Chacina de Campo Grande - 19 de agosto de 2008

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Integrantes da milícia - Grupo paramilitar que vende suposta segurança - teriam assassinado sete pessoas na noite de 19 de agosto de 2008, na Favela do Barbante, Zona Oeste do Rio.

Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI-UFF e Grupo CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.

História

Delegado afirma que milicianos teriam executado inocentes em favela

Segundo delegado Marcus Neves, grupo teria fingido fazer parte do tráfico. Para ele, assassinatos foram cometidos para que comunidade apoiasse milícia.

O delegado Marcus Neves, faz parte da 35ª DP (Campo Grande) e afirmou que integrantes de uma milícia - grupo paramilitar que vende suposta segurança - teriam assassinado sete pessoas na noite de terça-feira (19) na Favela do Barbante, na Zona Oeste do Rio. Segundo o delegado, os milicianos teriam se fingido de traficantes, agindo com capuzes e escrevendo siglas de uma facção criminosa nos muros da favela. Neves contou que os corpos foram encontrados durante a noite de 19 e 20 de agosto.

“Eles mataram com objetivo de desestabilizar o trabalho da polícia no combate à milícia. Eles dizem que esse trabalho estaria favorecendo a volta do tráfico de drogas, por isso mataram e culparam traficantes”, argumenta o delegado.

Ainda de acordo com o delegado, todos os suspeitos foram identificados. Eles estariam ligados à quadrilha que seria liderada pelo vereador Jerominho - que está preso sob acusação de chefiar a quadrilha da milícia que atua na Zona Oeste - e seu irmão, Natalino Guimarães, também preso. O policiamento no local foi reforçado tanto com equipes das polícias Civil e militar.

Natalino e Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, foram presos em Bangu 8. Os dois negam as acusações de que estariam à frente da milícia que atua na Zona Oeste do Rio. Natalino já afirmou estar sofrendo perseguição política. Já os advogados de Jerominho afirmam que não há provas contra ele.

Jerominho e seu irmão, Natalino Guimarães, são apontados como os fundadores da organização criminosa que originou a maior organização paramilitar no Rio. De acordo com o Ministério Público (MP), eles usavam o símbolo do super-herói Batman para marcar casas e estabelecimentos comerciais que pagavam pelos "serviços" dos milicianos. Quem se recusava a pagar sofria violência ou era assassinado. Relatórios também indicaram atuação da quadrilha em Campo Grande, Guaratiba, Paciência, Cosmos e Santa Cruz.

Na época em que foram presos, a milícia liderada por eles movimentava cerca de R$ 2 milhões por mês frutos da exploração do transporte alternativo, uma das principais formas de rentabilidade da milícia. O grupo surgiu entre 1995 e 1996, conhecidos como "Os Caras do Posto" por seus integrantes se concentrarem em um posto de gasolina Texaco na Rua Guarujá, próximo à estação de trens da Supervia no bairro de Cosmos, na Zona Oeste.

Na época, o grupo era liderado por Ricardo Teixeira Cruz e Aldemar Almeida dos Santos, conhecidos respectivamente como Batman e Robin.

Depoimentos

De acordo com os depoimentos, milicianos - que seriam ligados ao grupo do ex-PM Luciano Guinâncio Guimarães, filho do vereador Jerominho - costumam deixar corpos de inimigos no alto de um morro, em Cosmos. No local, as vítimas seriam queimadas.

As testemunhas contaram que o grupo chegou à Favela do Barbante na tarde da terça-feira passada, por volta das 17h30m, em um caminhão-baú, para retirar do local máquinas de caça-níqueis, com medo de uma invasão de traficantes. O caminhão teria sido abandonado no alto de um morro em Cosmos, próximo ao cemitério clandestino utilizado pelos milicianos. De posse das informações, policiais foram ontem à tarde ao local apontado pelas testemunhas, mas não encontraram nem o caminhão nem o cemitério clandestino da milícia.

Segundo as testemunhas, a chacina teria começado logo depois de o bando ter recolhido as máquinas caça-níqueis. Seis dos homens, todos policiais militares da ativa, estavam encapuzados e participaram da chacina. Segundo o delegado assistente da 35 DP, Eduardo Jorge Soares, todos os 18 integrantes do bando que matou inocentes na Favela do Barbante já foram identificados. Dos 18, seis são policiais militares da ativa, um é o ex-traficantes Sprinter e o outro o ex-PM Luciano Guinâncio Guimarães. A polícia já pediu à Justiça a prisão dos 18 acusados de participar da chacina.

A Favela do Barbante é dominada pela milícia que se autodenomina Liga da Justiça, que seria comandada pelo deputado Natalino Guimarães e seu irmão, o vereador Jerominho, que estão presos.

Crimes cometidos por milícias

Tiro no rosto identifica crimes cometidos por milícias

28/08/2008 - 12h12

Luciana Lima


Rio de Janeiro - Se os tiroteios se tornam mais raros nas áreas controladas pelas milícias, as mortes com características de execução aumentam. O crime cometido pela milícia é, geralmente, identificado com um tiro final no rosto. “Os corpos são colocados na rua, sempre no fim do dia, e o último tiro é sempre no rosto. O objetivo é desfigurar completamente a pessoa. Isso amplia o medo, que é um elemento muito importante para quem vende segurança e provoca terror. Essa é a lógica”, descreve o deputado Marcelo Freixo (P-SOL), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, instalada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O delegado Marcos Neves, da 35ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na área de Campo Grande, entregou à CPI um relatório contendo várias fotos de vítimas da milícia em seu bairro e, em todas elas, os corpos tinham o rosto desfigurado. Imortalizado no cinema nas últimas cenas filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, o tiro de fuzil no rosto esteve presente no relato de vários pesquisadores. O representante da Justiça Global Rafael Dias destaca que a prática é aplicada contra policiais do bairro que entram em choque com a milícia. “As práticas da milícia são muito violentas. Os casos de morte de policiais que entraram em choque com a polícia apresentaram um traço comum, o tiro no rosto para desfigurar. Não tem como sair da milícia. Se o policial entrou, não tem como sair. Se ele não entrou, tem que no mínimo fazer vista grossa ou colaborar. “A colaboração, de acordo com ele, significa inclusive, “limpar” a área para que a milícia chegue. “Existem relatos de lugares dominados pelo tráfico em que a polícia entrou primeiro, dominou, para depois a milícia chegar e se instalar”, conta. “Com a milícia, as trocas de tiros param, mas as mortes não. Moro no centro de Campo Grande, em uma área mais urbana, sem favelas, e com polícia na rua. Mesmo assim, tenho que pagar R$ 10 por mês por segurança. Todo dia R$ 10, uma mulher loura passa na minha rua recolhendo. Sei que ela é mulher de um policial militar”, relata uma moradora à Agência Brasil. Ela pediu para que seu nome não fosse divulgado temendo represálias. “Na vila onde moro existem cinco casas e todas pagam. Se a gente não paga, o carro aparece arrombado, ou então, ele simplesmente é levado, sua casa é assaltada. Eles [os milicianos] tocam o terror e vendem proteção”, conclui. Uma escola na Favela do Barbante, palco da execução de sete pessoas há cerca de dez dias, já havia suspendido as aulas, uma semana antes da chacina. “Os alunos começaram a ligar para a escola para dizer que não iriam para as aulas, porque não podiam sair de casa com medo de morrer. A diretora resolveu então fechar a escola para não prejudicar os alunos”, explica uma moradora. Os fatos fazem parte do cotidiano de moradores da área controlada pela maior milícia já identificada no Rio de Janeiro, a Liga da Justiça. A organização é apontada como responsável pelo ato “desesperado” – na avaliação do próprio secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame – de assassinar sete moradores da Favela do Barbante. O único propósito da milícia nesse crime foi o de se mostrar necessária, imprescindível no dia a dia das dos moradores da zona oeste, de acordo com as investigações da Polícia Civil. “A milícia impõe. Ela é baseada na lógica do terror. Há sempre em um processo de extorsão e de domínio de território pelo controle de atividades econômicas. Vendem a seguinte ideia: eu te protejo de mim mesmo. O eixo é a atividade econômica, a busca é de lucro. Esses grupos têm também perspectivas de poder. Quanto mais organizada e mais forte, maior a representatividade política”, analisa o deputado Marcelo Freixo. Dos executados na chacina na Favela do Barbante, nenhum tinha envolvimento com o crime. As investigações apontam que eles foram escolhidos como alvo da milícia liderada por uma família de políticos influentes na zona oeste do Rio de Janeiro. São chefes dessa família o vereador Jerominho Guimarães, que se encontra preso e seu irmão, Natalino Guimarães, que teve o mandato cassado há duas semanas e que também foi preso. A família luta para levar mais um de seus membros ao Legislativo do Rio de Janeiro. A filha de Jerominho, Carminha Guimarães concorre ao cargo de vereadora e garante que as acusações contra seu irmão, Luciano Guimarães, apontado como mandante da chacina, representam perseguição política do delegado de Campo Grande, Marcos Neves, Luciano Guimarães teria dado as ordens e participou das execuções, escolhendo aleatoriamente quem iria morrer. Além dele, que teve a prisão decretada, mas está foragido, o delegado aponta como integrantes do grupo de 17 pessoas que teriam matado os moradores da Favela do Barbante três policiais militares que estão na ativa, dois policiais civis e um bombeiro. “Esse atentado teve como objetivo primeiro criar a ideia na comunidade de que a presença de milicianos é imprescindível. Eles tentaram atribuir os crimes ao tráfico”, avalia o delegado.

FONTE: https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2008-08-28/tiro-no-rosto-identifica-crimes-cometidos-por-milicias

Notícias na mídia

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Referências

https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2008-08-28/tiro-no-rosto-identifica-crimes-cometidos-por-milicias

https://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL730725-5606,00.html

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