas também buscam intervir nas dinâmicas locais de violência, com o discurso de “tirar os jovens da criminalidade e do ócio” (AFFROREGAE, 2011). Além disso, adquiriram legitimidade para falar publicamente pelas favelas cariocas, através de seus principais representantes. Tal legitimidade é resultado do sucesso na realização de seus projetos, mas também no fato de apresentarem-se e serem reconhecidos como “o lado bom” das favelas, não envolvidos com o crime (que ajudariam a combater), engajados no trabalho social, representantes da “cultura” das favelas, artistas, etc. <br />
Essas iniciativas têm, direta ou indiretamente, relação com a proposta de autorrepresentação defendida por grupos identificados (seja por origem ou afinidade) com espaços e culturas periféricas, e que hoje se torna visível através de iniciativas bem sucedidas como filmes, espetáculos e festivais. Neste contexto, as ações recentes de moradores de favelas para produzir imagens positivas sobre si mesmos e seus locais de moradia inserem-se em uma disputa simbólica que, no limite, determina quem é “de bem” e quem não é, quem pode ser considerado cidadão e quem não pode. Assim, ao articular iniciativas locais de intervenção social, geralmente ligadas à inserção profissional, com a produção de bens culturais que remetem a valorização das favelas e de sua cultura local, esses moradores de favela tentam apresentar-se publicamente (a si e às favelas) como portadores de valor, e em oposição aos traficantes de drogas.<br />
Entre essas iniciativas podemos destacar o Museu da Maré (http://www.museudamare.org.br/joomla/) desenvolvido pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) com o objetivo de resgatar a história da favela e contribuir para o fortalecimento de uma identidade local; o site Viva Favela (http://www.vivafavela.com.br/), criado pelo Viva Rio, mas com a contribuição de diversos moradores de favelas para veicular notícias sobre esses territórios; e por fim o Favela Festival, mencionado acima, e cujo objetivo é mostrar como “(...) A favela, com todas as suas limitações, abre as portas para o festival deixando os problemas de lado e revelando ao mundo que sua música, antes marginalizada, tem grande influência na sociedade atual quebrando de vez o estigma 'favela x asfalto'” (Favela Festival, 2012).<br />
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4. Projetos sociais e “pacificação”<br />
O Programa de Pacificação de Favelas, através das UPPs, esteve fortemente conectado aos projetos sociais e as parcerias com as ONGs. Nesse contexto, o “projeto social” assume a função de um espaço “adequado” para o jovem, porque confinado e supervisionado por tutores: forma de garantir que ele não ficará na rua, em aglomerações consideradas suspeitas, não estará usando ou vendendo drogas durante as horas em que estiver no "projeto", e estará aprendendo “coisas boas”, saindo do ócio e "ocupando sua cabeça". Os “projetos sociais” são espaços de sociabilidade para os jovens em oposição à ociosidade, ou a ficar na rua de forma considerada errante, ou sem objetivo. O “projeto” é, portanto, apresentado como alternativa à rua ou ao ócio, situações que são compreendidas como levando inexoravelmente o jovem ao uso de drogas e ao engajamento em carreira criminosa (Rocha, 2014). Por conta dessa visão positiva que os projetos têm, especialmente no contexto da “pacificação”, a participação no projeto social significa para o jovem uma possibilidade de escapar (ou pelo menos tentar) do estigma que recai sobre os favelados - funcionam como “passaportes simbólicos” (Freire-Medeiros e Rocha, 2013). E no caso de encontros indesejados com a polícia, este “passaporte” também é um meio para (tentar) diminuir a vigilância e a discricionariedade experimentada nessas situações. Assim, os jovens podem dar outro uso ao “passaporte simbólico” que é a participação no “projeto social”, e tentar assim ultrapassar as barreiras tanto fora das favelas quanto internamente (Rocha, 2014; Freire-Medeiros e Rocha, 2013).<br />
Assim, projetos sociais articulam diversas expectativas: para os jovens que são seu “público-alvo”, são vistos como atalhos para o mercado de trabalho mas, sobretudo, como "passaportes simbólicos” que permitem fazer a “limpeza moral” das criminalizações; para os adultos (os pais, os professores, a polícia, os empregradores, etc.), funcionam como forma de disciplinamento, controlando o jovem e o tornando mais moldado para o mundo adulto.<br />
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Referências Bibliográficas:<br />
ABRAMO, H. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. N. 5, 1997.<br />
CICCONELLO, A. Novos sujeitos na cena política: uma análise do perfil das ONGs de defesa de direitos e desenvolvimento associadas à Abong. In: ONGs no Brasil. Perfil das Associadas à Abong. São Paulo: Abong, 2006, pp. 07-21.<br />
FRERE-MEDEIROS, B. ; ROCHA, L. M. . Uma pequena revolução: arte, mobilidade e segregação em uma favela carioca. In: Geraldo Ramos Pontes Jr; Myrian Sepúlveda dos Santos; Rogério Ferreira de Souza; Victor Hugo Adler Pereira. (Org.). Cultura, Memória e Poder: diálogos interdisciplinares. 1ed.Rio De Janeiro: Editora UERJ/Faperj, 2013, v. 1, p. 107-119.<br />
Leite, Márcia Pereira. "State, market and administration of territories in the city of Rio de Janeiro." Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology 14.3 (2017).<br />
ROCHA, L. M. Uma favela diferente das outras. Rotina, silenciamento e ação coletiva na favela do Pereirão, Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Quartet/ Faperj, 2013.<br />
ROCHA, Lia de Mattos. "O Repertório dos Projetos Sociais: política, mercado e controle social nas favelas." In: BIRMAN, Patricia et al. Dispositivos Urbanos e Trama dos Viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: FGV/Faperj (2014): 291-312.<br />
SOARES, L. E. O mágico de Oz e outras histórias sobre a violência no Rio. In: Soares et al. Violência e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ISER, 1996, pp. 251-272.<br />
SPOSITO, M. P. e CARRANO, P. C. R. Juventude e Políticas Públicas no Brasil. Revista Brasileira de Educação. Set/Out/Nov/Dez 2003, pp. 16-39.<br />
TELLES, V. da S. Mutações do trabalho e experiência urbana. Tempo Social. São Paulo, V. 18, n. 1, Junho de 2006.<br />
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Autora: Lia Rocha</div>Lia Rochahttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Associa%C3%A7%C3%A3o_de_moradores_e_Movimentos_Sociais&diff=712Associação de moradores e Movimentos Sociais2019-03-19T17:17:26Z<p>Lia Rocha: coloquei o verbete inteiro</p>
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<div>1. Introdução<br />
As associações de moradores de favelas no Rio de Janeiro ocuparam um papel importante tanto no campo dos movimentos sociais quanto no debate público sobre a cidade, sendo atores fundamentais na luta contra as remoções dos anos 1960 e no processo de urbanização de grandes favelas, nas décadas de 1980 e 1990. No entanto, apesar de existirem em grande número e de terem uma importância política reconhecida, as associações de moradores de favelas têm encontrado grande dificuldade para atuar no espaço público nos últimos anos, tanto dentro quanto fora das favelas. Há alguns anos é de conhecimento público que o cerco sobre os moradores de favelas praticado pelas quadrilhas de traficantes, forças policiais e milícias se fecha também sobre as associações, causando a morte ou a expulsão de muitos dirigentes de suas casas e territórios de moradia (Rocha, 2013).<br />
Uma pesquisa realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2005, analisou dados sobre 800 dirigentes de associações de moradores de favelas entre 1992 e 2001, e chegou à conclusão que nesse período 300 dirigentes foram expulsos de suas localidades por divergências com grupos armados locais, e 100 foram assassinados (Leite, 2005:382). Leite (2005) aponta que essas expulsões, de dirigentes e outros moradores, são tão freqüentes quanto invisíveis para a sociedade em geral, muitas vezes não sendo percebida mesmo como uma modalidade de violência.<br />
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2. Histórico<br />
O surgimento das primeiras associações de moradores de favelas, nos anos 1940, acontece em um contexto de reação dos favelados às propostas de remoção das favelas para lugares distantes do centro da cidade. Já no início da década de 1960, para tentar conter o crescimento das favelas, o governo municipal estimulou a formação de diversas associações, que seriam agências estatais dentro das favelas para “auxiliar o governo na implantação de serviços básicos e na manutenção da ordem interna” (Pandolfi e Grynszpan, 2002: 243). A política do governo estadual, nesse período, oscilava entre a remoção e a urbanização das favelas, mas o golpe empresarial-militar de 1964 possibilitou o ambiente para que as propostas remocionistas se fortalecessem, reprimindo de forma violenta qualquer tipo de ação coletiva, enfraquecendo o movimento dos favelados. Nessa época as relações entre poder público e moradores de favelas já se davam na dinâmica da troca de votos por recursos de fonte externa, o que garantia às lideranças locais uma posição elevada dentro da hierarquia social e econômica da favela, formando com pequenos proprietários a “burguesia da favela”, como definiu Machado da Silva (1967). O autor ressaltou ainda que a participação da maioria dos moradores era muito pequena ou inexistente, e somente aqueles que pertenciam ao estrato social mais elevado se envolviam nas atividades políticas. O controle dos recursos internos disponíveis garantia a permanência do dirigente na associação e impedia o acesso coletivo aos recursos mencionados (1967: 38-9).<br />
Com o golpe empresarial-militar de 1964, a política de contenção executada pelo governo estadual se radicalizou, com forte repressão às organizações comunitárias e um violento programa de remoção. De acordo com Valladares (1978), entre 1962 e 1973, mais de 140 mil favelados foram removidos de forma violenta de suas casas. Segundo Pestana (2018), o aprofundamento do programa de remoções se deveu a fortes interesses relacionados aos imóveis, organizados em torno de associações de agentes imobiliários com grande influência no governo (antes e depois da instalação da ditadura empresarial-militar). Apesar de muitas organizações de favelados terem resistido às remoções, com a força da repressão que sobre elas recaiu – inclusive com a suspeita de incêndios criminosos para forçar a retirada da população – as associações passaram a atuar como representantes do governo dentro das favelas, gerenciando os serviços públicos e evitando o seu crescimento (Burgos, 1998; Pandolfi; Grynszpan, 2002). <br />
No final dos anos 1970, com o processo de redemocratização do país e o (re) surgimento de movimentos sociais, o ritmo das remoções começou a diminuir, tanto pelos problemas relacionados aos custos das obras dos conjuntos habitacionais e ao pouco retorno dado pelos financiamentos, quanto pela pressão do movimento de favelados. Nesse momento é a bandeira da urbanização que impulsiona a organização coletiva, mas sem a execução de políticas públicas realmente transformadoras da condição urbana das favelas. O período ficou caracterizado pelas relações clientelistas entre poder público e lideranças de favelas, conhecido como período da “política da bica d’água" ou do “chaguismo" (referência ao então governador Chagas Freitas). O primeiro governo de Leonel Brizola (1983-1987) representou uma mudança na relação entre poder público e favelas, especialmente por ele ter sido o primeiro governador eleito de forma direta após a fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Assinalando o fim das políticas de remoção, a urbanização de favelas começou a ser implantada, e o governo do estado passou a investir em sistema de esgoto e água e na coleta de lixo nessas localidades, bem como em tentar modificar a forma como a polícia atuava dentro das favelas (Burgos, 1998: 42). Dentro dessa nova perspectiva trazida por Brizola, as lideranças tornaram-se interlocutoras frequentes do governo, continuando a assumir os papéis de agência estatal que lhes tinham sido atribuídos anteriormente. Foram atribuídas às associações tarefas públicas em acordos firmados com agências estatais, que incluíam a contratação de mão-de-obra para trabalhar nas obras e na manutenção e garantiam à associação de moradores uma taxa de administração de 5%, segundo informação coletada por Burgos e citada por Pandolfi e Grynszpan (2002: 249). Os autores ressaltam que essa forma de relação entre associações e Governo fortaleceu a atuação de muitas associações, já que estar na associação significava ter acesso a recursos como empregos, controle dos serviços, etc., o que acarretou inclusive a contratação de muitas lideranças como funcionárias do governo, no posto de agentes comunitários.<br />
Assim, Brizola escolheu a interlocução direta com as associações de moradores sem a mediação de políticos, incentivando que essas se aproximassem mais do poder público em suas demandas, que participassem mais da administração pública presente em suas localidades, entre outros. Pandolfi e Grynszpan (2002: 249) ressaltam que essa forma de articulação entre associações e Governo incentivou a adesão de moradores às organizações, já que estar na associação significava ter acesso a recursos como empregos, controle dos serviços, etc., o que acarretou inclusive a contratação de muitas lideranças como funcionárias do governo, no posto de agentes comunitários. No entanto, tal posicionamento mais conciliador foi identificado por parte do movimento de base como uma “cooptação” dessas lideranças pelo poder público, e a transformação das entidades em atores da política institucional.<br />
A relação de proximidade entre associações e Governo permaneceu nos anos 1990, agora institucionalizada como “parcerias”, e inclusive teve sua atuação aumentada nesse campo na gestão municipal de César Maia, especialmente em função do Programa Favela-Bairro, iniciado em 1994. Dentro do Programa Favela-Bairro as associações são gerentes de programas financiados com recursos públicos, e concentram cada vez mais poder através da contratação de funcionários e serviços. Como dito anteriormente, o Programa Favela-Bairro pulveriza a luta por melhorias, pois cada favela passa a defender seus interesses separadamente, o que “enfraquece o conjunto das mobilizações e despolitiza as reivindicações, circunscrevendo-as à dimensão administrativa e técnico-financeira na qualidade de pequenos lobbies (...)” (Machado da Silva, 2002: 232). <br />
No momento mais recente, as obras do Programa de Aceleração do Crescimento nas favelas cariocas - conhecido como PAC Favelas - pareceram reproduzir o mesmo tipo de relação entre associações e poder público, mas agora incluindo também na rede o poder federal. O formato das ações continua sendo a ação localizada, privilegiando algumas favelas em detrimento de outras. As associações de moradores continuam atuando como “parceiras”, mas participando como executoras das políticas, e não como copartícipes de sua elaboração. Ao mesmo tempo, a política de segurança pública permanece como monopólio da Secretaria de Segurança Pública do Estado, e as denúncias de que as associações de moradores atuam como mediadoras do poder público junto aos traficantes de drogas (quando não são acusadas de cúmplices destes) são cada vez mais frequentes na mídia (Rocha, 2013). <br />
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3. Movimento de moradores de favelas: União dos Trabalhadores Favelados, Federação de Favelas da Guanabara e do Rio de Janeiro.<br />
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A União dos Trabalhadores Favelados (UTF) surgiu, em abril de 1954, diante da ameaça de remoção do Morro do Borel. Para o pesquisador Rafael Soares Gonçalves, os moradores do Borel foram apoiados pelo famoso advogado Antoine de Magarinos Torres na criação dessa articulação de associações de moradores - o que foi inovador à época. Segundo o autor, a partir da UTF foram formados diversos subcomitês para reivindicar o direito a serviços de luz, de água, de urbanização e o direito de permanência. Esta articulação não se limitava somente a questões políticas, mas também permitia uma relação solidária entre as favelas. Rafael conta, por exemplo, que, quando o Morro do Santo Antônio, no Centro do Rio, foi destruído, o Morro do Borel recebeu parte dos moradores desabrigados. Da mesma forma, a UTF foi inovadora ao reivindicar o reconhecimento do papel de trabalhador para o favelado, afirmando sua cidadania e questionando a criminalização decorrente da condição de moradores de habitações consideradas ilegais. Nesse ponto, uma das conquistas jurídicas obtidas foi a petição da UTF ao ministro da Justiça contra a polícia, que não respeitava nem os moradores das favelas nem suas moradias, agindo de forma desrespeitosa e truculenta nas comunidades. "Eles pleiteavam que os barracos fossem considerados e respeitados como os lares de qualquer cidadão.” <br />
Apesar de não estar vinculada ao partido comunista, a UTF contava com o apoio de diversos militantes, fato observado, inclusive, pela cobertura ostensiva do jornal comunista Imprensa Popular. Com a crise no partido comunista, a partir da segunda metade dos anos 1950, a UTF também começou a declinar. Em 1959, foi substituída pela Coalizão dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de janeiro, tornando-se o embrião para a formação da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (Fafeg) e mais tarde para a Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). <br />
A Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (Fafeg) foi criada em Julho de 1963. Alguns meses depois já esteve envolvida na luta contra a remoção da favela do Pasmado, em Botafogo em janeiro de 1964 - poucos meses antes da decretação do Golpe que instituiu o ditadura empresarial-militar no país (1964-1985). Com a fusão do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de Janeiro, em 1975, a Federação passou a se chamar Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) (Entrevista de Rafael Soares Gonçalves ao site da Faperj sobre sua pesquisa, publicada em 12 de Julho de 2012 e disponível em: <http://www.faperj.br/?id=2246.2.9>.).<br />
Para Itamar Silva (jornalista, ex-presidente da associação de moradores do Santa Marta, presidente do Grupo Eco do Santa Marta e diretor do Instituto Brasileiro de Análise e Estatística - Ibase) a Faferj [Federação de Favelas do Rio de Janeiro] cumpriu um papel muito importante na reorganização das forças democráticas a partir dos anos 1970 e durante o período da redemocratização. Na década de 1980, a Faferj estava renovada não só nos nomes, mas na proposta de como olhar a favela, empunhando a bandeira da urbanização e agregando uma série de associações de moradores. Em entrevista às pesquisadoras Sonia Fleury, Sabrina Guerghe e Juliana Kabad ele disse: “Entramos nos anos 1980 com muita força, discutindo com o poder público e fazendo o Estado abrir algumas portas e negociar diretamente com as associações. Mas isso também significou um problema porque uma parte das lideranças foi cooptada pela dinâmica institucional. Muitas se transformaram em quase gestoras de projetos governamentais. Melhor que cooptação, trata-se de um processo de barganha mútuo”. Para o entrevistado, as associações de moradores encontram-se hoje em uma espécie de “crise de identidade”, que nasce da perda de horizonte reivindicativo resultado das diversas intervenções estatais realizadas nas localidades nos anos 1980 até hoje. “Aquelas que tinham um horizonte político, de organização dos moradores numa busca constante por um Estado democrático, permaneceram com um papel mais politizado. Mas a maioria caiu na armadilha do papel de síndico. Esse é o grande nó das associações de moradores, que permanece até hoje” (Itamar Silva, jornalista, diretor do Ibase e presidente do Grupo ECO do Santa Marta em entrevista às pesquisadoras Sonia Fleury, Sabrina Guerghe e Juliana Kabad para o Le Monde Diplomatique em Fevereiro de 2013. Link <https://diplomatique.org.br/associacoes-de-moradores-precisam-repensar-seu-papel-nas-favelas/>.).<br />
Atualmente a Federação de Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) continua em atividade, tendo escritório no Centro da Cidade do Rio de Janeiro (<https://faferj.wordpress.com>). A Faferj continua lutando contra as remoções forçadas e também contra a política de segurança executada pelo poder público, cujo resultado é a produção de cenários análogos à situações de guerras nas favelas do estado.<br />
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3. Criminalização do movimento de moradores de favela<br />
Da mesma forma que moradores de favelas são estigmatizados como “invasores”, “ilegais”, marginais e criminosos, suas organizações de ações coletivas também o são. Desde seu surgimento as associações de moradores foram controladas e tuteladas pelo estado e pelas forças repressivas, situação que se agravou durante a ditadura empresarial militar.<br />
Juliana Oakim (2013) discute como, a partir de 1967, diversas medidas administrativas foram tomadas pelo governo Negrão de Lima para diminuir a representatividade da então Fafeg. Segundo a autora: "Em outras palavras, na favela, a redução da liberdade política foi implementada antes da decretação do AI-5” (2013: 99). Da mesma forma, destaca que a partir de 1971 outras medidas de controle do associativismo dos moradores de favelas foram tomadas, como o acompanhamento das eleições pelo Serviço Social do governo do estado e a necessidade de prévia aprovação dos nomes dos candidatos pela Secretaria de Segurança - sendo que "aqueles considerados perigosos segundo a doutrina de Segurança Nacional eram vetados” (Oakim, 2013: 142).<br />
Lucas Pedretti (2018), por sua vez, investiga os crimes da ditadura empresarial-militar contra moradores de favelas e suas organizações, argumentando que os favelados – junto com outras populações consideradas minoritárias – foram afetados pela repressão mas sua história teria sido silenciada. O autor discute ainda como as categorias “subversivo” e “comunista” foram plasmadas em lideranças comunitárias da época para justificar sua repressão, detenção e até desaparecimento (2018: 112). Como demonstram Pedretti (Ibid) e Pestana (2018), a luta contra a remoção das favelas nesse período contrapôs os favelados a interesses muito poderosos, de grupos de capitais do setor imobiliário, e para desmontar a sua resistência, as forças repressivas mobilizaram grandes esforços.<br />
Durante o período da redemocratização houve uma fase de expansão do movimento de favelas, refreada logo em seguida por outras acusações de ilegalidade, dessa vez associadas à presença de traficantes varejistas de drogas nas localidades. Dessa forma, as organizações de moradores de favelas se viram duplamente cerceadas, especialmente a partir dos anos 1990: por um lado, a presença de traficantes nas favelas representou um impedimento para a ação coletiva, ao controlarem e cercearem a ação das associações de moradores; ao mesmo tempo, seus líderes foram desqualificados, identificados como porta-vozes de interesses criminosos. Essa perda de legitimidade também aconteceu dentro das próprias localidades; denúncias de corrupção, de uso dos recursos da associação para interesses pessoais e de envolvimento com o tráfico afastaram os moradores da participação nos movimentos de base e desacreditaram a atuação de seus representantes (Zaluar, 1985; Leeds, 1998; Machado da Silva e Leite, 2004).<br />
Durante os dez anos de execução do Programa de Pacificação de Favelas no Rio de Janeiro a situação pouco mudou, e o “legado” do projeto de “pacificação” foi a disseminação da militarização (Leite et al, 2018), através de procedimentos de disciplinarização, conversão moral, vigilância, silenciamento, criminalização, repressão e extermínio (Rocha, 2018). O silenciamento, especificamente, se deu através da criminalização e da desqualificação das lideranças comunitárias. A criminalização e a desqualificação foram bastante eficientes em neutralizar as críticas ao programa das Unidades de Polícia Pacificadora, ao rotular todo o posicionamento não favorável à UPP de “cúmplice dos traficantes”, ou ainda “defensor da volta do tráfico” (Rocha, 2018; Rocha et al., 2018). Dessa forma, a convivência forçada entre moradores de favelas e traficantes de drogas foi usada para criminalizar e portanto desqualificar o posicionamento dos líderes locais. Ou, como disse um ex-dirigente de associação de moradores de favelas, acusado de cumplicidade com os traficantes: “(…) a polícia sempre nos viu como coniventes. Na verdade, nós não fomos coniventes com o trafico e nem com nada de ruim nós fomos conviventes. A palavra certa é convivente. Nós convivemos” (Rocha, 2018).<br />
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4. Estudos sobre associativismo em favelas<br />
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As pesquisas sobre as favelas, sua população, seus hábitos, valores e formas de organização estiveram muitas vezes orientadas por um principio reformador, como bem demonstrou Valladares (2005). No campo dos estudos sobre associativismo em favelas não foi diferente: preocupações com a “autonomia” versus a “cooptação” dessas organizações frente a governos e partidos; com o classismo versus o clientelismo de suas lideranças; com a representatividade versus o esvaziamento das entidades; entre outros, foram norte de muitas investigações. Contudo, a relação das organizações coletivas de moradores de favelas com o poder público, os políticos, as organizações supralocais (Leeds; Leeds, 1978) e o próprio movimento mais amplo de favelados variou ao longo de sua história conforme as conjunturas políticas locais e nacionais, e também as dinâmicas internas e específicas de cada uma dessas localidades. A capacidade dessas associações de fazer exigências, sua autonomia de organização, sua cooperação com políticas estatais, o nível de repressão a suas atividades etc., sempre dependeu de uma correlação de forças que se deu em ambiente altamente desfavorável politicamente para esses grupos sociais. E, ainda assim, elas lograram continuar existindo. Muitos pesquisadores debruçaram-se sobre sua história e seus dilemas. <br />
Dentre os estudos clássicos sobre o tema podemos citar, entre outros:<br />
LEEDS, Anthony e LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. <br />
LIMA, Nísia Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: políticas de Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação (Mestrado em ciência política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.<br />
MACHADO DA SILVA, L. A. A política na favela. Cadernos Brasileiros, Ano IX, nº 41, maio/junho de 1967, pp. 35-47.<br />
PEPPE, Atílio Machado. (1992), Associativismo e política na favela Santa Marta. Dissertação (mestrado). Departa- mento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.<br />
PERLMAN, Janice. O Mito da Marginalidade. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2002 [1977].<br />
VALLADARES, Licia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978.<br />
ZALUAR, Alba. A Máquina e a Revolta – As organizações populares e o significado da pobreza. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 2002 [1985].<br />
Sobre os estudos mais recentemente publicados, cabe destacar, entre outros:<br />
ARAÚJO SILVA, Marcella Carvalho. A transformação da política na favela: um estudo de caso sobre os agentes comunitários. Diss. Dissertação, UFRJ, 2013.<br />
CARVALHO, Monique Batista. Os dilemas da" pacificação": práticas de controle e disciplinarização na "gestão da paz" em uma favela do Rio de Janeiro. Diss. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Rio de Janeiro.[Links], 2014.<br />
OAKIM Juliana. "Urbanização sim, remoção não". A atuação da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara nas décadas de 1960-1970. 2014. 211 f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense Niterói, 2013.<br />
OLIVEIRA, Samuel. Os “trabalhadores favelados”: o processo de identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. 2014. 333 fls. Diss. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Rio de Janeiro, 2014.<br />
PESTANA, Marco. Os trabalhadores favelados e a luta contra o controle negociado nas favelas cariocas (1954-1964). Rio de Janeiro: Editora UFF, 2016.<br />
ROCHA, Lia de Mattos. "Uma favela “diferente das outras?”: rotina, silenciamento e ação coletiva na favela do Pereirão." Rio de Janeiro: FAPERJ/Quartet (2013).<br />
SANTOS, Eladir Fátima Nascimento dos. E por falar em FAFERJ… Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (1963-1993)–memória e história oral. Diss. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2009.<br />
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Referências bibliográficas utilizadas:<br />
BURGOS, M. B. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: ZALUAR, A. & ALVITO, M. (org.). Um Século de Favela. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998.<br />
LEEDS, E. Cocaína e poderes paralelos na periferia urbana brasileira: ameaças à democratização em nível local. In: ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (org.). Um Século de Favela. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998.<br />
LEITE, M. P. Miedo y representación comunitaria en las favelas de Rio de Janeiro: los invisibles exilados de la violencia. In: REGUILO, R. GODOY, M. A. (Org.). Ciudades translocales: espacios, flujo, representación. Perspectivas desde las Americas. Guadalajara/N.York, ITESO/SSRC: Editorial ITESO/Social Sciences Research Council, pp. 365-392, 2005<br />
MACHADO DA SILVA, L. A. A política na favela. Cadernos Brasileiros, Ano IX, nº 41, maio/junho de 1967, pp. 35-47.<br />
______. A Continuidade do “Problema da Favela”. In: OLIVEIRA, L. L. Cidade: Histórias e Desafios. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2002.<br />
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Autora: Lia Rocha</div>Lia Rocha