Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro - que paz? (resenha)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

As pesquisadoras, neste artigo datado de 2007, analisaram tanto o surgimento quanto a expansão das milícias no Rio de Janeiro, na tentativa de comparar o poder deste grupo com aquele exercido por facções de traficantes de drogas em outras favelas, tendo como base de dados a Pesquisa de Vitimização em Favelas 2007, a pesquisa etnográfica realizada na favela carioca de Rio das Pedras, entre 2007 e 2008, historicamente conhecida como o “berço” das milicias cariocas, bem como reportagens jornalísticas de importantes meios de comunicação em nível nacional daquele período.

Autoria: Maria Carolina Loss Leite

Resumo dos principais argumentos[editar | editar código-fonte]

Conforme as autoras, à época do artigo, os jornais mais importantes da cidade do Rio de Janeiro caracterizaram as milicias cariocas como sendo organizações formadas majoritariamente por policiais e bombeiros militares, além de agentes penitenciários – tanto da ativa quanto já aposentados – que, através da cobrança de taxas mensais pagas por moradores das regiões onde o grupo atuava, garantiam uma espécie de segurança privada. Além disso, exigiam, ainda, que essas pessoas pagassem pelo uso de sinal ilegal de TV por assinatura – o chamado gatonet -, pela venda, compra e aluguel de imóveis, além de controlarem a circulação de cooperativas de transporte alternativo também por meio de pagamentos de taxas. A justificativa era de afastar aquele território do domínio do tráfico de drogas.

O entendimento das pesquisadoras vai ao encontro de tal definição: para elas, o termo milícia se reportava a policiais e ex-policiais (em especial os militares), uns poucos bombeiros e agentes penitenciários, com treinamento militar e pertencentes a instituições do Estado, que tomaram para si a função de “dar segurança” em locais supostamente ameaçadas por membros do tráfico.

Para elas, haveria uma aproximação dessa milícia com aqueles grupos de extermínio atuantes nas décadas de 1960, 1970 e 1980 em Recife, Salvador, na Baixada Fluminense e na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, locais estes predominantemente habitados por migrantes vindos de outros estados brasileiros.

Ainda, os chamados milicianos vinham ocupando cada vez mais espaços nas esferas políticas em cargos legislativos e executivos municipais e estaduais, construindo teias de influências, inclusive junto ao Poder Judiciário. Em 2004, Nadinho – recém-filiado ao PFL e com apoio do então prefeito César Maia –, foi o primeiro miliciano eleito na vereança carioca.

Entretanto, as autoras deixam claro que os serviços oferecidos não podem ser confundidos com a segurança privada comumente conhecida, já que há um controle sobre um território, não tem uma relação contratado/ contratante com os moradores nem obedecem às legislações vigentes. Segundo elas, os milicianos seriam os “fora-da-lei”, da mesma forma àqueles que eles alegavam estar combatendo: os traficantes.

Para elas, o medo era o principal motivo para que surgissem inúmeras alternativas aos moradores das cidades a fim de que se sentissem mais seguros, especialmente em locais mais vulneráveis socialmente, devido a constantes tiroteios e execuções sumárias.

O caso mais bem sucedido e conhecido de milicianos era o de Rio das Pedras – chamados por moradores de lá de polícia mineira -, ficando tal fenômeno mais expressivo nas favelas cariocas a partir dos anos 2000 justamente pelo “sucesso” dos grupos de segurança naquela comunidade.

De acordo com os dados da Pesquisa de Vitimização nas Favelas de 2007, há diferenças entre as áreas controladas por grupos do tráfico e as por milícias: venda e uso de entorpecentes, os assaltos, barulhos de tiro e assassinatos com armas de fogo apresentaram maiores incidências em favelas controladas pelo primeiro grupo.

Apreciação Crítica[editar | editar código-fonte]

As autoras iniciam o artigo de forma didática, apresentando o uso do conceito de “milícia”, a fim de avançar no debate sobre o mesmo, em especial na realidade urbana carioca, demonstrando como são caracterizados tais grupos ao longo da história mundial.

Além disso, questões voltadas ao gênero sempre surgem em trabalhos especialmente de Alba Zaluar, mostrando-se sempre preocupada em discutir tal agenda na Academia: neste, as pesquisadoras ressaltaram que independentemente da localidade dominada, o grupo das mulheres sempre aparecia como aquele que sofria violência: 12,9% em áreas de tráfico e 12,3%, em áreas de milícias, de acordo com a Pesquisa de Vitimização de Favelas de 2007.

Importante ressaltar que os grupos de extermínio – os mesmo que deram origem ao grupos milicianos - existiram justamente no Regime Militar imposto em 1964 até 1985, gerando dúvidas por quais motivos eles conseguiram se instalar sem se sentirem ameaçados pela força militarizada da época, a qual perseguiu diversas pessoas quando havia a desconfiança de ações ilícitas ou contrárias àquela forma de governo.

Referência[editar | editar código-fonte]

ZALUAR, Alba; CONCEIÇÃO, Isabel S. Favelas sob o controle das milícias no Rio de Janeiro. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 89-101, 2007.

Outros verbetes e referências relacionadas[editar | editar código-fonte]

CANO, Ignácio; DUARTE, Thais Lemos. No Sapatinho: A Evolução das Milícias no Rio de Janeiro (2008-2011). Rio de Janeiro: Heinrich Boll Stiftung, 2012.