Agentes comunitárias

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 14h04min de 28 de fevereiro de 2020 por Caiqueazael (discussão | contribs)

As agentes comunitárias

Autora: Marcella Carvalho
São as figuras responsáveis pela “participação comunitária” em políticas sociais. “Trabalho de base”, “trabalho comunitário” e “trabalho social” compõem o léxico da “participação comunitária” e da democratização das políticas públicas, mas não termos sinônimos. De tática de luta política à metodologia de trabalho, o sentido do “trabalho comunitário” foi objeto de sucessivas tensões políticas. A unidade desses conflitos em torno de determinadas questões permite dividir a história da figura da agente comunitária em três períodos.

O primeiro foi o período da ditadura militar, cujos polos eram a desenvolvimentismo estatal e as organizações políticas de esquerda. Esse período se articulou em torno do debate sobre o papel dos mutirões: “trabalho de base” para organização política ou super exploração de trabalhadores urbanos? O segundo foi o período da redemocratização política e a consequente reorganização institucional do Estado. A criação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social foi um marco institucional importante no deslocamento da atuação estatal da política de remoções para conjuntos habitacionais à política de urbanização de favelas. Nesse período, a ampliação dos serviços entendidos como “trabalho comunitário” trouxe as mulheres ao centro da prestação de serviços urbanos, como creches e postos de saúde. A consequência não prevista do investimento público em “trabalho comunitário” foi a contestação do significado do “trabalho”. Os homens passaram a demandar remuneração pela realização das obras e as mulheres o reconhecimento da categoria das agentes comunitárias. O terceiro foi o período da consolidação do “trabalho social” como um mercado de trabalho. Os anos 1990 e 2000 testemunharam o crescimento das verbas direcionadas à política urbana e a incorporação de empreiteiras no ramo de urbanização e saneamento de favelas. A expansão da contratação de agentes comunitárias, para intermediação da relação entre Estado e moradores de favelas, desdobrou disputas em torno das formas de provisão da mão de obra e organização das relações de trabalho: entre cooperativas, organizações não governamentais e empresas sociais. O material empírico que sustenta a elaboração deste verbete é composto basicamente por entrevistas de histórias de vida com assistentes sociais, arquitetos e outros funcionários públicos, lideranças de movimentos sociais e agentes comunitárias, com algumas poucas referências a documentos de arquivos ainda existentes. Este verbete pretende compilar o conhecimento até o momento produzido sobre essas figuras centrais às políticas urbanas e, assim, retirá-las da invisibilidade a que foram relegadas na história urbana carioca. Nesse sentido, cabe destacar, de antemão, que ele fica aberto a reelaborações, conforme surjam mais informações sobre o “trabalho social”, por parte de outros/as pesquisadores/as.

 

Agente Comunitário de Saúde

Autora: Flávia Garofalo Cavalcanti.

No Brasil a figura do Agente Comunitário de Saúde (ACS) institucionaliza-se com o Programa de Saúde da Família através do Ministério da Saúde. Diferente dos demais componentes da equipe de saúde da família, o ACS não possui graduação na área da saúde, mas destaca-se por ser morador da área de atuação da equipe. Seu trabalho é considerado uma extensão dos serviços de saúde dentro da comunidade em questão. Dentre as principais funções dos ACS estão: o domínio/conhecimento do território de atuação, o cadastramento e acompanhamento das famílias, a realização de visitas domiciliares, ações de promoção e vigilância em saúde (busca ativa), atenção e estimulo às reivindicações da comunidade e integração entre o saber popular e o conhecimento técnico.

Mediação, portanto, é a palavra-chave no universo de atuação do ACS. Essa mediação se dá no seu existir cotidiano, percorrendo as ruas, visitando as famílias, indo e voltando da Clínica de Saúde, conversando com os moradores, aconselhando e sendo aconselhado, relacionando-se, enfim, com aquela coletividade que é a sua própria comunidade. Percebe-se então sua dupla condição cotidiana: presentes tanto no espaço social como no espaço físico. E a partir do momento que veste seu colete torna-se um Agente, ou seja, aquele que executa ações, nesse caso em prol da saúde e/ou com o aval da saúde. O fato do agente de saúde, percorrer as ruas, cumprimentar as pessoas, conversar, visitar as casas, ouvir relatos, ou seja, conhecer as dinâmicas públicas (referente ao espaço aberto das ruas) quanto as dinâmicas privadas (do ambiente interno da casa e de seus moradores), dinâmicas estas que atravessam outros domínios para além da questão da saúde, estendem seu papel de mediação à distintas esferas de organização da vida social. Espalhados por diversos espaços da cidade, os agentes de saúde estão presentes principalmente nos territórios populares, entre os quais as favelas. Apesar de sua reconhecida atuação na mediação entre a comunidade e os serviços de saúde ou entre diferentes saberes (o popular e o técnico) percebe-se que estes agentes vão além de seu papel institucional dado pelo âmbito da saúde. Reconhece-se nas ações desses agentes reinvindicações enquanto usuários da cidade, ações daqueles que habitam e usufruem de serviços, ações que visam a melhoria de suas condições de vida na busca por maior cobertura dos equipamentos públicos e privados. Na ambiguidade entre sua condição de morador e sua condição de agente ‘público’ reside a riqueza de sua atuação, na medida em que tais elementos proporcionam a efetivação de um conceito ampliado de saúde relacionado à dinâmica social da comunidade, relacionado ao urbano.