Complexo do Alemão e os movimentos coletivos locais: Para além das associações de moradores

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Autores: Lúcia Oliveira Cabral* , Mariza Nascimento** e Alan Brum Pinheiro .

Desde a década de 50/60 do século passado houve grande variedade de políticas públicas descentralizadas e não estruturantes no território. Na realidade eram melhorias muito restritas, pontuais: bicas d’água, pontos de luz e algumas manilhas. As primeiras iniciativas de urbanização surgem como auto-urbanização, como se denomina atualmente. Os moradores se reuniam nas associações, discutiam prioridades e definiam ações. O calçamento das ruas e a desobstrução das valas eram prioridades. Os moradores então se cotizavam e preparavam o mutirão e assim iam realizando as melhorias.

As décadas seguintes foram marcadas pelas articulações entre os candidatos políticos partidários que ‘ajudavam’ esses mutirões com materiais de construção visando o retorno eleitoral do próximo pleito. Na década de 80 esses mutirões se transformam numa política pública com obras um pouco mais estruturada com necessidades básicas como a construção de creches, pavimentação, água e esgoto, sendo que agora com a contratação de moradores para realizar as obras. Podemos perceber que os moradores sempre estiveram presentes na construção física e simbólica do Complexo do Alemão. O processo de urbanização e participação sempre andaram juntas apesar de não serem necessariamente atendidas as solicitações dos moradores nesses processos. A década de 90 e primeira metade dos anos 2000 o Complexo do Alemão foi visto externamente e sentido internamente o preconceito do território do mal. A criminalização da pobreza e do território se fizeram presentes a reboque dos conflitos entre policiais e traficantes. Com esse cenário interno articulado com o surgimento de ONGs externas com perspectivas de complementar a ação governamental e em alguns casos substituindo-os, são realizados projetos de inserção social. Destaca-se o programa de aumento de escolaridade (PAE) desenvolvido pela Secretaria Municipal de Trabalho e Renda e executado por ONGs externa ao território em parceria com as Associações de Moradores (Pedra do Sapo, Morro do Itararé e Grota). Nesse período surgem novas instituições sociais e movimentos coletivos na localidade, além das associações de moradores existentes. Em 1997 surge o VERDEJAR preocupado com as questões ambientais na Serra da Misericórdia, incluindo toda a parte ocupada do Complexo do Alemão e seus moradores. Em 1999 realiza o 1º Seminário Ecológico da Serra da Misericórdia organizado pelo movimento ambiental local e com a participação de diversos grupos da região no entorno da serra. Como resultado deste seminário esse movimento ambiental, definido a partir de então como Fórum da Serra da Misericórdia. teve sua primeira grande vitória, o decreto nº. 19.144 de novembro de 2000 que criou a APARU (Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana) da Serra da Misericórdia, pelo então prefeito Luis Paulo Conde. Em 2000 surge o CONSA - Conselho Comunitário de Saúde a partir da união das Associações de Moradores, Igrejas Evangélicas, Igrejas Católicas, Centros Espíritas, SOS Complexo do Alemão e outras organizações locais. Essa Luta do CONSA estava baseada numa concepção ampla de saúde preventiva para além dos aspectos biomédicos. Foi um foro de educação, trabalho e lazer também. A proposta era de criar um sistema de saúde articulada com os movimentos sociais locais considerando inclusive práticas de economia solidária contribuindo na composição de redes comunitárias de comercialização. No ano de 2001 a Verdejar em parceria com Bicuda Ecológica, Os Verdes, CEPEL (Centro de Estudos e Pesquisas da Leopoldina) e CONSA (Conselho Comunitário de Saúde do Complexo do Alemão) lançam a Carta Aberta da Serra da Misericórdia. A partir desta Carta junto aos participantes foi formado o Fórum da Serra da Misericórdia com o intuito de atender a articulação entre os 27 bairros que contornam a serra conforme a necessidade do decreto da APARU que consiste num conselho para a recuperação urbana. Em 2006 surge o CDLSM – Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia composto por diversos grupos dos Complexos do Alemão. Esse coletivo formado por instituições sociais e cidadãos consiste em propor um canal direto com as esferas governamentais (municipal, estadual e federal) para as discussões de políticas públicas, principalmente na área da saúde, serem implementadas no Complexo do Alemão e entorno, além de promover construção coletiva de ações sociais e intercâmbio entre os seus participantes. Durante todo esse período não há novas perspectivas de ações consistentes de políticas públicas no Complexo do Alemão, mas as instituições locais se propuseram a construir alternativas e a insistir no diálogo. As primeiras discussões sobre o PAC Favelas surgem em 2007 com a FAFERJ, Associações de moradores e o Governo do Estado. O CDLSM passa a acompanhar esse processo em seguida com a perspectiva de ampliar o leque de escuta na localidade. No início de 2008 o governo estadual apresenta uma proposta de intervenção urbanística e o processo de participação popular por meio do PTTS – Projeto Técnico do Trabalho Social. Pelo ponto de vista das instituições locais e seu histórico de luta para influenciar as políticas públicas essa proposta atendia substancialmente, ao menos na teoria. A prioridade defendida pela comunidade e consequentemente pelo CDLSM, sempre foi o saneamento básico universal com a consciência que este traduz qualidade de vida em diversas esferas. Toda a proposta construída de forma participativa de intervenção direta no projeto básico de obras não foi considerada e o acompanhamento das mesmas não foi realizado formalmente como havia sido previsto inicialmente. Com a limitação de influenciar, as instituições e cidadãos que acompanhavam o processo se distanciaram. A partir desse distanciamento o CDLSM - Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia volta a se tornar um polo de debates e propostas de exigibilidade de direitos de participação popular. Nesse período, em novembro de 2010, ocorre a ocupação militar dos Complexos do Alemão e da Penha. Fato que coloca o Complexo do Alemão em evidência. O poder público propõe diversas ações no território, novamente pontual e de emergência junto ao processo de ocupação. O CDLSM então divulga uma nota pública que norteia o posicionamento coletivo. Na madrugada de 11 de dezembro de 2013, uma intensa chuva caiu sobre a cidade do Rio de Janeiro, causando um maior impacto na zona norte. Muitos moradores recorriam à ativistas e instituições locais, informando sobre os riscos de suas moradias. A defesa civil demorava a atender aos chamados e durante 16 dias esse coletivo deu suporte material e emocional aos desabrigados. Assim surgiu o Coletivo de grupos, pessoas e instituições chamado: Juntos Pelo Complexo do Alemão. Esse coletivo passou a se apresentar sempre que ocorre uma agenda mais ampla no bairro. Em 2015 faz a campanha por uma Universidade pública na região com uma unidade do IFRJ, em 2016 na luta pela moradia das famílias removidas nos anos anteriores e em 2017 atua contra os abusos das forças policiais que ocuparam casas e lajes de moradores.

Palavras-chaves: coletivo social. complexo do alemão. políticas públicas. ação política. favela.

Referências:

CARTA DA SERRA DA MISERICÓRDIA. Rio de Janeiro, 2001.

CARVALHO, R. S. N. Desafios na implantação de uma área protegida imersa em meio urbano: o caso da Serra da Misericórdia. Monografia – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro, 2011.

COMITÊ DE DESENVOLVIMENTO LOCAL DA SERRA DA MISERICÓRDIA. Participação no pac das favelas. Disponível em: <http://comitedaserra.blogspot.com.br/2009/10/o-comite-e-sua-participacao-no-pac.html>. Acesso em: 10 jan. 2018.

OLIVEIRA, Bruno Coutinho De Souza. Políticas públicas e participação social no PAC das Favelas. In: RODRIGUES, Rute Imanishi. (Org). Vida Social e Política nas Favelas: pesquisa de campo no Complexo do Alemão. Rio de Janeiro: IPEA, 2016.