Asfixia: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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'''Autora: Juliana Farias'''
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Operação Asfixia é realizada na região do Chapadão e da Pedreira, em Costa Barros, através de ação integrada da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG) com o Ministério da Justiça e Cidadania. Participaram da operação policiais militares, policiais civis, policiais rodoviários federais e agentes da Força Nacional de Segurança, contando com a utilização de dois blindados – os caveirões, sendo um da Polícia Militar e outro da Civil.
Operação Asfixia é realizada na região do Chapadão e da Pedreira, em Costa Barros, através de ação integrada da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG) com o Ministério da Justiça e Cidadania. Participaram da operação policiais militares, policiais civis, policiais rodoviários federais e agentes da Força Nacional de Segurança, contando com a utilização de dois blindados – os caveirões, sendo um da Polícia Militar e outro da Civil.


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Operação Asfixia ocupa dez favelas do Rio de Janeiro – Dendê, Favela da Metral, Jacarezinho, Jardim América, Mangueira, Manguinhos, Nova Brasília, Parque Alegria, Providência e Vila dos Pinheiros. Exército e Polícia Militar atuaram juntos, contando com reforço de helicópteros, tanques de guerra e carros de combate Urutu com o objetivo de recuperar dez fuzis FAL e uma pistola que haviam sido roubados de um quartel em São Cristóvão.
Operação Asfixia ocupa dez localidades do Rio de Janeiro – Dendê, Favela da Metral, Jacarezinho, Jardim América, Mangueira, Manguinhos, Nova Brasília, Parque Alegria, Providência e Vila dos Pinheiros. Exército e Polícia Militar atuaram juntos, contando com reforço de helicópteros, tanques de guerra e carros de combate Urutu com o objetivo de recuperar dez fuzis FAL e uma pistola que haviam sido roubados de um quartel em São Cristóvão.


= <span style="font-size:smaller;">O que é "asfixia"?</span> =
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Com datação de 1789, o substantivo “asfixia” significa “falta de ar; sufocação” <ref>FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.</ref>, ou ainda “dificuldade ou impossibilidade de respirar, que pode levar à anóxia; pode ser causada por estrangulamento, afogamento, inalação de gases tóxicos, obstruções mecânicas ou infecciosas das vias aéreas superiores etc.” <ref>HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.</ref>. O verbo transitivo ‘asfixiar’ significa “causar asfixia a” ou “matar por asfixia; sufocar, abafar”<ref>FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.</ref>. De acordo com as regras gramaticais da língua portuguesa, o verbo transitivo exige um complemento – o objeto que será regido pelo verbo. Qual seria o complemento do verbo asfixiar durante as variadas Operações Asfixia protagonizadas por agentes da Segurança Pública no Rio de Janeiro? Quem ou o quê estaria sendo morto por asfixia, sufocado ou abafado?
Com datação de 1789, o substantivo “asfixia” significa “falta de ar; sufocação” <ref>FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.</ref>, ou ainda “dificuldade ou impossibilidade de respirar, que pode levar à anóxia; pode ser causada por estrangulamento, afogamento, inalação de gases tóxicos, obstruções mecânicas ou infecciosas das vias aéreas superiores etc.” <ref>HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.</ref>. O verbo transitivo ‘asfixiar’ significa “causar asfixia a” ou “matar por asfixia; sufocar, abafar”<ref>FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.</ref>. De acordo com as regras gramaticais da língua portuguesa, o verbo transitivo exige um complemento – o objeto que será regido pelo verbo. Qual seria o complemento do verbo asfixiar durante as variadas Operações Asfixia protagonizadas por agentes da Segurança Pública no Rio de Janeiro? Quem ou o quê estaria sendo morto por asfixia, sufocado ou abafado?
<p style="text-align: justify;">Pensando especificamente no contexto militarizado do estado do Rio de Janeiro, é importante registrar que a palavra asfixia passou a ser acionada por agentes de estado que atuam no campo da segurança pública em diferentes momentos considerados de “crise” ou de “exceção” no Rio de Janeiro. Entretanto, observa-se não apenas a frequência da escolha da palavra para nomear operações militarizadas em territórios de favelas e periferias, como também a sistematicidade de práticas violadoras de direitos nesses contextos de operação.</p> <p style="text-align: justify;">“Asfixia”, portanto, é palavra cuja leitura deve estar atenta às convenções gramaticais e também às convenções internacionais de Direitos Humanos, afinal, nos contextos de favelas e periferias, “asfixia” remete a decisões políticas, julgamentos morais e justiçamentos extra-legais. Mais que um nome de operação – “asfixia” configura-se ao mesmo tempo enquanto meta e resultado a ser atingido por agentes armados de estado no exercício de suas funções.</p> <p style="text-align: justify;">Segundo Houaiss<ref>HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.</ref>, a palavra “asfixia” também pode ser definida por derivação (sentido figurado), da seguinte forma: “sujeição à tirania; opressão e/ou cobrança de posições morais ou sociais que dão origem à privação de certas liberdades”. Faz-se imprescindível ressaltar que, para moradoras e moradores das favelas cariocas, esse sentido figurado do termo constrói experiências cotidianas e determinantes para suas rotinas.</p> <p style="text-align: justify;">Fazer essa referência ao sentido figurado do termo não exclui, no entanto, a aplicação do uso denotativo da palavra asfixia e do verbo asfixiar em meio ao léxico - e ações - das políticas de segurança pública. A utilização não se encerra na nomeação de operações violentas, mas marca as próprias práticas de violações de direitos ao compor o repertório de ações utilizado por estes agentes de estado quando estão em contato de proximidade com moradoras de moradores de favelas. Um dos casos emblemáticos da asfixia colocada em prática pelos agentes da segurança pública foi o homicídio de Paulo Roberto Pinho de Menezes: no dia 17 de outubro de 2013, Paulo Roberto, jovem, negro, de 18 anos, foi espancado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora de Manguinhos, onde morava<ref>BARROS, Rachel (2016). Urbanização e “pacificação” em Manguinhos. Um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo. Tese de Doutorado –Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Sociais e Políticos, 2016.</ref>. Dois meses após os fatos, um laudo complementar do Instituto Médico Legal comprovou que a morte do jovem ocorreu por "asfixia mecânica" e cinco policiais envolvidos no crime foram indiciados por lesão corporal seguida de morte.</p> <p style="text-align: justify;">Assim, quando se pensa em asfixia nos contextos urbanos militarizados, deve-se considerar também as mortes causadas por "asfixia mecânica" enquanto prática que compõe o repertório de ações de agentes da segurança pública.</p> <p style="text-align: justify;">&nbsp;</p>   
<p style="text-align: justify">Pensando especificamente no contexto militarizado do estado do Rio de Janeiro, é importante registrar que a palavra asfixia passou a ser acionada por agentes de estado que atuam no campo da segurança pública em diferentes momentos considerados de “crise” ou de “exceção” no Rio de Janeiro. Entretanto, observa-se não apenas a frequência da escolha da palavra para nomear operações militarizadas em territórios de favelas e periferias, como também a sistematicidade de práticas violadoras de direitos nesses contextos de operação.</p> <p style="text-align: justify">“Asfixia”, portanto, é palavra cuja leitura deve estar atenta às convenções gramaticais e também às convenções internacionais de Direitos Humanos, afinal, nos contextos de favelas e periferias, “asfixia” remete a decisões políticas, julgamentos morais e justiçamentos extra-legais. Mais que um nome de operação – “asfixia” configura-se ao mesmo tempo enquanto meta e resultado a ser atingido por agentes armados de estado no exercício de suas funções.</p> <p style="text-align: justify">Segundo Houaiss<ref>HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.</ref>, a palavra “asfixia” também pode ser definida por derivação (sentido figurado), da seguinte forma: “sujeição à tirania; opressão e/ou cobrança de posições morais ou sociais que dão origem à privação de certas liberdades”. Faz-se imprescindível ressaltar que, para moradoras e moradores das favelas cariocas, esse sentido figurado do termo constrói experiências cotidianas e determinantes para suas rotinas.</p> <p style="text-align: justify">Fazer essa referência ao sentido figurado do termo não exclui, no entanto, a aplicação do uso denotativo da palavra asfixia e do verbo asfixiar em meio ao léxico - e ações - das políticas de segurança pública. A utilização não se encerra na nomeação de operações violentas, mas marca as próprias práticas de violações de direitos ao compor o repertório de ações utilizado por estes agentes de estado quando estão em contato de proximidade com moradoras de moradores de favelas. Um dos casos emblemáticos da asfixia colocada em prática pelos agentes da segurança pública foi o homicídio de Paulo Roberto Pinho de Menezes: no dia 17 de outubro de 2013, Paulo Roberto, jovem, negro, de 18 anos, foi espancado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora de Manguinhos, onde morava<ref>BARROS, Rachel (2016). Urbanização e “pacificação” em Manguinhos. Um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo. Tese de Doutorado –Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Sociais e Políticos, 2016.</ref>. Dois meses após os fatos, um laudo complementar do Instituto Médico Legal comprovou que a morte do jovem ocorreu por "asfixia mecânica" e cinco policiais envolvidos no crime foram indiciados por lesão corporal seguida de morte.</p> <p style="text-align: justify">Assim, quando se pensa em asfixia nos contextos urbanos militarizados, deve-se considerar também as mortes causadas por "asfixia mecânica" enquanto prática que compõe o repertório de ações de agentes da segurança pública.</p> <p style="text-align: justify">&nbsp;</p>   
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Edição das 15h23min de 12 de dezembro de 2019

Autora: Juliana Farias

Dezembro de 2016

Operação Asfixia é realizada na região do Chapadão e da Pedreira, em Costa Barros, através de ação integrada da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG) com o Ministério da Justiça e Cidadania. Participaram da operação policiais militares, policiais civis, policiais rodoviários federais e agentes da Força Nacional de Segurança, contando com a utilização de dois blindados – os caveirões, sendo um da Polícia Militar e outro da Civil.

Março de 2006

Operação Asfixia ocupa dez localidades do Rio de Janeiro – Dendê, Favela da Metral, Jacarezinho, Jardim América, Mangueira, Manguinhos, Nova Brasília, Parque Alegria, Providência e Vila dos Pinheiros. Exército e Polícia Militar atuaram juntos, contando com reforço de helicópteros, tanques de guerra e carros de combate Urutu com o objetivo de recuperar dez fuzis FAL e uma pistola que haviam sido roubados de um quartel em São Cristóvão.

O que é "asfixia"?

Com datação de 1789, o substantivo “asfixia” significa “falta de ar; sufocação” [1], ou ainda “dificuldade ou impossibilidade de respirar, que pode levar à anóxia; pode ser causada por estrangulamento, afogamento, inalação de gases tóxicos, obstruções mecânicas ou infecciosas das vias aéreas superiores etc.” [2]. O verbo transitivo ‘asfixiar’ significa “causar asfixia a” ou “matar por asfixia; sufocar, abafar”[3]. De acordo com as regras gramaticais da língua portuguesa, o verbo transitivo exige um complemento – o objeto que será regido pelo verbo. Qual seria o complemento do verbo asfixiar durante as variadas Operações Asfixia protagonizadas por agentes da Segurança Pública no Rio de Janeiro? Quem ou o quê estaria sendo morto por asfixia, sufocado ou abafado?

Pensando especificamente no contexto militarizado do estado do Rio de Janeiro, é importante registrar que a palavra asfixia passou a ser acionada por agentes de estado que atuam no campo da segurança pública em diferentes momentos considerados de “crise” ou de “exceção” no Rio de Janeiro. Entretanto, observa-se não apenas a frequência da escolha da palavra para nomear operações militarizadas em territórios de favelas e periferias, como também a sistematicidade de práticas violadoras de direitos nesses contextos de operação.

“Asfixia”, portanto, é palavra cuja leitura deve estar atenta às convenções gramaticais e também às convenções internacionais de Direitos Humanos, afinal, nos contextos de favelas e periferias, “asfixia” remete a decisões políticas, julgamentos morais e justiçamentos extra-legais. Mais que um nome de operação – “asfixia” configura-se ao mesmo tempo enquanto meta e resultado a ser atingido por agentes armados de estado no exercício de suas funções.

Segundo Houaiss[4], a palavra “asfixia” também pode ser definida por derivação (sentido figurado), da seguinte forma: “sujeição à tirania; opressão e/ou cobrança de posições morais ou sociais que dão origem à privação de certas liberdades”. Faz-se imprescindível ressaltar que, para moradoras e moradores das favelas cariocas, esse sentido figurado do termo constrói experiências cotidianas e determinantes para suas rotinas.

Fazer essa referência ao sentido figurado do termo não exclui, no entanto, a aplicação do uso denotativo da palavra asfixia e do verbo asfixiar em meio ao léxico - e ações - das políticas de segurança pública. A utilização não se encerra na nomeação de operações violentas, mas marca as próprias práticas de violações de direitos ao compor o repertório de ações utilizado por estes agentes de estado quando estão em contato de proximidade com moradoras de moradores de favelas. Um dos casos emblemáticos da asfixia colocada em prática pelos agentes da segurança pública foi o homicídio de Paulo Roberto Pinho de Menezes: no dia 17 de outubro de 2013, Paulo Roberto, jovem, negro, de 18 anos, foi espancado até a morte por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora de Manguinhos, onde morava[5]. Dois meses após os fatos, um laudo complementar do Instituto Médico Legal comprovou que a morte do jovem ocorreu por "asfixia mecânica" e cinco policiais envolvidos no crime foram indiciados por lesão corporal seguida de morte.

Assim, quando se pensa em asfixia nos contextos urbanos militarizados, deve-se considerar também as mortes causadas por "asfixia mecânica" enquanto prática que compõe o repertório de ações de agentes da segurança pública.

 

  1. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
  2. HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
  3. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
  4. HOUAISS, A. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
  5. BARROS, Rachel (2016). Urbanização e “pacificação” em Manguinhos. Um olhar etnográfico sobre sociabilidade e ações de governo. Tese de Doutorado –Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Estudos Sociais e Políticos, 2016.