Chacina do Maracanã - 10 de outubro de 1998

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Cruzamento da Avenida Maracanã com Rua São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro - local do assassinato dos jovens

A Chacina do Maracanã ocorreu no dia 10 de outubro de 1998, quando, após uma discussão e uma perseguição de carro, na madrugada, quatro jovens foram assassinados por agentes das forças de segurança do Estado que atuavam como seguranças de um clube privado em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Foram 47 tiros disparados contra o carro de Willian, Ana Paula, Carlos André e Thalita. Apesar disso, não houve perícia dos disparos e nenhum dos suspeitos foi preso.

Autoria: Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI/UFF e CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Introdução

No dia 10 de outubro de 1998, por volta das 3h da madrugada, quatro jovens foram executados com 47 tiros, na região da Tijuca (Zona Norte do Rio de Janeiro, por volta das três horas da manhã. A história começa com um grupo de amigos – Willian, Ana Paula, Carlos André e Thalita – saindo para um clube em São Cristóvão – Casa de Show Malagueta (Instituto Carioca de Cultura). Ao fim da noite, retornando para casa, o grupo discute com os seguranças da casa de show e tem seu carro perseguido por eles, que disparam 47 tiros contra seu carro, no cruzamento da Avenida Maracanã com a Rua São Francisco Xavier. O caso ficou conhecido como Chacina do Maracanã e apesar da repercussão, os PMs indicados não foram presos e o caso sequer contou com perícia.

O caso foi submetido à 2ª Vara Criminal do Rio, onde foram indiciados os Policiais Militares Luis Claudio Carneiro, Guilherme Lobato Monteiro, Marcio Silva Viegas, Jorge Luiz Pereira Turques, o Policial Civil Carlos Alberto Rezende Pereira, o Soldado da Marinha Nelson Carvalho da Costa e o agente penitenciário Wilson Ribeiro Nunes Filho. É relatado que o andamento processual foi muito lento e com muitas falhas por parte do poder público.  Em 2009 o processo foi arquivado, após diversas movimentações da defesa dos acusados, bem como falecimento de dois réus do processo. Nenhum dos citados foi condenado. O episódio deu origem a um grupo chamado “As Mães do Rio”, fundado pela mãe de Willian, Euristéia Azevedo, que faleceu em 2009 após um infarto.

Nesse verbete, foram utilizados fragmentos do livro "Autos de resistência: relatos de familiares vítimas da violência armada", organizado por Barbara Musumeci, Tatiana Mouta e Carla Afonso, e publicado em 2009 pela Editora 7Letras, Rio de Janeiro. "Autos de Resistência" é resultado de uma das atividades do Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Chacinas, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes - RJ e pelo Núcleo de Estudos para a Paz (NEP) da Universidade de Coimbra.

Relatos extraídos do Livro "Autos de Resistência"

"Estavam num Santana e saíam do clube Malagueta, em São Cristóvão. Tão logo partiram começaram a ser perseguidos por dois outros carros, um com cinco pessoas e outro com seis. Em sua maioria, eram seguranças do clube. Segundo o registro de ocorrência, os carros tinham sirene no teto. Na altura da Rua Maracanã, esquina com a Rua São Francisco de Xavier, o Santana foi interceptado pelos veículos. Em questão de segundos, os jovens foram assassinados. Eles se chamavam Ana Paula Goulart (21 anos), Carlos André Batista da Silva (23 anos), Thalita Carvalho de Mello (16 anos) e William Keller Azevedo Marinheiro (24 anos). Ana Paula ainda conseguiu sair do carro e seguir em direção a um posto de gasolina, mas foi atingida com mais sete tiros na cabeça. Foi aberto Inquérito Policial (n° 009/99) na Delegacia de Homicídios. Um anexo nos autos do inquérito, com data de 30 de abril de 1999, traz a declaração de que “tudo leva a crer que realmente pessoas que estavam no Malagueta, mais precisamente ‘seguranças’ e ‘colaboradores’, foram os autores destes homicídios”. Também em anexo, um parecer emitido pelo 9° Batalhão de Polícia Militar em 10 de dezembro de 1999 informa que “há indícios de cometimento de crime praticado tanto por civis quanto por policiais militares”. Somente nove anos depois da chacina, em 10 de maio de 2007, o Ministério Público denunciou os dez suspeitos. Entretanto, o juiz da 2ª Vara Criminal indeferiu parcialmente o oferecimento da denúncia.

No último dia em que estive com o Carlos André, ele saiu para ir para a aula às seis e meia da manhã. Chegou por volta de uma da tarde e na porta de casa disse, brincando: “Cheguei, mamy”. Botei o almoço dele, ele descansou um pouco. Saí para me encontrar com meu marido em São Cristóvão. Ele ficou em casa. Por volta das oito da noite, ele se encontrou com a gente e ficamos tomando uma cerveja. Aí chegou o William, o amigo que morreu com ele. Falou: “André, vamos lá no Só Cana”. O Só Cana fica na Tijuca, é um lugar para tomar batidas. Ele me deu um beijo, me levantou no colo, parecia que era a última vez. Foi para o Só Cana e, mais tarde, se encontrou com os irmãos no clube Malagueta. Quando os irmãos voltaram para casa, lá pelas quatro da manhã, perguntei: “Cadê o André?”. Ele tinha ficado com a Thalita. Lá pelas seis da manhã, eu recebi a notícia da morte.

Feliz como uma criança, Carlos André resolveu comemorar o nascimento do sobrinho, que ia ser seu afilhado, reunindo parentes e amigos no clube Malagueta, em São Cristóvão. Na volta para casa, com a namorada e mais um casal de amigos, aconteceu o pior. Entre três e meia e quatro da manhã, os quatro jovens foram cruelmente assassinados, dentro do carro, com mais de 40 tiros. Até hoje estão impunes os assassinos. Onde está a Justiça deste país?  O Ministério Público recorreu da decisão e, em 17 de abril de 2008, o Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que a denúncia deveria ser recebida na íntegra. No dia 2 de outubro de 2008, finalmente as testemunhas foram ouvidas em juízo.

Carlos André é filho de Maria José Batista da Silva; Thalita é filha de Vilma Jurema Carvalho de Mello; e William é filho de Euristéa Sant’Anna de Azevedo. Carlos André era namorado de Thalita. Nascido no Rio de Janeiro, na clínica Dr. Aloan, em 24 de janeiro de 1975, Carlos André teve uma infância alegre, em São Cristóvão. Como todo bom carioca, adorava futebol, praia e carnaval. Conquistou amigos, com seu jeito extrovertido, meigo e cativante, e realizou alguns ideais. Ótimo filho, ótimo irmão, tio, sobrinho, amigo, não gostava de ficar sozinho. Ainda criança, treinava numa escolinha de futebol. Sonhava ser jogador, porém, sem condições para continuar treinando, esqueceu esse sonho. Fez vestibular para informática e este foi um novo sonho, uma perspectiva que criou para a sua vida."

Referências

SOARES, Barbara M.; MOURA, Tatiana; AFONSO, Carla (orgs.). Auto de resistência. Relatos de familiares de vítimas da violência armada. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.

Chacina do Maracanã no Rio de Janeiro - Blog Teratologia Criminal

Casos de violência no Rio de Janeiro - [htmlhttp://redecontraviolencia.org/Casos/1998/379.html Blog do Rede contra a Violência]