Altair Antunes de Moraes (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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<p style="text-align: center;">Material de pesquisa&nbsp;do Projeto&nbsp;do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao&nbsp;'''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''.</p>
Material de pesquisa&nbsp;do Projeto&nbsp;do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao&nbsp;'''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''.
== &nbsp;<br/> Sobre o projeto ==
A entrevista faz parte do projeto "[[Histórias,_Memórias,_Oralidades_e_Cartografia_da_Luta_Social_por_terra_e_Moradia_na_Região_de_Jacarepaguá|Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016]]", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Neste episódio, a conversa é Altair Antunes de Moraes. Ele foi&nbsp;Presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo.


A entrevista faz parte do projeto "[[Histórias,_Memórias,_Oralidades_e_Cartografia_da_Luta_Social_por_terra_e_Moradia_na_Região_de_Jacarepaguá|Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016]]", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Neste episódio, a conversa é Altair Antunes de Moraes. Ele foi&nbsp;Presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo
==&nbsp;Entrevista ==
 
 
== Entrevista ==


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Edição das 17h56min de 4 de março de 2022

Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Neste episódio, a conversa é Altair Antunes de Moraes. Ele foi Presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo.

 Entrevista


Transcrição

Eu moro aqui a 20 anos.

Vivi momentos ruins na época da ditadura, nos anos 60. Na época do governo de Carlos Lacerda e Negrão de Lima- que fez na zona sul do Rio, uma lavagem social- tirou varias comunidades- como o Morro do Catumba, Ilha das Dragas, Praia do Pinto, Ilha dos Caiçaras- comunidade onde eu morava- eu tinha 14 anos de idade. Chegaram de uma hora pra outra. Disseram que a comunidade tinha que sair. Naquela época existiam uns caminhões da COMLURB- chamados coração de mãe- pareciam com um trem e tinha umas janelinhas de madeira- assim se deu o processo da Ilha dos Caiçaras.

Eu me peguei na estrada do Joá, sem entender pra onde eu estava indo- falaram que na Cidade de Deus- era uma cidade modelo- boa para todos.

Aos 14 anos- eu me perguntava- para onde iria e se seria bom.

Ao chegar na Cidade de Deus- havia só os conjuntos Gabinal e algumas casas. O mercado- uma Padaria Verde e Rosa, outra padaria na Praça, escolas precárias.

Hoje eu escuto muitas coisas no processo de remoção.

Quando você está na luta comunitária, você perde a sua identidade e vem a remoção.

Ao cair na Cidade De Deus, cai em lugar nenhum, romperam os laços de amizade e convivência. Muita gente foi para Cordovil e outros locais. E se dividiu tudo.

Cresci na Cidade de Deus, casei, tive 3 filhos. E já no governo- que é uma ditadura disfarçada- que faz as mesmas coisas que o Lacerda e o Negrão de Lima fizeram- que foi remover.

Fui surpreendido com a notícia que tinha que sair da minha casa- por causa da Linha Amarela.

Como já estava no processo de separação- fiquei 2 anos num reassentamento bem próximo e por opção vim para Vila Autódromo.

Conheci outra mulher- que tinha parente vivendo aqui, eu vim visitar e gostei- lugar calmo, tranquilo, bom de se viver.

Eu consegui comprar um terreno.

Foi uma troca, eu aterrei o terreno e fiquei com a metade.

Construí um barraco de pau a pique- e fui aterrando o terreno.

Fui então trabalhar como carpinteiro, na Linha Amarela.

Com este dinheiro, além de aterrar- fiquei com o terreno todo numa troca com o antigo dono.Emprestei um chevete para o dono do terreno-ele bateu com o carro e ficou com ele por muito tempo.Eu não tinha coragem de cobrar ,mas criei coragem e cobrei.Então o Patric me disse que ficaria com o carro e eu com o terreno.

E aí começa minha história-

Fiquei 2 anos conhecendo a comunidade. Entrei para Associaçao de Moradores com a finalidade de ter mais voz para discutir com os governos.

Participei de uma junta governativa, de outra direção- sai antes do final.Não bem o que eu queria .não tinha liberdade como vice.

Como vice-presidente não tinha liberdade de ação. Sai.

Depois concorri com outra chapa-

E estou na direção até hoje.

Comecei a trabalhar a permanência da comunidade. Nós temos um processo que tramita a 20 anos- sem decisão da justiça.

No meu entendimento- não se faz justiça como tem que se fazer.

Digo isto porque esta comunidade tem um documento chamado “possessão de uso”- que diz que temos o direito de morar aqui por 30 anos. Governo Brizola.

O outro governo nos deu mais prazo- e passou para 99 anos. O governo do Estado.

Aí começou uma guerra- o município.

O Brizola titulou a terra 92, o Marcelo Alencar também.

Alegações da prefeitura-

Primeiro ela disse que nós agredíamos a estética da cidade.

A prefeitura deveria fazer aqui a urbanização. E nada foi feito.

Outro motivo: que nós poluímos a lagoa. Mas quem conhece Jacarepaguá sabe que não tem saneamento básico para a maioria.

Só no governo Garotinho- se iniciou a instalação emissário submarino. Mas não são todos os Rios ligados a ele.

Mas são vários os rios que desembocam na lagoa e jogam esgoto in natura.

Isto na disputa da justiça.

Depois em conversas com o prefeito ele dizia ser uma exigência do COE.

Era o risco que significávamos- eu argumentei que não poderíamos oferecer risco de segurança.

E pude perceber que ele sempre buscava justificar de qualquer forma a remoção da Vila autódromo.

Desde que eu estive na frente da luta, a razão, nem era dano estético, sua agressão ao meio ambiente, ou questão de segurança- mas sim- por causa dos interesses de mercado pela especulação imobiliária.

Nestas áreas de riscos, ela se desvaloriza se tem pobres vivendo no seu entorno.

Temos isso no Pavãozinho- os prédios do entorno próximo, foram valorizados, com a pacificação. Esse é o objetivo. O valor foi lá pra cima.

Os jogos acontecem em 27 dias. Isto não justifica a remoção. Mas eles vão construir mais prédios nesta área até 2030. É isto que nos impede continuar vivendo aqui, e isto justifica a remoção.

O acordo dos empresários- investindo na infraestrutura dos jogos requer do prefeito a contrapartida- o que vai lhes garantir mais lucro.

Andrade Gutierrez, Odebrecht, Carvalho Hoskin- formam o consorcio Rio +. Isto me leva a crer que hoje, na cidade do Rio de Janeiro- a gente tem um governante que esta agindo pior do que o Lacerda e o Negrão de Lima.

Remoção e limpeza. Isto não pode acontecer.

Eu tenho a preocupação de saber como este vídeo pode informar a sociedade. A mídia hoje é perversa.

Quando tem que falar de uma comunidade carente, sempre coloca como invasor, como se não devesse estar ali, que está agredindo o meio ambiente. Isto não pode acontecer mais nesta cidade.

 

Eu costumo dizer: estou com 59 anos e toda a minha vida foi trabalhando para ver esta cidade crescer. E pra ajudar enriquecer os patrões. E continuamos pobres, acumulam cada vez mais.

Na politica tem muita gente que está satisfeita com o governo Lula.

Eu fui um dos que votei nos 3 mandatos do Lula.

Eu tive uma grande decepção- quando votei no Lula. Votei com a esperança que houvesse uma grande mudança neste país, mas o que houve foi uma grande roubalheira e este dinheiro podia esta na saúde, na educação, e não foi- foi para o bolso dos picaretas.

Não quero dizer que eu queria ficar rico, mas queria pelo menos não ter que trabalhar em 2 empregos para ter um carro popular.

Eu tenho 2 empregos, trabalho de noite e de dia para conseguir.

Eu não vivo melhor só porque posso comprar comida, ou comprar uma televisão- porque ela ficou mais barata- eu não entendo isto como melhora de vida.

Melhorar de vida, conseguindo um bom emprego, um bom salario, e ter uma vida confortável com minha família, e que não tivesse que trabalhar muito.

Não considero um bom governo, foi um pouquinho melhor do que os outros- foi- mas outros fariam o mesmo, para se manter no poder.

O meu sentimento na verdade é que eu não culpo tanto os governos, mas sim a nós mesmos.

Porque nós sempre colocamos esses caras de volta no mesmo lugar e a gente nunca troca as figurinhas.

Quando a gente começa a pensar com consciência tenho certeza que a gente consegue uma grande virada, uma grande mudança no país.

Eu continuo brigando pela comunidade. Eu não aceito remoção em hipótese nenhuma.

Em reuniões recentes com o prefeito- e a gente discute a permanência.

Fizemos uma manifestação à bem pouco tempo- uma passeata.

A gente conseguiu com os companheiros de militância, bastante apoio, esta bem organizado na defesa da comunidade.

Eu espero, sinceramente, que o judiciário cumpra o seu papel- que é de justiça. Até porque eu nem quero nem falar no titulo de 99 anos- eu tenho que falar no direito sagrado- inviolável de morar.

Ela é uma terra do governo, e se não fosse em 5 anos, caberia o uso capiao.

Então nem precisaria nem falar na questão da titularizaçao- que já temos 40 anos de permanência, assentada.

Eu acho que temos que viver aqui e vai estar sempre lutando para que isto aconteça.

Eu espero que o juizado reconheça nosso direito.

Sempre que sou entrevistado por jornais ou alguma TV- é lógico eles nunca divulgam isto.

Eu costumo dizer que qualquer juiz em inicio de carreira- muito conhecedor dos direitos sociais- qualquer juiz ia entender isto- a gente tem direito a estas terras.

E meu desconforto é ter 20 anos, um processo sendo empurrado pela barriga- já estamos aqui a 40 anos- por direito estas terras são nossas.

Construímos nossas casas com os nossos esforços, nosso dinheiro.

As propostas feitas pelo governo municipal- são propostas de apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida.

E aí volto a falar no governo federal- que não deveria se prestar a este papel.

O programa Minha Casa Minha Vida, deveria estar voltado para o déficit habitacional no Rio de Janeiro- e que não são poucos- mas estão entregando recursos para o prefeito remover- e no Morar Carioca, que é tudo uma coisa só.

O início da História-

Moro aqui a 20 anos, mas ela existe a 40 anos.

Tudo começou com os pescadores.

O nome da associação é Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo.

Pescadores viviam em volta da lagoa, já teve uma colônia de pesca.

Na construção do autódromo- os trabalhadores que vieram trabalhar, mas moravam longe, ficaram aqui.

De outras obras- Rio Centro, metro.

O governo Brizola- trouxe moradores para cá também- do Cardoso Fontes, moradores da área da Restinga- que foram removidos.

Assim a comunidade foi se formando. E aí começa a disputa pela terra, ainda na época do Brizola e Cesar Maia.

Nossas casas não podem ser negociadas. Cobiça, ganância, interesse do capital e da especulação- o governo não faria remoções.

Tem situações que a remoção é boa para o governo- ela remove e atinge 50 mil pessoas, mas vai beneficiar a vida de um milhão ou mais.

Mas eu vi a remoção de comunidades próximas por causa da olimpíada, ou a via TransCarioca ou a TransOeste e não tinha nada á ver com a passagem destas vias. Mas estavam do lado de um shopping.

Vila Harmonia, por exemplo, Restinga, parte da comunidade, talvez precisasse da frente- mas Vila Harmonia, estava distante da pista.

É isto que os jovens precisam saber e aprender.

Precisamos lutar por nossos direitos. E aí a gente passa a entender qual é o processo que acontece na Cidade do Rio de Janeiro.

E a falta de informação e não ter uma mídia que se interesse fazer isto.

Então esta questão é pelo envolvimento entre empreiteiro e políticos.

Ameaças-

Eu nunca me senti ameaçado, porque conseguimos dar bastante visibilidade a nossa luta. E se alguma coisa me acontecer, alguém vai responder por isto. Eu sempre deixo isso claro nas entrevistas.

Eu tenho uma vida uma vida regrada, eu sou um trabalhador, o que eu faço é lutar pelos meus direitos.

E se alguma coisa de ruim me acontecer, pode ter certeza que vão investigar que pode ter alguém do governo por trás disto. Eu sempre faço questão de dizer isto- nas entrevistas que faço porque de fato a gente incomoda. A gente é uma pedra no calcanhar do prefeito.

Eu saio de madrugada para trabalhar, tenho preocupação- procuro ter cuidado, mas eu acredito muito, que conseguimos dar bastante visibilidade- tornar nossa luta publica- principalmente eu, D. Jane. Aqueles que não conseguem se colocar para a sociedade, que não se articulam com outros militantes, não conseguem tornar a luta publica- aí pode

 Ser ameaçado.

Pra fazer algo comigo, eles tem que pensar nas consequências, das investigações que vão sofrer.

Território saudável no meu entendimento é aquele que pode ter saneamento- porque um lugar insalubre é o lugar que não tem nada a ver com saúde.

E quando não se tem saneamento, pavimentação não pode ser espaço saudável.

Minha comunidade é muito boa, a gente não tem nenhum caso de tuberculose. Nossa área é muito aberta.

Nada aqui foi obra do governo. O único serviço publico aqui é a comlurb; recolhendo o lixo. Pagamos agua, luz e telefone. Não temos escola. E não há interesse.

Só se interessam por nós na hora do voto, fora isto- nada. É uma comunidade pequena- não do porte da Rocinha, do alemão- e que vai eleger de uma vez só. E eles investem nestas comunidades. Traz algum resultado pra eles.

A minha ainda tem interesse de remover, por conta do dinheiro.

Tudo é prejudicial a saúde.

A luta- levar esta luta para os mais jovens- porque quando eu era jovem eu não me interessava.

Eu comecei esta luta já no governo Cesar Maia. Já tinha passado por remoções- já estava calejado de ser removido.

Quando veio a desapropriação da Linha Amarela, pro outro lado da Cidade de Deus- o prefeito quis entregar os embriões de duplex sem lage e sem escada. Aí eu comecei a passar do COMOCIDE. Era um núcleo que algumas pessoas trabalhavam por direitos- moradia e tudo que se precisasse na Cidade de Deus.

Era formado pela Cleonice, Edson Santos e Pablito. A gente começou a luta ali pela questão dessas lages e escadas.

Eu comecei a ter interesse pela luta ali. Por isso que eu tenho vontade de levar estas coisas para os jovens.

Se eu tivesse lá a trás, alguém, ou algum professor, ou eu me levasse- como o COMOCIDE na época: conhecer os meus direitos, me politizar- saber que nesta cidade, você só consegue as coisas se você lutar. Eu não teria começado tão tarde. Talvez eu não tivesse nem passado pelas situações que eu passei. E foi assim que eu comecei e estou até hoje. Eu tenho uma garotinha que eu adotei quando tinha 1 ano, e que ela participa de todas as reuniões.

Ela começou de má vontade, agora vai a todas. Tive uma reunião com o prefeito semana passada- ela estava lá no meio. Eu levo para ela se politizar e aprender a lutar para conseguir algumas coisas nesta cidade, neste país. Se ela esperar apenas, ela vai ser atropelada.

O que te move na luta-

Eu busco na luta da Vila Autodromo, o direito a cidade, o direito de poder morar.

A minha vida e a permanência na associação de moradores só tem o proposito de fazer com que esta e todas as outras comunidades que querem remover onde estão.

As que já foram removidas não tem mais como reverter a situação- mas a gente pode lutar para impedir as outras.

É isto que me dá forças me faz continuar, tocar esta luta.

A cidade não pode ser partida, a cidade é de todos. Eu não quero acreditar que por causa de 27 dias dos jogos da Olimpíada, se mexa com a história e com a vida das pessoas, por conta disso.

Tem que ter espaço e lugar para todos- no mesmo ambiente, no mesmo espaço.

Eu não acho que seja justo remover por conta de nada.