A cor da morte (resenha)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 09h57min de 22 de setembro de 2021 por Gabriel (discussão | contribs)

Autor: Leonardo Fernandes Hirakawa.

Referência

SOARES, Gláucio A. D.; BORGES, Doriam. A cor da morte. Ciência Hoje, v. 35, n. 209, p.26-31. out, 2004.

Breve contextualização

O artigo publicado em 2004 pelos pesquisadores Gláucio Soares e Doriam Borges surge da necessidade de analisar a realidade no que tange as diferenças raciais existentes no Brasil ao tratar de vitimização. Utilizaram neste estudo, como parâmetro uma abordagem estatística e criminológica, com base nos registros de óbito realizados pelo Ministério da Saúde referente aos anos de 1999 e 2000. Depreendendo da análise uma multiplicidade de possibilidades que iremos aqui discutir.

Gláucio Ary Dillon Sores foi um pesquisador, infelizmente falecido este ano aos 87 anos, vitimado pela COVID-19, tendo desempenhado em sua premiada vida acadêmica as funções de docente e pesquisador em diversas universidades dos Estados Unidos, México e Brasil. Publicou treze obras com temas variando entre violência, homicídios, mortes violentas no Brasil e Regime Militar.(http://lattes.cnpq.br/4941584932515611)

Doriam Luis Borges de Melo foi autor do livro "O Medo do Crime na Cidade do Rio de Janeiro: Uma análise sobre a perspectiva das Crenças de Perigo". Tem experiência nas áreas de violência, criminalidade e segurança pública. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da UERJ. Também é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ) e é coordenador do projeto de extensão da UERJ QUANTIDADOS: Pesquisa e Análise de Dados. (texto extraído do CV lattes: http://lattes.cnpq.br/1578473807959858)

Resumo dos principais argumentos

O estudo de cunho estatístico e criminológico problematiza, inicialmente, a precariedade das fontes dos dados de pesquisa sobre homicídios no Brasil. A carência do aperfeiçoamento desses dados impossibilitou a sistematização de estudos sobre a vitimização do negro durante anos no Brasil. Porém, diante dos resultados obtidos através da análise deles, consideram ser possível afirmar que a morte tem cor de pele.

A crítica perpassa toda a formação simbólica do estado brasileiro, quando minimizou o racismo praticado no Brasil comparado ao racismo americano, considerando este o único real. Essa relação, segundo os autores, foi reforçada por parte da esquerda ao subjugar a questão racial à luta de classes, tomada por esta como a principal causa do preconceito. O racismo só viria a ser novamente pauta por força dos movimentos sociais, movimentos negros, alguns setores progressistas e, também, decorrente da necessidade de levantamento de dados para estudos.

Para eles, a morte é um fenômeno que se manifesta através da violência de forma estrutural. Demonstrou, através de comparação estatística dos números de óbitos, que: "ser pardo é mais seguro que ser preto, mas é muito menos seguro que ser branco". E ainda, falando-se de gênero, os homens são muito mais vitimados do que as mulheres. Tratando a relevância do gênero em relação à raça, pois o número de homens vitimados é superior ao das mulheres se comparado ao número de pessoas negras e brancas. Mais adiante há uma série de combinação de fatores, onde pode se constatar que na variável estado civil, pessoas solteiras foram mais vitimadas e dentro do grupo estudado de "solteiros", inclui-se a pessoa separada e viúva, sendo a primeira mais vitimada em relação à segunda categoria.

A explicação para essa tendência pode ser dividia em quatro fatores principais. O fácil acesso a arma de fogo, acesso ao tráfico de drogas, uso de drogas e alcoolismo, ausência de religião ou sua debilidade e a ausência de laços familiares. Contudo, confluem para modificação do resultado as variáveis estruturais das condições sociais (desemprego, nível educacional, desigualdade) e o nível social dos vitimados, pois a atenção e seletividade que os serviços públicos (polícia e saúde pública) tem para os vitimados, torna o resultado diferenciado, segundo os autores.= Apreciação crítica =O artigo "A cor da morte" foi um importante trabalho para acentuar, principalmente, o descaso com as questões raciais no Brasil. Revelando uma ineficiência e desarticulação entre os entes administrativos das esferas de poder, que não se justifica diante do cenário nacional de violência. Porém, devemos compreender o recorte pretendido e a intenção dos autores para uma crítica mais produtiva. Se levarmos em conta que a única fonte de pesquisa foi o registro de óbito que, via de regra, não possui uma credibilidade e que não possibilita entender a dinâmica pela qual foi produzida a morte, temos um grave problema metodológico. O que nos leva a crer que as outras variáveis citadas pelos autores, por sua vez, podem modificar a "cor da morte". Basta analisar, por exemplo, o conceito de homicídio para se ter uma vasta gama de definições de termos jurídicos possíveis, que variam desde um acidente de trânsito até uma tortura; Ou a questão da violência de gênero, se for categorizar, por exemplo, um cadáver de homem que sofreu um homicídio por ter sido vítima de homofobia. Estas observações, caso tenham ocorrido nesse estudo, descredenciariam a violência e a variável gênero em relação aos demais grupos. Destarte, entendendo que a proposta dos autores foi de chamar a atenção para o tema e instigar a pesquisa, principalmente para mobilizar a comunidade acadêmica na produção.