https://wikifavelas.com.br/api.php?action=feedcontributions&user=Vivian&feedformat=atomDicionário de Favelas Marielle Franco - Contribuições do usuário [pt-br]2024-03-28T13:13:25ZContribuições do usuárioMediaWiki 1.39.5https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10964Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-29T00:43:18Z<p>Vivian: /* Resumo dos principais argumentos */</p>
<hr />
<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
== Referências ==<br />
<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
== <br>Breve contextualização ==<br />
<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
== <br>Resumo dos principais argumentos ==<br />
<p>O alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro é apontado como um modo de mudar a forma como os moradores levam seu dia, fazendo-os pensar com cuidado seus trajetos e horário de circulação, bem como o que levar ao sair. Por essa visão, as autoras exibem como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que se vê obrigado a seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis, uma ação que se apresenta muito mais perigosa do que o tráfico. Isso ocorre porque o traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e esses agentes estatais “vão até eles”.</p><br />
<p>Assim, Grillo e Martins (2020) apresentam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, tornando necessário uma reflexão anterior sobre a escolha das vítimas, situações e locais, assim como formas de agir durante a prática.</p><br />
<p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><br />
<p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. Isso é construído pois a prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária, na qual proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como em locais como o interior de um ônibus - este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.</p><br />
<p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade a fim de se afastar do morro, construindo assim diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><br />
<p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente - podendo levar operações até o espaço -, necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><br />
<p>Todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. São apresentadas regras e formas de agir que em teoria devem ser seguidas, mas é possível que esse não seja o caminho escolhido por um ladrão. Entretanto, se esse indivíduo for delatado, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><br />
<p>Durante a prática dos roubos, para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><br />
<p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que a prática do roubo seja “permitida” pelas regras da favela. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe inseridos em uma cidade marcada pela segregação socioespacial: o Rio de Janeiro.&nbsp;</p><br />
<p>Com todo esse cenário construído ao fundo, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><br />
<p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
<br />
== <br>Apreciação crítica ==<br />
<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
== <br>Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
<br />
[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
<br />
[[(Des)continuidades na_experiência_de_"vida_sob_cerco"_e_na_"sociabilidade_violenta"_(resenha)|(Des)continuidades na experiência de "vida sob cerco" e na "sociabilidade violenta" (resenha)]]<br />
<br />
[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10963Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-29T00:37:09Z<p>Vivian: /* Resumo dos principais argumentos */</p>
<hr />
<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
== Referências ==<br />
<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
== <br>Breve contextualização ==<br />
<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
== <br>Resumo dos principais argumentos ==<br />
<p>O alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro é apontado como um modo de mudar a forma como os moradores levam seu dia, fazendo-os pensar com cuidado seus trajetos e horário de circulação, bem como o que levar ao sair. Por essa visão, as autoras exibem como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que se vê obrigado a seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis, uma ação que se apresenta muito mais perigosa do que o tráfico. Isso ocorre porque o traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e esses agentes estatais “vão até eles”.</p><br />
<p>Grillo e Martins (2020) apresentam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, sendo necessário escolher bem as vítimas, situações e locais, assim como formas de agir durante a prática.</p><br />
<p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><br />
<p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. Isso é construído porque a prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária, na qual proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como locais como o interior de um ônibus, este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.</p><br />
<p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade para longe do morro, construindo diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><br />
<p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente (podendo levar operações até o espaço), necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><br />
<p>Portanto, todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. Todas essas ações são regras e formas de agir que devem ser seguidas na teoria, mas o caminho não necessariamente será este. Entretanto, se o indivíduo que não as seguir for delatado ao dono do morro, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><br />
<p>Para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><br />
<p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que a prática do roubo seja “permitida” pelas regras da favela. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe inseridos em uma cidade marcada pela segregação socioespacial: o Rio de Janeiro.&nbsp;</p><br />
<p>Com todo esse cenário construído ao fundo, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><br />
<p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
<br />
== <br>Apreciação crítica ==<br />
<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
== <br>Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
<br />
[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
<br />
[[(Des)continuidades na_experiência_de_"vida_sob_cerco"_e_na_"sociabilidade_violenta"_(resenha)|(Des)continuidades na experiência de "vida sob cerco" e na "sociabilidade violenta" (resenha)]]<br />
<br />
[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10962Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-29T00:32:24Z<p>Vivian: /* Resumo dos principais argumentos */</p>
<hr />
<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
== Referências ==<br />
<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
== <br>Breve contextualização ==<br />
<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
== <br>Resumo dos principais argumentos ==<br />
<p>O artigo é iniciado a partir do apontamento do alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro como um modo de mudar a forma como os moradores levam seu dia, pensando com cuidado seus trajetos e horário de circulação, bem como o que levar ao sair. Por essa visão, as autoras exibem como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que se vê obrigado a seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis, uma ação que se apresenta muito mais perigosa do que o tráfico. Isso ocorre porque o traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e esses agentes estatais “vão até eles”.</p><br />
<p>Grillo e Martins (2020) apresentam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, sendo necessário escolher bem as vítimas, situações e locais, assim como formas de agir durante a prática.</p><br />
<p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><br />
<p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. Isso é construído porque a prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária, na qual proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como locais como o interior de um ônibus, este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.</p><br />
<p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade para longe do morro, construindo diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><br />
<p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente (podendo levar operações até o espaço), necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><br />
<p>Portanto, todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. Todas essas ações são regras e formas de agir que devem ser seguidas na teoria, mas o caminho não necessariamente será este. Entretanto, se o indivíduo que não as seguir for delatado ao dono do morro, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><br />
<p>Para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><br />
<p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que a prática do roubo seja “permitida” pelas regras da favela. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe inseridos em uma cidade marcada pela segregação socioespacial: o Rio de Janeiro.&nbsp;</p><br />
<p>Com todo esse cenário construído ao fundo, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><br />
<p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
<br />
== <br>Apreciação crítica ==<br />
<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
== <br>Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
<br />
[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
<br />
[[(Des)continuidades na_experiência_de_"vida_sob_cerco"_e_na_"sociabilidade_violenta"_(resenha)|(Des)continuidades na experiência de "vida sob cerco" e na "sociabilidade violenta" (resenha)]]<br />
<br />
[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10961Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-28T21:51:46Z<p>Vivian: /* Outros verbetes e referências relacionadas */</p>
<hr />
<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
== Referências ==<br />
<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
== <br>Breve contextualização ==<br />
<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
== <br>Resumo dos principais argumentos ==<br />
<p>A partir de uma visão que aponta como o alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro faz com que os moradores mudem a forma como levam seu dia, pensando com cuidado seus trajetos e horário de circulação, por exemplo, as autoras apontam como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que tem de seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis. O traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e os policiais “vão até eles”, apenas “aguardam o problema chegar”. Portanto, sair de sua região de moradia gera muitos custos ao ladrão, sendo, para eles, uma ação muito mais perigosa do que o tráfico.</p><p>As autoras apontam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, sendo necessário escolher bem as vítimas, situações e locais, bem como formas de agir durante a prática.</p><p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. A prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária. Assim, proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como locais como o interior de um ônibus, este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. Caso fujam para a favela e tragam a polícia para ela, serão também cobrados pelos donos do morro. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.&nbsp;</p><p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade para longe do morro, construindo diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente (podendo levar operações até o espaço), necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><p>Portanto, todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. Todas essas ações são regras e formas de agir que devem ser seguidas na teoria, mas o caminho não necessariamente será este. Entretanto, se o indivíduo que não as seguir for delatado ao dono do morro, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><p>Para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - como determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que seja “permitido”, pelas regras da favela, que eles roubem. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe, dentro de uma cidade marcada pela segregação socioespacial. Com isso, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
== <br>Apreciação crítica ==<br />
<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
== <br>Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
<br />
[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
<br />
[[(Des)continuidades na_experiência_de_"vida_sob_cerco"_e_na_"sociabilidade_violenta"_(resenha)|(Des)continuidades na experiência de "vida sob cerco" e na "sociabilidade violenta" (resenha)]]<br />
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[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10960Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-28T21:50:27Z<p>Vivian: </p>
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<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
== Referências ==<br />
<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
== <br>Breve contextualização ==<br />
<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
== <br>Resumo dos principais argumentos ==<br />
<p>A partir de uma visão que aponta como o alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro faz com que os moradores mudem a forma como levam seu dia, pensando com cuidado seus trajetos e horário de circulação, por exemplo, as autoras apontam como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que tem de seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis. O traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e os policiais “vão até eles”, apenas “aguardam o problema chegar”. Portanto, sair de sua região de moradia gera muitos custos ao ladrão, sendo, para eles, uma ação muito mais perigosa do que o tráfico.</p><p>As autoras apontam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, sendo necessário escolher bem as vítimas, situações e locais, bem como formas de agir durante a prática.</p><p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. A prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária. Assim, proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como locais como o interior de um ônibus, este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. Caso fujam para a favela e tragam a polícia para ela, serão também cobrados pelos donos do morro. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.&nbsp;</p><p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade para longe do morro, construindo diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente (podendo levar operações até o espaço), necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><p>Portanto, todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. Todas essas ações são regras e formas de agir que devem ser seguidas na teoria, mas o caminho não necessariamente será este. Entretanto, se o indivíduo que não as seguir for delatado ao dono do morro, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><p>Para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - como determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que seja “permitido”, pelas regras da favela, que eles roubem. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe, dentro de uma cidade marcada pela segregação socioespacial. Com isso, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
== <br>Apreciação crítica ==<br />
<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
== <br>Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
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[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
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[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Indo_at%C3%A9_o_problema:_Roubo_e_circula%C3%A7%C3%A3o_na_cidade_do_Rio_de_Janeiro_(resenha)&diff=10959Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro (resenha)2021-09-28T21:48:12Z<p>Vivian: Criou página com '<p class="mwt-heading">'''Autora:''' Vivian de Almeida</p> == Referências ==<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dile...'</p>
<hr />
<div><p class="mwt-heading">'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== Referências ==<p>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. [https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/32078 Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro.] Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Vol. 13 – no 3 – SET-DEZ 2020 – pp. 565-590.</p><br />
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== Breve contextualização&nbsp;&nbsp; ==<p>O artigo “Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro” <ref>GRILLO, Carolina; MARTINS, Luana. Indo até o problema: Roubo e circulação na cidade do Rio de Janeiro. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. 13, no. 3, set-dez 2020, p. 565-590.</ref> , de Carolina Grillo e Luana Martins, utiliza de uma análise de suas pesquisas etnográficas anteriores para descrever os riscos enfrentados pelos ladrões ao deslocar-se pela cidade para realizar furtos e roubos. O artigo constrói uma distinção de suas ações pelas formas com as quais se locomovem no urbano: seja pelo uso de carro ou moto, ou ao utilizar-se de ônibus, pensando assim territorialidade, violência, segregação socioespacial e perpassando discussões sobre racismo.</p><p>Carolina Christoph Grillo é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora colaboradora da mesma universidade. Tem doutorado e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil), e graduação em ciências sociais pela mesma universidade. É também pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU, UFRJ) e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da UFF.</p><p>Luana Almeida Martins é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense na linha de pesquisa Segurança Pública e Administração Institucional de Conflitos. É mestre pelo mesmo programa e tem graduação em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É pesquisadora vinculada ao Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC), e ao Núcleo de Estudos em Psicoativos e Cultura (PsicoCult).</p><br />
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== Resumo dos principais argumentos&nbsp; ==<p>A partir de uma visão que aponta como o alto índice de roubos e furtos na cidade do Rio de Janeiro faz com que os moradores mudem a forma como levam seu dia, pensando com cuidado seus trajetos e horário de circulação, por exemplo, as autoras apontam como a prática do roubo também gera ameaças e mudanças cotidianas ao próprio ladrão, que tem de seguir certas “regras” a fim de se manter vivo ou livre por mais tempo. Assim, há uma diferença na circulação pela cidade entre o ladrão e o traficante: roubar faz com que os indivíduos saiam de seu local de moradia de encontro a novos espaços em que se tornam mais vulneráveis, indo em direção ao “problema” com policiais, justiceiros, vítimas e heróis. O traficante, por outro lado, está em seu local mais confortável quando operações policiais ocorrem e os policiais “vão até eles”, apenas “aguardam o problema chegar”. Portanto, sair de sua região de moradia gera muitos custos ao ladrão, sendo, para eles, uma ação muito mais perigosa do que o tráfico.</p><p>As autoras apontam como os diversos modos de praticar o roubo trazem diferentes repertórios de circulação pelo espaço urbano por meio do uso de carro, moto ou ônibus e geram perigos particulares. Cada modo traz expertises diferentes para reduzir a possibilidade de ser pego pela polícia ou sofrer uma ameaça à vida, sendo necessário escolher bem as vítimas, situações e locais, bem como formas de agir durante a prática.</p><p>As pesquisas etnográficas utilizadas para a análise foram realizadas em dois locais: em uma favela controlada pelo Comando Vermelho (CV) junto a traficantes e praticantes de roubo à mão armada, em maioria maiores de idade; e a segunda em uma unidade socioeducativa, com adolescentes homens de 14 a 18 anos, a maioria presa por atos infracionais de furto ou roubo nas praias ou durante o trajeto do ônibus 474.</p><p>A partir desses estudos, as autoras apontam como a firma local do tráfico de drogas em favelas coloca em suas próprias mãos o papel de criar “regras” e colocar limites às ações dos ladrões, cobrando aqueles que agirem de modo contrário. A prática de roubos contribui para um aumento na repressão policial nas favelas a partir da repressão para recuperar os bens roubados ou buscar os ladrões. Com isso, aos olhos dos que controlam os morros, uma regulação da prática é necessária. Assim, proíbem a realização de roubos dentro da favela ou em localidade próxima, bem como locais como o interior de um ônibus, este último especialmente por ser visto como um local que simboliza um meio de locomoção dos trabalhadores. Caso fujam para a favela e tragam a polícia para ela, serão também cobrados pelos donos do morro. A partir disso, existe uma distância razoável esperada para a ação do roubo/furto, dificultando a ligação da comunidade com determinado roubo, aumentando os riscos de suas ações e produzindo diferentes espacialidades e circulações pela cidade.&nbsp;</p><p>Com esse cenário de fundo, os atores se veem obrigados a circular pela cidade para longe do morro, construindo diferentes tecnologias para lidar com a imprevisibilidade de suas práticas em um local hostil, com o qual não tem tanta proximidade e onde não possuem a proteção dos donos da boca, sentindo-se constantemente ameaçados. Para isso, constroem mapas e sistemas para identificar os melhores locais e vítimas para realizarem suas práticas enfrentando menores riscos, e agem com criatividade ao improvisarem formas de voltar para casa a salvo quando é preciso.</p><p>Quando tratamos do roubo a carros, os “bodes” - carros roubados levados para a favela -, por serem objetos grandes demais para serem escondidos facilmente (podendo levar operações até o espaço), necessitam de uma autorização do dono do morro para serem guardados dentro do território das favelas.</p><p>Portanto, todos esses exemplos demonstram como existe uma ética partilhada pelos atores das ações ilícitas no interior e exterior das favelas, com noções de certo e errado a serem seguidas. Todas essas ações são regras e formas de agir que devem ser seguidas na teoria, mas o caminho não necessariamente será este. Entretanto, se o indivíduo que não as seguir for delatado ao dono do morro, poderá sofrer sanções: seja dentro da favela, seja dentro de um sistema socioeducativo, caso seja preso.</p><p>Para se manterem em segurança, muitos ladrões procuram repetir ações que outros realizaram sem grandes ameaças, minimizando seus riscos ao tomar as mesmas precauções e assimilar seu repertório de habilidades técnicas - como determinada postura corporal e pensamento estratégico, bem como protocolos de abordagem às vítimas. Porém, é preciso haver um cuidado de não repetir com frequência suas práticas num mesmo lugar, visto que isso pode chamar a atenção da polícia e fazer com que sejam pegos. Haverão ainda situações em que necessitarão agir a partir do improviso para sobreviver, o que torna a prática o roubo ainda mais perigosa a esses indivíduos.</p><p>Ao mesmo tempo, o roubo realizado por carro ou moto demanda um conhecimento técnico da cartografia da cidade pelo piloto, desviando de engarrafamentos e da polícia ou locais em que a polícia possa estar. Os ladrões que roubam a partir desses veículos dividem suas abordagens em “abordagem oportunista”, em que um ou dois indivíduos roubam em locais menos movimentados, visto que será mais difícil haver reações armadas ao redor; e “arrastões de carros”, na qual grupos de dois ou três assaltantes param seu veículo na frente do trânsito e enquadram até três carros para trás. As motos são muito visadas pela polícia, e são por isso um modo mais difícil de realizar a prática do roubo.</p><p>Um último caso é aquele em que os indivíduos, comumente menores de idade, “roubam de ônibus”, especialmente entre o Centro e a Zona Sul, a partir do uso do ônibus 474, linha que sai do Jacaré e atravessa a fronteira entre a favela e a Zona Sul. Assim, utilizam-se do ônibus para chegarem a um território em que seja “permitido”, pelas regras da favela, que eles roubem. Entretanto, especialmente quando em direção ao seu ponto final na favela do Jacaré, esse ônibus costuma sofrer muitas revistas pela polícia, e todos aqueles indivíduos, normalmente jovens e negros, que não estiverem portando uma carteira de identidade ou dinheiro, são chamados. Por vezes, mesmo sem ter realizado um roubo, esses jovens podem ser colocados em uma instituição socioeducativa e aguardar por até 45 dias o julgamento. Assim, a partir do modo de agir, falar ou caminhar pelo espaço do favelado, são criados pela polícia métodos de suspeição baseados intensamente no racismo e no preconceito de classe, dentro de uma cidade marcada pela segregação socioespacial. Com isso, o território longe de sua favela é muitas vezes hostil ao jovem favelado, que cruza diversos problemas ao andar pela cidade.</p><p>“Mesmo os interlocutores que se encontravam em liberdade na ocasião da pesquisa etnográfica encontram-se atualmente todos mortos ou presos (...). São imensos os custos de oportunidade da prática de roubos, que os ladrões têm plena ciência dos riscos a que estão submetidos e que, mesmo assim, há quem insista em roubar.” (p. 587)</p><br />
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== Apreciação crítica ==<p>Esse artigo apresentou grande importância em um maior entendimento das técnicas e expertises da prática do roubo na cidade do Rio de Janeiro, bem como da relação de seus praticantes com as instâncias reguladoras de suas práticas dentro das favelas. Além disso, com sua discussão, podemos retomar compreensões sobre certos elementos do racismo e do preconceito de classe que atinge jovens negros e favelados na cidade. É essencial a apresentação, por meio de etnografias, de como operam na prática conceitos e compreensões sociológicas que já conhecemos. O texto aqui apresentado consegue realizar grandes contribuições a partir disso.&nbsp;</p><br />
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== Outros verbetes e referências relacionadas ==<br />
[[Violência urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acadêmica)|Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)]]<br />
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[[Trabalhadores e_bandidos:_categorias_de_nomeação,_significados_políticos_(resenha)|Trabalhadores e bandidos: categorias de nomeação, significados políticos (resenha)]]<br />
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[[Especial:Categorias|Categorias:]] [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]]&nbsp;<span class="entry-title">| </span>[[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Categoria:Temática - Favelas_e_Periferias]]</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usu%C3%A1ria:Vivian&diff=10594Usuária:Vivian2021-08-29T21:13:11Z<p>Vivian: </p>
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<div>Vivian de Almeida é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ).Atualmente, é pesquisadora no Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (IFCS/UFRJ), estudando um circuito cultural de rodas de rima na Zona Oeste do Rio, e auxiliar de pesquisa no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), trabalhando com pesquisas de prevenção à violência e às drogas de Pernambuco a partir de uma cooperação entre o governo do Estado e a ONU. Graduou-se em Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual procurou focar seus estudos no tema da desigualdade social, sociologia urbana e sociologia da cultura, e tem como algumas de suas principais ações: integrar o comitê editorial da Revista Habitus IFCS/UFRJ (2017-2019), ser bolsista voluntária no Laboratório de Estudos sobre Diferença, Desigualdade e Estratificação (LeDdE - IFCS/UFRJ), em 2017, orientada pela Prof. Dra. Felícia Silva Picanço e bolsista no Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade (NIED), orientada pelo Prof. Dr. Flavio Carvalhaes (2018 - 2020). No primeiro semestre de 2020, esteve vinculada à Universidad de Chile por meio de um intercâmbio acadêmico no curso de Sociologia. Atualmente cursa também a Licenciatura no mesmo curso em que se graduou no Bacharelado, Ciências Sociais, na UFRJ.</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Viol%C3%AAncia_urbana_no_Brasil_ontem_e_hoje_(disciplina_acad%C3%AAmica)&diff=10581Violência urbana no Brasil ontem e hoje (disciplina acadêmica)2021-08-29T15:57:18Z<p>Vivian: </p>
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<div>Autora: Palloma Menezes.<br />
= Sobre a disciplina =<br />
A disciplina “Violência urbana no Brasil ontem e hoje” está sendo ministrada por Palloma Menezes no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) ao longo do segundo semestre de 2021.<br />
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O objetivo do curso é refletir sobre como a violência urbana no Brasil vem sendo debatida desde suas autoras e autores pioneiros até estudos mais recentes. Tal reflexão terá como ponto de partida categorias – tanto nativas como analíticas – que estruturam a forma como a violência urbana é apresentada no debate público brasileiro.<br />
<br />
O curso começará com a discussão de levantamentos e balanços bibliográficos que apresentam diversas possibilidades de leitura e organização da vasta produção acadêmica sobre o tema.<br />
<br />
As aulas seguintes visam problematizar: a) como diferentes pesquisadoras e pesquisadores definem a violência urbana no Brasil; b) como raça e classe perpassam o debate sobre crime, polícia e justiça criminal; c) quais são as categorias centrais que estruturam o debate sobre a violência urbana brasileira.<br />
<br />
Policial, bandido, traficante, ladrão, preso, menor infrator e miliciano são algumas das categorias que servirão como portas de entrada para discussão sobre práticas de policiamento, experiências de punição e vivências no “mundo do crime”.<br />
<br />
Embora distintas, essas são temáticas indissociavelmente relacionadas. A indissociabilidade entre elas – assim como entre o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito, o formal e o informal – será problematizada a partir de outras categorias como ex-bandido, guerra, pacificação e auto de resistência que permitem debater os impactos dos conflitos cotidianos gerados pela sobreposição de diversas formas de ordenamentos (religioso, criminal e estatal) presentes em centros urbanos brasileiros.<p class="western" align="center"><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">'''[http://www.iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2021/08/Viole%CC%82ncia-urbana-no-Brasil-ontem-e-hoje-Palloma-Menezes-revisado-24-agosto.pdf Clique aqui para acessar a ementa completa da disciplina!]'''</span></span></span></p><br />
<br />
= Temas das aulas =<br />
Ao longo da disciplina as alunas e os alunos do curso criarão verbetes com resenhas dos textos debatidos. Segue, abaixo, os temas das aulas com os links para as resenhas produzidas ao longo do curso:<br />
== 1. Revisões bibliográficas sobre violência urbana no Brasil<br> ==<br />
<p class="western"><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR"><span>ADORNO, Sergio. A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático”. </span></span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">''<span>BIB – Boletim</span>''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">'' ''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">''<span>Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais</span>''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR"><span>, n° 35, 2o semestre, pp. 3-24, 1993.</span></span></span></span></p><br />
<br />
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=A_Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Tem%C3%A1tico_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados Clique aqui para acessar o verbete!]</span><br />
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<p class="western"><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR"><span>KANT DE LIMA, Roberto; MISSE, Michel; MIRANDA, Ana Paula Mendes. Violência, Criminalidade, Segurança</span></span></span></span> <span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR"><span>Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia. </span></span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">''<span>BIB - Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências</span>''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">''<br>''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR">''<span>Sociais</span>''</span></span></span><span style="font-family: Times New Roman, serif;"><span style="font-size: medium;"><span lang="pt-BR"><span>, Rio de Janeiro, n.° 50, 2.° semestre de 2000, pp. 45-123</span></span></span></span></p><br />
<br />
<span style="font-family: Times New Roman, serif;">[https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Viol%C3%AAncia,_Criminalidade,_Seguran%C3%A7a_P%C3%BAblica_e_Justi%C3%A7a_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados Clique aqui para acessar o verbete!]</span><br />
== 2. Representações da violência urbana ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR"><span style="font-family: &quot;times new roman&quot;, times;" >MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</span></p><div id="bodyContent" class="mw-body-content"></div><p class="mwt-heading" >[[(Des)continuidades na_experiência_de_"vida_sob_cerco"_e_na_"sociabilidade_violenta"_(resenha)|Clique aqui para acessar o verbete!]]</p><br />
== 3. Raça e gênero no debate sobre crime, polícia e justiça criminal ==<br />
== 4. Policial ==<br />
== 5.Bandido ==<br />
== 6.Traficante ==<br />
== 7.Ladrão ==<br />
== 8.Preso ==<br />
== 9.Menor infrator ==<br />
== 10.Miliciano ==<br />
== 11.Ex-bandido ==<br />
== 12.Guerra ==<br />
== 13.Pacificação ==<br />
== 14.Auto de resistência ==</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Descontinuidades_na_experi%C3%AAncia_de_vida_sob_cerco_e_na_sociabilidade_violenta_(resenha)&diff=10580Descontinuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta (resenha)2021-08-29T15:57:08Z<p>Vivian: </p>
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<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010 <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.</ref> ) &nbsp;e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
<br />
<br />
== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[Violência, Criminalidade, Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
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<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
<br />
== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estuidos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010 <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.</ref> ) &nbsp;e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
<br />
<br />
== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[Violência, Criminalidade, Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
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<div id="bodyContent" class="mw-body-content"></div></div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usu%C3%A1ria:Vivian&diff=10578Usuária:Vivian2021-08-29T15:39:08Z<p>Vivian: </p>
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<div>Vivian de Almeida é mestranda em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). É pesquisadora no Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (IFCS/UFRJ), estudando um circuito cultural de rodas de rima na zona oeste do Rio, e é estagiária no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), trabalhando com pesquisas de prevenção à violência e às drogas de Pernambuco. Graduou-se em Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual procurou focar seus estudos no tema da desigualdade social, sociologia urbana e sociologia da cultura e teve experiências de pesquisa e intercâmbio acadêmico na Universidad de Chile. Atualmente cursa também a Licenciatura no mesmo curso em que se graduou, na UFRJ.</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Descontinuidades_na_experi%C3%AAncia_de_vida_sob_cerco_e_na_sociabilidade_violenta_(resenha)&diff=10577Descontinuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta (resenha)2021-08-29T15:37:43Z<p>Vivian: /* Outros verbetes e referências relacionadas */</p>
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<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estuidos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010 <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.</ref> ) &nbsp;e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=Violência, Criminalidade,_Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
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<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estuidos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010 <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.</ref> ) &nbsp;e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
<br />
<br />
== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=Violência, Criminalidade,_Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
<ppre lang="pt-BR"><br />
&lt;ppre lang="pt-BR"&gt;<br />
[[title=Especial:Categorias|Categorias:]] [[title=Categoria:Temática -_Violência|Temática - Violência]] <span class="entry-title">| </span>[[title=Categoria:Temática -_Sociabilidade|Temática - Sociabilidade]] <span class="entry-title">| </span>[[title=Categoria:Violência Urbana|Violência Urbana]] <span class="entry-title">|</span> [[title=Categoria:Crime organizado|Crime Organizado]] <span class="entry-title">|</span> [[title=Categoria:Temática -_Favelas_e_Periferias|Temática - Favelas e Periferias]]<br />
<div id="bodyContent" class="mw-body-content"></div></div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Descontinuidades_na_experi%C3%AAncia_de_vida_sob_cerco_e_na_sociabilidade_violenta_(resenha)&diff=10575Descontinuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta (resenha)2021-08-29T15:01:38Z<p>Vivian: </p>
<hr />
<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
<br />
<br><br />
== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estuidos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010 <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.</ref> ) &nbsp;e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=Violência, Criminalidade,_Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
<div id="bodyContent" class="mw-body-content"></div></div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Descontinuidades_na_experi%C3%AAncia_de_vida_sob_cerco_e_na_sociabilidade_violenta_(resenha)&diff=10574Descontinuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta (resenha)2021-08-29T14:58:34Z<p>Vivian: Criou página com '<p>'''Autora:''' Vivian de Almeida</p> == <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> == <p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https...'</p>
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<div><p>'''Autora:''' [[Usuária:Vivian|Vivian de Almeida]]</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Referência</span> ==<br />
<p>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. [https://www.scielo.br/j/nec/a/drpnMqtGffQ9wgpjKGRKgJM/?lang=pt&format=pdf (DES)CONTINUIDADES NA EXPERIÊNCIA DE “VIDA SOB CERCO” E NA “SOCIABILIDADE VIOLENTA] . Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Breve contextualização</span> ==<br />
<p>O texto “(Des)continuidades na experiência de ‘vida sob cerco’ e na ‘sociabilidade violenta’” <ref>MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; MENEZES, Palloma. (Des)continuidades na experiência de vida sob cerco e na sociabilidade violenta. Novos Estuidos. CEBRAP, v. 38, p. 529-551, 2019.</ref> , de Luiz Antonio Machado da Silva e Palloma Valle Menezes, tem por objetivo trazer interessantes discussões para o estudo da sociologia e antropologia urbana e da violência, especialmente no que diz respeito a cidade do Rio de Janeiro. As principais noções utilizadas pelos autores são “vida sob cerco” e “sociabilidade violenta”, sobre as quais pretendo desenvolver ao tratar dos argumentos do estudo. Assim, o artigo procura pensar importantes questões das políticas de segurança da história da cidade, focando num cenário mais recente aos cariocas: as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Ao tratar delas, discorre sobre seus efeitos na vida cotidiana das favelas, desde a inauguração até sua “crise” e o posterior “legado” da “pacificação” das favelas, bem como a configuração dos conflitos violentos nesse período do Rio.</p><br />
<p>Luiz Antonio Machado da Silva (1941 - 2020) foi pioneiro nos estudos da sociologia urbana e da violência no Brasil. Terminou sua carreira acadêmica sendo professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), e foi também professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Além disso, foi coordenador executivo do UrbanData/Brasil, é membro do INCT/Observatório das Metrópoles, do NECVU (Núcleo de Estudos sobre Cidadania e Violência), e líder do CEVIS (Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade).&nbsp;</p><br />
<p>Palloma Menezes é professora adjunta do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e coordenadora de pesquisas do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). Foi também professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense de 2017 a 2020. Foi pesquisadora do projeto temático da Fapesp “A gestão do conflito na produção da cidade contemporânea: a experiência paulista”, e atualmente participa do Grupo CASA (IESP/UERJ). Procura trabalhar a sociologia urbana e da violência pensando conflitos urbanos, favelas, sociabilidades e memória.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Resumo dos principais argumentos</span> ==<br />
<p>O artigo busca discutir transformações nas dinâmicas da violência urbana na cidade do Rio a partir de um destrinchamento das noções de “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, 2010) e “vida sob cerco” (Machado da Silva e Leite, 2008, apud. Machado da Silva e Menezes (2019)) por meio da análise de pesquisas etnográficas construídas nas últimas duas décadas. Assim, inicia seus argumentos apontando o esvaziamento da categoria “classes perigosas”, que vem sendo extensamente trabalhada dentro dos debates acadêmicos da área, bem como no debate público sobre o tema da violência urbana. Assim, “classes perigosas” é apresentada pelos autores como uma categoria que coloca a percepção de “perigo” no nível cotidiano e das relações interpessoais.</p><br />
<p>Retomando as discussões acadêmicas sobre o tema, esse texto recupera a percepção de que o “problema da segurança pública” teria se costurado com o “problema das favelas”, “alterando o lugar das favelas no imaginário da cidade” (Machado da Silva e Menezes, 2019), que passa a ser pensada não como um local no qual devemos buscar seus direitos, mas um espaço que se relaciona diretamente à violência urbana, criminalizando os moradores das favelas, que se tornam o “Outro” a ser afastado. Assim, o conceito de “sociabilidade violenta”, que revolve em torno do uso da força como forma de coordernar suas práticas, é utilizado pelos autores do artigo de forma a investigar a ordem social atual das favelas do Rio, em especial no que tange a ação da criminalidade violenta. Nessa ordem social, para tanto, os “donos do morro” [os traficantes], são considerados aqueles portadores desse tipo de sociabilidade. Dentro desse contexto, a sociabilidade violenta é pontualmente “combatida” a partir de operações policiais nesses locais, que utilizam do conflito violento e uma “política de extermínio” como parte essencial de sua realização. Autores como Michel Misse, citado ao longo do artigo, fizeram diversos trabalhos que também discorreram extensamente sobre essa realidade.</p><br />
<p>Portanto, esse tipo de configuração ameaça a vida cotidiana dos moradores das favelas, que precisam conviver sob o poder territorial dos traficantes de drogas, bem como uma ação imprevisível e violenta da polícia e milícias, vivendo uma “vida sob cerco”. A “vida sob cerco”, portanto, é para esses autores uma “experiência de confinamento socioterritorial e político que causa nos moradores de favelas uma intensa preocupação com manifestações violentas [como os tiroteios] que impedem o prosseguimento de suas rotinas e dificultam a manifestação pública de suas demandas” (Machado da Silva e Leite (2008) apud p. 533, 2019). Essa compreensão é essencial para tratar do panorama da vida nas favelas cariocas.</p><br />
<p>Com todo esse cenário, a criação das UPPs em 2008 teria dado uma impressão inicial de alívio dessa sensação de insegurança constante aos moradores, em consequência de uma suposta diminuição da violência nas favelas pacificadas, conforme os estudos trazidos pelos autores teriam indicado. Entretanto, a ação do tráfico não parou; pelo contrário, a partir da investigação das ações dos policiais das UPPs, os traficantes criaram uma nova forma de agir, denominada em campo de “jogo de gato e rato”, um jogo no qual havia uma antecipação da ação do outro: seus atores deixaram para trás uma reprodução da “sociabilidade violenta” e passaram a utilizar de uma atenção aos espaços e ações ao seu redor, agindo com reflexividade e calculando também suas próprias ações. Portanto, um dos principais argumentos deste texto é que não houve um alívio dos confrontos e do tráfico de drogas existentes anteriormente nesses territórios, mas sim os mesmos passaram a reconfigurar suas ações no ambiente pós-UPPs, em que seu “inimigo” estaria a compartilhar do seu território todos os dias.</p><br />
<p>Ao mesmo tempo, os autores enxergaram nas favelas pacificadas também um “jogo de contaminações”, desenvolvido a partir da intensificação da proximidade física entre a polícia e os grupos armados ligados ao tráfico de drogas. Essa proximidade transformou as dinâmicas dos moradores, gerando neles um “medo de contaminação” com quaisquer dos atores desses conflitos, conhecidos por serem arbitrários e violentos de ambos os lados. Qualquer mínima proximidade dos moradores com um indivíduo ligado ao tráfico poderia, aos olhos da polícia, condená-los por associação ao tráfico; enquanto qualquer interação com um policial faria desse morador um “X9” (delator) aos olhos do tráfico, também trazendo sanções. Com isso, apesar da existência das UPPs ter criado nos moradores uma maior possibilidade de movimentação pelo espaço a partir da diminuição dos tiroteios, esse medo constante de agir mesmo de forma cotidiana trazia uma imobilidade, um sentimento de paralisia constante pautado numa tensão psicológica.</p><br />
<p>Ao tratar desse desenrolar dos anos posteriores à implementação das UPPs, discutem diversas transformações políticas pelas quais a cidade estava atravessando, enquanto assistia ao desmonte das Unidades de Polícia Pacificadoras, que, “funcionando” ou não, mudaram e complexificaram as dinâmicas que ocorrem dentro das favelas cariocas “pacificadas”, com um maior uso de dispositivos de guerra, técnicas de vigilância e novas sociabilidades e formas de atuar nesse espaço. Portanto, esse conjunto seria o principal legado deixado pelo funcionamento das UPPs, com consequências para as interações entre polícia e tráfico, bem como para os moradores das favelas e para a percepção deles pelas classes mais altas, de fora desse local.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Apreciação crítica</span> ==<br />
<p>Em um contexto em que vemos, em 2021, projetos de reformulação das Unidades de Polícia Pacificadoras, entender as dinâmicas que ocorrem nesse aparelho de segurança e as transformações políticas verificadas na cidade, somadas às mudanças dentro das favelas é essencial para uma boa compreensão das favelas cariocas e dos conflitos violentos que nelas ocorrem. Assim, Luiz Machado e Palloma Menezes (2019) trazem um texto muito importante que retoma parte da configuração da violência urbana nas favelas nas últimas duas décadas. Com ele, a sociologia urbana e da violência podem beber profundamente dos apontamentos feitos por esses autores, que fazem um trabalho significativo de revisar pesquisas etnográficas anteriores para construir esse apanhado sociológico sobre o tema. Escrevo essa resenha nos últimos dias do mês anterior ao do primeiro aniversário da morte de Luiz Antonio Machado da Silva, que trouxe e ainda traz – por meio daqueles que revisitam seu trabalho – percepções essenciais sobre a cidade do Rio de Janeiro para todos aqueles que vejam na sociologia urbana uma importante forma de visualizar essas e outras dinâmicas das cidades. Estudar os apontamentos feitos por esse grande autor da área é uma forma essencial de manter seu legado vivo. Apesar de ser uma autora mais nova, Palloma Menezes vem se apresentando um interessante nome da nova geração de sociólogos que se atentam à sociologia urbana e da violência, a partir da qual, com esse estudo, podemos mais uma vez construir novas e complexas compreensões sobre os processos urbanos.</p><br />
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== <span style="font-size: 18pt;">Outros verbetes e referências relacionadas</span> ==<br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=Violência, Criminalidade,_Segurança_Pública_e_Justiça_Criminal_no_Brasil:_Uma_Bibliografia_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|Violência, Criminalidade, Segurança Pública e Justiça Criminal no Brasil: Uma Bibliografia (resenha)]]</p><br />
<p id="firstHeading" class="firstHeading" lang="pt-BR">[[title=A Criminalidade_Urbana_Violenta_no_Brasil:_Um_Recorte_Temático_(resenha)#Links_para_outros_trabalhos_relacionados|A Criminalidade Urbana Violenta no Brasil: Um Recorte Temático (resenha)]]</p><br />
MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. “Violência urbana, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro”. Cadernos CRH, Salvador, 23, 59:283-300, 2010.<br />
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<div id="bodyContent" class="mw-body-content"></div></div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usu%C3%A1ria:Vivian&diff=10573Usuária:Vivian2021-08-29T14:10:03Z<p>Vivian: </p>
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<div>Vivian de Almeida é mestranda em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). É pesquisadora no Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (IFCS/UFRJ), estudando um circuito cultural de rodas de rima na zona oeste do Rio, e é estagiária no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), trabalhando com pesquisas de prevenção à violência e às drogas de Pernambuco. Graduou-se em Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual procurou focar seus estudos no tema da desigualdade social, sociologia urbana e sociologia da cultura e teve experiências de pesquisa e intercâmbio acadêmico na Universidad de Chile. Atualmente cursa também a Licenciatura no mesmo curso.</div>Vivianhttps://wikifavelas.com.br/index.php?title=Usu%C3%A1ria:Vivian&diff=10572Usuária:Vivian2021-08-29T14:09:32Z<p>Vivian: Criou página com 'Mestranda em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). É pesquisadora no Urbano - Labora...'</p>
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<div>Mestranda em Sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). É pesquisadora no Urbano - Laboratório de Estudos da Cidade (IFCS/UFRJ), estudando um circuito cultural de rodas de rima na zona oeste do Rio, e é estagiária no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), trabalhando com pesquisas de prevenção à violência e às drogas de Pernambuco. Graduou-se em Bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no qual procurou focar seus estudos no tema da desigualdade social, sociologia urbana e sociologia da cultura e teve experiências de pesquisa e intercâmbio acadêmico na Universidad de Chile. Atualmente cursa também a Licenciatura no mesmo curso.</div>Vivian