Conceição Ferreira da Silva: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Entrevista realizada em Dezembro de 2003, publicada pelo Núcleo de Educação e Comunicação Comunitária(NECC/FACHA).
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Era filha de dona Ana, tinha 15 irmãos, mas todas as mais novas já faleceram. Sua família tinha o hábito de se reunir aos domingos em sua casa, que era pequena, porém com um quintal muito espaçoso.
Era filha de dona Ana, tinha 15 irmãos, mas todas as mais novas já faleceram. Sua família tinha o hábito de se reunir aos domingos em sua casa, que era pequena, porém com um quintal muito espaçoso.


Chegando ao Leme, ficou admirada quando viu pela primeira vez o mar, “de ver tanta água”, e ficava observando as ondas “que, quando batiam aqui em cima do muro e atravessavam a rua. Era muito bom!” Ao chegar ao Chapéu Mangueira, deparou-se com muito mato e casas de sapê, que ainda eram feitas todas unidas, “tudo barraco junto, feito de zinco. A gente vivia todo mundo no meio do mato”, em caminhos estabelecidos por trilhas precárias.
Chegando ao Leme, ficou admirada quando viu pela primeira vez o mar, “de ver tanta água”, e ficava observando as ondas “que, quando batiam aqui em cima do muro e atravessavam a rua. Era muito bom!” Ao chegar ao [https://wikifavelas.com.br/index.php?title=Comunidade_chamada_Chapéu_Mangueira Chapéu Mangueira], deparou-se com muito mato e casas de sapê, que ainda eram feitas todas unidas, “tudo barraco junto, feito de zinco. A gente vivia todo mundo no meio do mato”, em caminhos estabelecidos por trilhas precárias.


Nessa época trabalhava em “casa de madames” como doméstica. Chegava em casa só às 10 e meia da noite em meio à escuridão e aproveitava as obras dos edifícios no bairro para pegar água e lenha para cozinhar. Buscava tudo que lhe era necessário na rua Princesa Isabel e admite que, mesmo com todas as dificuldades de antigamente, “ verdade é que, apesar de todo sacrifício, era melhor do que hoje”.
Nessa época trabalhava em “casa de madames” como doméstica. Chegava em casa só às 10 e meia da noite em meio à escuridão e aproveitava as obras dos edifícios no bairro para pegar água e lenha para cozinhar. Buscava tudo que lhe era necessário na rua Princesa Isabel e admite que, mesmo com todas as dificuldades de antigamente, “ verdade é que, apesar de todo sacrifício, era melhor do que hoje”.
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As festas na casa de sua mãe eram frequentes, principalmente no Carnaval. O pessoal todo se arrumava para desfilar nas escolas de samba: “a gente se arrumava, fazia as baianas todas para ir para a escola de samba, e a festa era tudo na casa da minha mãe”. Ela e os irmãos, todos fantasiados, iam muito à Ipanema brincar nessa época. Seus irmãos são fundadores do Aventureiros do Leme: um era baliza e outro colaborava na bateria, enquanto suas irmãs e ela saíam todas de baiana no bloco.
As festas na casa de sua mãe eram frequentes, principalmente no Carnaval. O pessoal todo se arrumava para desfilar nas escolas de samba: “a gente se arrumava, fazia as baianas todas para ir para a escola de samba, e a festa era tudo na casa da minha mãe”. Ela e os irmãos, todos fantasiados, iam muito à Ipanema brincar nessa época. Seus irmãos são fundadores do Aventureiros do Leme: um era baliza e outro colaborava na bateria, enquanto suas irmãs e ela saíam todas de baiana no bloco.


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Desde sua chegada ao morro até os dias de hoje, muitas pessoas que ajudaram na construção da comunidade já morreram. Existia muitos mineiros residindo no local no momento em que chegou, e restaram-lhe apenas algumas em sua memória, como a Elza, Beni e Aparecida, que, apesar de estarem doentes atualmente, são pessoas muito queridas dela.
Desde sua chegada ao morro até os dias de hoje, muitas pessoas que ajudaram na construção da comunidade já morreram. Existia muitos mineiros residindo no local no momento em que chegou, e restaram-lhe apenas algumas em sua memória, como a Elza, Beni e Aparecida, que, apesar de estarem doentes atualmente, são pessoas muito queridas dela.
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Eis o retrato de uma guerreira, de uma história de lutas e desafios, que nos deixou um pouco de sua memória. Esperamos que tenha realizado a sua vontade de reencontrar-se com seus familiares onde está agora. Dona Conceição faleceu no dia 3 de junho de 2004.
Eis o retrato de uma guerreira, de uma história de lutas e desafios, que nos deixou um pouco de sua memória. Esperamos que tenha realizado a sua vontade de reencontrar-se com seus familiares onde está agora. Dona Conceição faleceu no dia 3 de junho de 2004.


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Edição das 16h23min de 14 de julho de 2020

Autoria: Ana Cristina Arruda.

Entrevista realizada em Dezembro de 2003, publicada pelo Núcleo de Educação e Comunicação Comunitária(NECC/FACHA).

Dona Conceição (Acervo NECC).png

Dona Conceição

Dona Conceição, antes de vir para o Rio de Janeiro, morou em Minas Gerais, no Além Paraíba, onde trabalhou muito desde sua infância. “Quantas sacas de café já apanhei, meu Deus, lá em Minas? A gente trabalhava satisfeita. Depois, a gente fazia aqueles terrenos grandes pra despejar aqueles balaios de café. Eu ganhei muito dinheiro assim”.

Prestava serviços relacionados ao café e arroz para um fazendeiro, porém sua família possuía um terreno próprio para cultivar o que lhes fosse necessário. Quando menina, já capinava, plantava milho, arroz e feijão; “a gente só brincava dia de domingo, porque não trabalhava”.

Era filha de dona Ana, tinha 15 irmãos, mas todas as mais novas já faleceram. Sua família tinha o hábito de se reunir aos domingos em sua casa, que era pequena, porém com um quintal muito espaçoso.

Chegando ao Leme, ficou admirada quando viu pela primeira vez o mar, “de ver tanta água”, e ficava observando as ondas “que, quando batiam aqui em cima do muro e atravessavam a rua. Era muito bom!” Ao chegar ao Chapéu Mangueira, deparou-se com muito mato e casas de sapê, que ainda eram feitas todas unidas, “tudo barraco junto, feito de zinco. A gente vivia todo mundo no meio do mato”, em caminhos estabelecidos por trilhas precárias.

Nessa época trabalhava em “casa de madames” como doméstica. Chegava em casa só às 10 e meia da noite em meio à escuridão e aproveitava as obras dos edifícios no bairro para pegar água e lenha para cozinhar. Buscava tudo que lhe era necessário na rua Princesa Isabel e admite que, mesmo com todas as dificuldades de antigamente, “ verdade é que, apesar de todo sacrifício, era melhor do que hoje”.

Muitas pessoas que ela viu colaborando na formação da comunidade já morreram, mas não deixou de demonstrar sua admiração pela irmã, dona Marcela, que junto a dona Renée, uma francesa que trabalhava na igreja do Leme, se destacou no processo urbanístico e principalmente social do local.

Sua irmã ajudou muito na construção da creche que hoje tem seu nome em homenagem. Foi professora da escolinha que, atualmente, se encontra fechada. Antes das grandes construções, já lecionava em pequenos barracos; “alfabetizou muita gente no morro”. Foi fundamental sua participação na criação do posto de saúde. Ela e Dona Renée “não deixavam ninguém dentro de casa, botavam todo mundo para trabalhar”. As duas cuidavam e levavam remédios às pessoas, fizeram diversos partos, além de muitas outras contribuições no convívio do morro.

Conceição gostava muito, “gostava não, eu gosto ainda, estou viva!” de dançar e ir à gafieira, onde, com seus parceiros, se divertia ao som do bolero, tango, salsa e samba. Curtia bailes em Vila Isabel, Salgueiro, Lapa e adorava a gafieira na Rua da Santana, à qual ia com suas amigas da Barata Ribeiro, onde trabalhava e voltava quatro da manhã de ônibus ou nos bondes que as deixavam no canto do Leme. Dançava de tudo e sempre tinha um par a sua espera.

As festas na casa de sua mãe eram frequentes, principalmente no Carnaval. O pessoal todo se arrumava para desfilar nas escolas de samba: “a gente se arrumava, fazia as baianas todas para ir para a escola de samba, e a festa era tudo na casa da minha mãe”. Ela e os irmãos, todos fantasiados, iam muito à Ipanema brincar nessa época. Seus irmãos são fundadores do Aventureiros do Leme: um era baliza e outro colaborava na bateria, enquanto suas irmãs e ela saíam todas de baiana no bloco.

Ana e Conceição na gravação da entrevista (Acervo NECC).png

Desde sua chegada ao morro até os dias de hoje, muitas pessoas que ajudaram na construção da comunidade já morreram. Existia muitos mineiros residindo no local no momento em que chegou, e restaram-lhe apenas algumas em sua memória, como a Elza, Beni e Aparecida, que, apesar de estarem doentes atualmente, são pessoas muito queridas dela.

Gostava muito do Presidente Getúlio Vargas, que ajudou muito a comunidade há anos, principalmente nas vésperas do Natal, pois, quando os moradores iam ao palácio, voltavam com muitas roupas e comidas que lhes eram doadas. Sua irmã, dona Marcela, trabalhou como cozinheira para ele no Palácio da República e em sua casa; dona Conceição teve a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente e considerava-o uma pessoa muito boa.

Sempre foi uma mulher que gostava muito de trabalhar. Se tivesse condições, trabalharia até hoje. Sempre que trabalhava nas casas das senhoras, fazia de tudo, “adorava ficar trepada nas janelas nesses apartamentos aí”, mas agora não é mais possível devido à sua saúde.

Até o dia da entrevista, dona Conceição já estava há um ano mais ou menos sem sair da comunidade e nos contou sua crendice em Jesus, apesar de não se envolver. É espírita e uma das “rezadeiras” do morro, e expôs-nos sua fé em Nossa Senhora das Graças, que lhe agrada junto com Nossa Senhora da Conceição.

Eis o retrato de uma guerreira, de uma história de lutas e desafios, que nos deixou um pouco de sua memória. Esperamos que tenha realizado a sua vontade de reencontrar-se com seus familiares onde está agora. Dona Conceição faleceu no dia 3 de junho de 2004.