Dona Valquíria Maria de Jesus: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sem resumo de edição
(Dona Valquíria Maria de Jesus - Doadora de água doce no Pocinho - Rio de Janeiro - RJ)
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Dona Valquíria&nbsp; Valquiria Maria de Jesus&nbsp; [[tel:01/11/1960_-_2019|01/11/1960 - 2019]] &nbsp; &nbsp; Ainda menina, Valquíria fora criada no espaço rudimentar chamado de casa, sem asfalto, eletricidade e água potável&nbsp;&nbsp;em meio às vielas do Morro da Providência, no Rio de Janeiro- RJ. Crescida em uma das áreas de maior dificuldade em &nbsp;acessar na primeira favela brasileira, à Rua da Grota, presenciou muitas das negligências do Estado para com a população qual integrava. Na humilde casa onde residia com sua mãe, D. Vitória, &nbsp;aprendeu a cuidar de um bem natural, ali em seu pequeno quintal aberto. Fincado antes delas chegarem, forjado pela própria natureza, o poço natural que recebia água através das pedras do entorno, desde os anos 60.<br/> Por décadas, criou seus filhos ali, mãe solo como foi (Alexandre, Alex, Valdelice, Júlio, Vanessa, Alan&nbsp;e o pequeno Adriano). O beco estreito &nbsp;atravessava o sulco de uma pedreira na qual residiam dezenas de famílias, numa &nbsp;região de risco iminente. Valquíria criava seus filhos naquela região, sem água encanada, já nos anos 90/2000, atravessado por&nbsp; gambiarras elétricas nas quais algumas poucas lâmpadas iluminavam o caminho. Após D. Vitória deixar a casa para que a filha cuidasse de si e de seus filhos, Valquíria tornou-se a pessoa mais conhecida pelas crianças da região, que tinham muita vontade de mergulhar como numa piscina dentro do poço que aquela&nbsp;senhora tão bem cuidava. Ríspida, Valquíria dizia um “não” estridente, mas que orientava à todos de maneira tal que, mesmo em uma casa sem portão, só desconhecidos se atreveriam a mexer nas águas do lugar sem sua permissão.&nbsp;<br/> Ela era quem organizava as filas de crianças que iam buscar água a mando de suas mães para beber, cozinhar, tomar banho. A matriarca também orientava a fervura da água antes de sua utilização e foi uma das ensinadoras comunitárias que através do cotidiano emergente, ensina a transgredir a morte e viver. Organizada, sempre esteve atenta aos filhos e se debruçava com cuidados sobre os mesmos. No ano 1999 perde sua mãe, D. Vitória, grande referência na localidade. Em 2000, seu filho Adriano à época com quatro anos de idade é atingido por um deslizamento de terras, que nunca foram cuidadas pelo poder público e estavam no alto da pedreira sob a qual moravam. O pequeno não resiste aos ferimentos. Poucos anos depois, perde seu filho Júlio, vitimado por arma de fogo. Os anos se passaram e a tristeza modificou sua face. A dureza da vida encontrava uma brecha quando era preciso atender as crianças em mais um episódio de faltando água da região.&nbsp; Valquiria organizava à todos e se mostrou por vezes ser a maior ensinadora social qual se ouviu falar na região, dada sua habilidade em lidar com os carentes. Seus conselhos sobre ferver a água para fazer uso, foram as primeiras aulas de ciências que muitas das crianças puderam ter através da prática, da escola mundo. &nbsp; Valquiria Maria faleceu em 2019, aos 58 anos, vítima de um câncer. Sua casa fora vendida e seu poço cimentado. É com muita alegria e respeito à memória de quem oportunizou água, vida, que construímos este texto. &nbsp; Agradecimentos: Vanessa Silva - Filha Priscila Souza&nbsp;- Conhecida e amiga da Família.
Dona Valquíria&nbsp; Valquiria Maria de Jesus&nbsp; [[[tel:01/11/1960_-_2019|01/11/1960|- 2019]]] &nbsp; &nbsp; Ainda menina, Valquíria fora criada no espaço rudimentar chamado de casa, sem asfalto, eletricidade e água potável&nbsp;&nbsp;em meio às vielas do Morro da Providência, no Rio de Janeiro- RJ. Crescida em uma das áreas de maior dificuldade em &nbsp;acessar na primeira favela brasileira, à Rua da Grota, presenciou muitas das negligências do Estado para com a população qual integrava. Na humilde casa onde residia com sua mãe, D. Vitória, &nbsp;aprendeu a cuidar de um bem natural, ali em seu pequeno quintal aberto. Fincado antes delas chegarem, forjado pela própria natureza, o poço natural que recebia água através das pedras do entorno, desde os anos 60.<br/> Por décadas, criou seus filhos ali, mãe solo como foi (Alexandre, Alex, Valdelice, Júlio, Vanessa, Alan&nbsp;e o pequeno Adriano). O beco estreito &nbsp;atravessava o sulco de uma pedreira na qual residiam dezenas de famílias, numa &nbsp;região de risco iminente. Valquíria criava seus filhos naquela região, sem água encanada, já nos anos 90/2000, atravessado por&nbsp; gambiarras elétricas nas quais algumas poucas lâmpadas iluminavam o caminho. Após D. Vitória deixar a casa para que a filha cuidasse de si e de seus filhos, Valquíria tornou-se a pessoa mais conhecida pelas crianças da região, que tinham muita vontade de mergulhar como numa piscina dentro do poço que aquela&nbsp;senhora tão bem cuidava. Ríspida, Valquíria dizia um “não” estridente, mas que orientava à todos de maneira tal que, mesmo em uma casa sem portão, só desconhecidos se atreveriam a mexer nas águas do lugar sem sua permissão.&nbsp;<br/> Ela era quem organizava as filas de crianças que iam buscar água a mando de suas mães para beber, cozinhar, tomar banho. A matriarca também orientava a fervura da água antes de sua utilização e foi uma das ensinadoras comunitárias que através do cotidiano emergente, ensina a transgredir a morte e viver. Organizada, sempre esteve atenta aos filhos e se debruçava com cuidados sobre os mesmos. No ano 1999 perde sua mãe, D. Vitória, grande referência na localidade. Em 2000, seu filho Adriano à época com quatro anos de idade é atingido por um deslizamento de terras, que nunca foram cuidadas pelo poder público e estavam no alto da pedreira sob a qual moravam. O pequeno não resiste aos ferimentos. Poucos anos depois, perde seu filho Júlio, vitimado por arma de fogo. Os anos se passaram e a tristeza modificou sua face. A dureza da vida encontrava uma brecha quando era preciso atender as crianças em mais um episódio de faltando água da região.&nbsp; Valquiria organizava à todos e se mostrou por vezes ser a maior ensinadora social qual se ouviu falar na região, dada sua habilidade em lidar com os carentes. Seus conselhos sobre ferver a água para fazer uso, foram as primeiras aulas de ciências que muitas das crianças puderam ter através da prática, da escola mundo. &nbsp; Valquiria Maria faleceu em 2019, aos 58 anos, vítima de um câncer. Sua casa fora vendida e seu poço cimentado. É com muita alegria e respeito à memória de quem oportunizou água, vida, que construímos este texto. &nbsp; Agradecimentos: Vanessa Silva - Filha Priscila Souza&nbsp;- Conhecida e amiga da Família.

Edição das 23h22min de 15 de outubro de 2019

Dona Valquíria  Valquiria Maria de Jesus  [[2019]]     Ainda menina, Valquíria fora criada no espaço rudimentar chamado de casa, sem asfalto, eletricidade e água potável  em meio às vielas do Morro da Providência, no Rio de Janeiro- RJ. Crescida em uma das áreas de maior dificuldade em  acessar na primeira favela brasileira, à Rua da Grota, presenciou muitas das negligências do Estado para com a população qual integrava. Na humilde casa onde residia com sua mãe, D. Vitória,  aprendeu a cuidar de um bem natural, ali em seu pequeno quintal aberto. Fincado antes delas chegarem, forjado pela própria natureza, o poço natural que recebia água através das pedras do entorno, desde os anos 60.
Por décadas, criou seus filhos ali, mãe solo como foi (Alexandre, Alex, Valdelice, Júlio, Vanessa, Alan e o pequeno Adriano). O beco estreito  atravessava o sulco de uma pedreira na qual residiam dezenas de famílias, numa  região de risco iminente. Valquíria criava seus filhos naquela região, sem água encanada, já nos anos 90/2000, atravessado por  gambiarras elétricas nas quais algumas poucas lâmpadas iluminavam o caminho. Após D. Vitória deixar a casa para que a filha cuidasse de si e de seus filhos, Valquíria tornou-se a pessoa mais conhecida pelas crianças da região, que tinham muita vontade de mergulhar como numa piscina dentro do poço que aquela senhora tão bem cuidava. Ríspida, Valquíria dizia um “não” estridente, mas que orientava à todos de maneira tal que, mesmo em uma casa sem portão, só desconhecidos se atreveriam a mexer nas águas do lugar sem sua permissão. 
Ela era quem organizava as filas de crianças que iam buscar água a mando de suas mães para beber, cozinhar, tomar banho. A matriarca também orientava a fervura da água antes de sua utilização e foi uma das ensinadoras comunitárias que através do cotidiano emergente, ensina a transgredir a morte e viver. Organizada, sempre esteve atenta aos filhos e se debruçava com cuidados sobre os mesmos. No ano 1999 perde sua mãe, D. Vitória, grande referência na localidade. Em 2000, seu filho Adriano à época com quatro anos de idade é atingido por um deslizamento de terras, que nunca foram cuidadas pelo poder público e estavam no alto da pedreira sob a qual moravam. O pequeno não resiste aos ferimentos. Poucos anos depois, perde seu filho Júlio, vitimado por arma de fogo. Os anos se passaram e a tristeza modificou sua face. A dureza da vida encontrava uma brecha quando era preciso atender as crianças em mais um episódio de faltando água da região.  Valquiria organizava à todos e se mostrou por vezes ser a maior ensinadora social qual se ouviu falar na região, dada sua habilidade em lidar com os carentes. Seus conselhos sobre ferver a água para fazer uso, foram as primeiras aulas de ciências que muitas das crianças puderam ter através da prática, da escola mundo.   Valquiria Maria faleceu em 2019, aos 58 anos, vítima de um câncer. Sua casa fora vendida e seu poço cimentado. É com muita alegria e respeito à memória de quem oportunizou água, vida, que construímos este texto.   Agradecimentos: Vanessa Silva - Filha Priscila Souza - Conhecida e amiga da Família.