Dossiê de Segurança Pública (coletânea)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Dossiê publicado originalmente na Revista USP, n. 129 de 2021. Para acessar o Dossiê na íntegra, clique aqui.

Apresentação

Por Bruno Paes Manso (Núcleo de Estudos da Violência/USP) e Luis Felipe Zilli (Núcleo de Estudos em Segurança Pública (FJP). 

Quanto mais homicídios, mais frágil a democracia

A violência  letal,  intencional  e  armada  tem  sido  um dos grandes desafios políticos  para  as  instituições  democráticas  no  contexto  atual  do  Brasil  urbano.  Mais  do  que  meramente  um  problema  de  segurança  pública,  a  concentração  de  homicídios   em   alguns   territórios  metropolitanos  ajuda   a   localizar,   no   mapa  brasileiro,  a  ação  de  grupos  armados  e  o  domínio  que  exercem  sobre  bairros  ou  conjuntos  de  favelas,  submetendo  a  população  local  aos  seus  próprios  interesses.  Seja  pela  constante  ameaça  ou  mesmo  pelo  uso  concreto  da  violência,  tais  grupos  controlam  diversos  tipos  de  negócios  legais  e  ilegais  nesses  territórios,  garantindo  lucros  elevados  para  a  sustentação  e  expansão  de  suas  atividades,  corroendo  a  institucionalidade  democrática  em  nível  local  e  apelando  para  a flexibilização do monopólio legítimo da força  pelo  Estado.

Essas  disputas  violentas  pelo  poder  nos  territórios  possuem  características  em  comum  nos  diversos  estados  do  Brasil,  assim  como  especificidades locais. Os próprios grupos podem  ser  mais  ou  menos  estruturados,  com  ou  sem  comandos  ou  hierarquias;  podem  se financiar pela venda de drogas e outros tipos  de  atividades  criminosas,  bem  como  ter  maior  ou  menor  interface  com  negócios  legais;  podem  ter  participação  de  policiais  ou  funcionar  como  grupos  paramilitares,  bem  como  ter  maior  ou  menor  ligação  com  dinâmicas  próprias  do  sistema  penitenciário.  

Nos  territórios  onde  exercem  ou  disputam  o  poder  com  os  rivais,  porém,  o  resultado  é  parecido:  esses  grupos  acabam  impondo  o  silêncio  forçado  aos  moradores,  que  precisam  se  conformar  a  viver  rotinas  de  tiroteios  e  de  corpos  amanhecidos  nas  ruas,  como  se  seus  bairros  estivessem  fadados  a  seguir  sob  uma  sombra  eterna,  inalcançados  pelo  Estado  de  direito  e  pela  Justiça.

Quando  esses  grupos  são  mais  bem  estruturados,  como  ocorre  no  Rio  de  Janeiro,  tendem  a  funcionar  como  uma  espécie  de  governo  territorial  ilegal,  assumindo  o monopólio do  uso  da  força  em  seus  territórios  e  desenvolvendo  com  a  população  uma  relação  ao  mesmo  tempo  tirânica,  paternalista  e  clientelista. Na capital fluminense, nas centenas  de  bairros  controlados  pelas  facções  criminosas  –  Comando  Vermelho,  Terceiro  Comando  Puro,  Amigo  dos  Amigos  e  os  grupos  paramilitares  –  o  poder  político  tende  a  ser  medido  pela  quantidade  de  fuzis  que  tais  grupos  têm  para  se  defender.  A  rotina  da  cidade  e  do  estado  acaba  dependendo  das  estratégias  de  ação  desses  grupos,  com  cotidianos  de  tiroteio  ou  calmaria  dependendo  da  disputa  do  dia.

Nas  cidades  onde  esses  grupos  são  menos  estruturados,  a  situação  pode  ser  ainda  mais  dramática: as rivalidades e conflitos difusos passam a definir o cotidiano de determinados bairros.  A  disposição  para  matar  e  se  tornar  autoridade  soberana  no  território  provoca  reações  violentas,  incentivando  o  surgimento  de  grupos  rivais  prontos  a  se  antecipar  e  a  matar  antes  de  morrer,  travando  disputas  que  muitas  vezes  duram  anos  a  fio.  Essa tensão  incentiva  jovens  a  se  armar  e  a  se  aliar  a  colegas  para  se  defenderem,  alimentando  ciclos  incessantes  de  vinganças  que  multiplicam  as  pessoas  e  grupos  dispostos  a ingressar nos conflitos.

Em  diversas  ocasiões,  as  forças  policiais,  que  deveriam  agir  estrategicamente  para  identificar e impedir a ação dos candidatos a  tiranos  dos  territórios,  acabam  atuando  como  mais  um  grupo  a  usar  da  violência  na  disputa  pelo  poder  local.  Adotando  mentalidade  de  gangues,  agentes  públicos  jogam  gasolina  na  fogueira  ao  emularem  a  lógica  da  guerra  contra  o  crime,  contribuindo  ainda  mais  para  fragilizar  a  legitimidade  das  instituições  que  deveriam  representar.  Em  vez  do  fortalecimento  do  Estado  de  direito  nesses territórios, crescem  os  homicídios  interpessoais  no  Brasil  e  aumentam  as  mortes  promovidas  por  policiais  durante  o  trabalho.

Nesse  contexto,  o  elevado  número  de  homicídios  em  determinados  territórios  das  cidades  brasileiras  acaba  funcionando  como  um termômetro para identificar o grau de fragilidade  das  instituições  democráticas  em  nível  local,  sobretudo  em  sua  pretensão  de  garantir  direitos  aos  moradores.  Nos  locais  onde  o  Estado  é  incapaz  de  preservar  a  vida  e  outros  direitos  civis,  homens  armados  se  fortalecem  como  autoridades,  tendo  a  prerrogativa  do  uso  da  violência  –  até  mesmo  letal – para beneficiar seus interesses e negócios  de  grupo.

Esse  olhar  nacional  e  regional  sobre  o  problema  dos  homicídios  no  Brasil,  proposto  neste  número  da  Revista  USP,  busca  explicar,  qualitativamente,  como  esse  fenômeno  passou  a  se  espraiar  de  norte  a  sul  pelo  Brasil,  principalmente  depois  dos  anos  1980.  Este dossiê também tenta ajudar a refletir sobre  maneiras  de  reverter  esse  quadro  de  violência  e  o  processo  de  fragilização  do  monopólio  da  força  pelo  Estado.

Apesar  de  ter  alcançado  cidades  de  todas  as  regiões  do  país,  as  mortes  intencionais  praticadas  por  homens  armados  se  concentram  no  espaço  e  atingem  de  maneira  desproporcionalmente   alta   certos   grupos   sociais.  Um  levantamento  feito  em  2017,  por  exemplo,  mostrou  que  mais  da  metade  dos  homicídios  registrados  naquele  ano  no  Brasil  ocorreram  em  apenas  2%  dos  municípios  do  país.  Quando  a  lupa  se  fecha  sobre  essas  cidades,  a  concentração  volta  a  ocorrer  nos  bairros  mais  pobres  e  menos  urbanizados.  Fechando  ainda  mais  o  foco  sobre  os  bairros  violentos,  o  problema  se  volta  para  um grupo populacional específico: homens, negros,  com  menos  de  25  anos.  São  os  integrantes  desse  segmento  os  que  mais  matam  e  os  que  mais  morrem.

A  violência  e  a  ação  desses  grupos  diversos  cresceram  ao  longo  dos  anos,  impulsionadas  pelas  oportunidades  de  lucro  elevado  oferecidas  em  uma  ampla  carteira  de  negócios que mistura, de maneira fluida, atuação em  segmentos  legais  e  ilegais.  Podem  ser,  por  exemplo,  a  venda  varejista  de  drogas;  o  roubo  de  cargas  e  a  venda  dessas  mercadorias  para  supermercados;  o  controle  de  linhas  de  transporte  público  clandestino;  o  roubo  de  bancos  ou  carros;  a  grilagem  de  terras  e  a  construção  de  imóveis  em  áreas  ocupadas,  entre  outros.  

A  partir  dos  anos  2000,  grupos  paramilitares  e  policiais  passaram  a  disputar  esses  negócios   locais,   extorquindo   moradores,   comerciantes  e  estabelecendo  monopólios  sobre  uma  série  de  mercados,  obrigando  a  população  dessas  áreas  a  comprar,  dos  integrantes  das  quadrilhas,  serviços  e  produtos  de  péssima  qualidade,  a  preços  extorsivos.  Em um primeiro momento, a tolerância social com  a  violência  policial  criou  contextos  férteis  para  o  surgimento  e  fortalecimento  de  grupos  milicianos  no  Rio  de  Janeiro  –  a  licença  informal  para  matar  fez  com  que  os  agentes  públicos  enriquecessem  explorando  esta  mercadoria  política  em  seus  territórios  de  atuação.  Mais  recentemente,  as  milícias  se  tornaram  um  modelo  promissor  de  negócio,  seduzindo  policiais  que  integram  corporações  cada  vez  mais  violentas  e  sem  controle  em  outros  estados  do  Brasil.

Por  outro  lado,  em  territórios  historicamente  violentos,  mas  nos  quais  os  processos  de  estruturação  de  atividades  criminosas  ainda  não  atingiram  patamares  tão  organizados,  tende  a  se  consolidar  um  contexto  de  escolhas violentas para resolução de conflitos entre  moradores,  tornando  os  homicídios  um  acontecimento  cotidiano  e  naturalizado.  A  rotina  de  corpos  no  meio  da  rua,  tiroteios  frequentes, enterros aos finais de semana, amigos  mortos  etc.  passam  a  mensagem  de  que  aqueles  espaços  são  regidos  pela  lei  do  mais  forte,  onde  sobrevivem  os  jovens  com  mais  apetite  para  o  confronto  e  maior  quantidade  de  aliados.  Ter  aliados  fortes  para  se  sentir  menos  vulnerável  se  torna  um  caminho  sedutor.  Iniciadas  as  disputas,  contudo,  aquele que matou fica fadado a ser justiçado pelos  amigos  e  parentes  da  vítima,  promovendo  um  processo  autodestrutivo  em  que  os  homicidas  de  hoje  acabam  se  tornando  as  vítimas  de  amanhã.  Com  o  tempo,  as  dinâmicas  de  violência  que  se  estabelecem  nos  bairros  violentos  das  cidades  fazem  rodar  uma  engrenagem  das  vinganças  coletivas,  gerando  um  efeito  multiplicador  dos  assassinatos  e  transformando  os  homicídios  num  hábito  cada  vez  mais  banal  e  recorrente,  passível  de  ser  corriqueiramente  utilizado  na mediação de inúmeros conflitos.

Bairros   urbanos   tragados   por   esses   ciclos  de  violência  entre  jovens  se  tornam  os  famosos hotspots da  violência  (manchas  vermelhas  nos  mapas  criminais  das  cidades,  em  função  de  sua  elevada  concentração  de  assassinatos).  Por  meio  dessa  forma  de  visualização  do  problema,  é  possível  verificar,  dentro  do  território  de  uma  mesma  cidade,  a  existência  de  profundos  contrastes:  nos  territórios  de  hotspots,  homens  jovens  e  negros  passam  a  morrer  por  homicídios  a taxas  de  centenas  de  casos  para  cada  grupo  de  100  mil  habitantes;  já  em  outras  áreas  do  mesmo  município,  grupos  menos  vulneráveis  e  menos  visados  morrem  a  taxas  comparáveis  a  cidades  europeias,  em  países  pacificados  –  uma  ou  duas  mortes  para  cada  grupo  de  100  mil  habitantes.

A  forma  como  tais  dinâmicas  se  desenvolvem  em  cada  estado  brasileiro  depende  da  história  social,  econômica  e  política  desses  lugares:  o  processo  de  ocupação  dos  bairros,  como  os  moradores  se  articularam  politicamente  nos  territórios,  como  e  quando  ocorreu  a  ascensão  das  atividades  ilegais  e  informais,  a  forma  de  atuação  da  polícia  e  da  Justiça,  o  sistema  prisional,  entre  outras  especificidades. A própria história da transformação  dos  mercados  ilegais  e  criminais  tem  papel  relevante.  Nos  últimos  anos,  muitas  das  cenas  criminais  de  diversos  estados  brasileiros  tiveram  suas  histórias  cruzadas  pela  trajetória  das  gangues  criminais  forjadas  em  São  Paulo  e  no  Rio  de  Janeiro,  a  partir  do  momento  em  que  esses  grupos  se  nacionalizaram  e  passaram  a  distribuir  drogas  no  mercado  atacadista  e  a  fazer  alianças  prisionais  com  coletivos  locais.

O  caso  de  São  Paulo  é  emblemático nesse  sentido:  nos  anos  80  e  90,  o  estado  estava  consolidado  entre  os  mais  violentos  do  Brasil,  com  uma  trajetória  de  praticamente  quatro  décadas  seguidas  de  aumento  de  suas  taxas  de  homicídios,  decorrentes  de  conflitos  entre  grupos  armados  de  jovens  em  bairros  de  sua  periferia  –  principalmente  na  região  metropolitana.  Eram  pequenos  coletivos,  envolvidos  em  longos  processos  de  vingança  autodestrutivos  e  suicidas.

Em  1993,  o  surgimento  da  facção  criminosa  Primeiro  Comando  da  Capital  (PCC)  e  sua  rápida  disseminação  pelos  presídios  do  estado  fortaleceram  nas  periferias  paulistas  o  discurso  de  união  do  crime.  Com  o  tempo,  o  grupo  começou  a  funcionar  como  uma  agência  reguladora  do  mercado  criminal,  estabelecendo  protocolos  e  regras  que  ajudaram  a  profissionalizar uma extensa rede horizontal de  criminosos,  repactuando  o  convívio  entre  antigos  rivais,  num  tipo  de  mediação  que  beneficiou os participantes dessa carreira. As  rivalidades  entre  pequenos  grupos  e  as  vinganças  estavam  proibidas. 

A  mediação  e  as  novas  normas  definidas  pelo  PCC  para  os  integrantes  da  carreira  criminal  ajudaram  a  diminuir  os  custos  dos  conflitos,  aumentando  a  previsibilidade  e  os lucros do negócio para todos. O maior profissionalismo  permitiu  ao  PCC  acessar  os  canais  atacadistas  de  fornecimento  de  drogas  nas  fronteiras  com  a  América  do  Sul,  melhorando  a  distribuição  da  mercadoria  para  os  pontos  varejistas  espalhados  pelo  Brasil.  O  grupo  também  contribuiu para  acirrar  a  corrida  armamentista  nos  territórios  e  para  o  aumento  da  distribuição  de  armas  de  fogo  nesses  bairros. Como  resultado,  ao  longo  dos  últimos  20  anos,  ao  mesmo  tempo  em  que  a  cena  criminal  de  São  Paulo  aumentava  os  ganhos  financeiros de seus integrantes por meio da normatização dos mercados e controle da violência,  contribuía  também  para  transformar  o  estado  paulista  no  menos  violento  entre  as  27  unidades  federativas  do  Brasil.  Por  outro  lado,  enquanto  a  violência  caía  rapidamente  em  São  Paulo,  a  rivalidade  em  outros  mercados  de  drogas  brasileiros  se  acirrava. Com  mais  armas,  mais  mercadorias  e  a  disposição  para  assumir  as  vendas  varejistas  nos  territórios,  diversos  estados  –  principalmente  nas  regiões  Norte  e  Nordeste  do  Brasil  –  viram  suas  taxas  de  homicídio  crescer, com  pequenas  gangues  disputando,  de  forma  violenta,  o  poder  em  favelas  e  bairros  pobres  de  periferia  –  semelhante  ao  que  ocorria  em  São  Paulo  nas  décadas  de  80  e  90.  Esses  grupos,  assim  como  em  São  Paulo,  também  estavam  articulados  com  novas  gangues  surgidas  nos  presídios  de  diversos  estados.

Assim  como  ocorria  na  São  Paulo  de  antes  do  PCC,  essas  disputas  de  poder  entre  pequenos  grupos  promoveram  ciclos  de  vinganças  e  homicídios  como  um  instrumento  para resolução de conflitos. Como resultado, estados  que  nos  anos  80  e  90  eram  considerados  pouco  violentos,  como  Rio  Grande  do  Norte,  Ceará,  Bahia,  Sergipe,  viram,  em  poucos  anos,  suas  taxas  de  homicídio  aumentarem exponencialmente. O papel dos presídios  nessa  articulação  das  novas  gangues  estaduais  também  foi  decisivo.  A  nova  cena  criminal  e  prisional  foi  levada  ao  conhecimento  do  grande  público  em  2017,  quando  estouraram  três  rebeliões  no  Amazonas,  Rio  Grande  do  Norte  e  Roraima,  com  quase  200  mortes filmadas pelos próprios presos. Depois desses conflitos, o ano de 2017 se encerraria como  o  mais  violento  da  história  brasileira.

Como  reação  a  esse  novo  cenário,  as  polícias  estaduais,  pouco  preparadas  para  lidar com o desafio, também partiram para o  confronto  nos  territórios  pobres.  Como  se  disputassem  com  as  gangues  criminosas,  reproduziram  muitas  das  táticas  violentas  de  extermínio  usadas  pelas  próprias  quadrilhas,  acirrando  ainda  mais  os  contextos  de  violência. Os excessos praticados pela área de  segurança  pública  no  Brasil  podem  ser  constatados  nos  números  crescentes  de  homicídios  praticados  pelas  polícias  nos  estados.  Nos  últimos  três  anos,  as  forças  de  segurança  mataram, oficialmente, mais de 6 mil pessoas,  batendo  recordes  sucessivos.  A  polícia  paulista,  que  seguiu  com  elevadas  taxas  de  mortes  praticadas  por  policiais  em  serviço,  passou a figurar entre a metade menos violenta  das  corporações  policiais  do  Brasil,  o  que  mostra  que  o  crescimento  do  crime  e  da  violência  nos  outros  estados  foi  acompanhado  dos  velhos  erros  das  políticas  de  segurança  e  pelo  descontrole  pelos  governos  sobre  a  ação  de  suas  forças  armadas.

Nas  próximas  páginas,  esta  edição  sobre  segurança  pública  da  Revista  USP  pretende  detalhar  melhor  este  quadro  de  variação  das  taxas  de  homicídios  nas  cinco  regiões  brasileiras. O primeiro texto, de autoria de Maria Fernanda  Tourinho  Peres  (USP),  Mariana  Thorstensen   Possas   (UFBA),   Ana   Clara   Rebouças  de  Carvalho  (UFBA),  Fernanda  Lopes  Regina  (USP)  e  Maíne  Souza  (UFBA),  aborda  o  quadro  nacional  e  se  detém  na  comparação  da  cena  de  dois  estados  com  realidades distintas: São Paulo e Bahia. O artigo  mostra  como  o  Brasil,  desde  a  década  de 1980, verificou um crescimento constante de  suas  taxas  de  homicídios,  atingindo  o  pico  em  2017  e  vivendo  por  30  anos  um  estado  de  violência  letal  endêmica,  que  afeta  especialmente  a  juventude  negra  e  pobre,  sem  conseguir  produzir  uma  compreensão  minimamente  razoável  do  problema  e,  consequentemente,  uma  reação  política  à  altura.

No  texto  seguinte,  Anderson  Alexandre  Ferreira  e  Cleber  da  Silva  Lopes  (ambos  da  UEL)  analisam  os  processos  que  produzem  dinâmicas  homicidas  ascendentes  em  territórios  marcados  por  conflitos  entre  gangues,  em  um  território  periférico  do  município  de  Cambé,  Paraná,  ao  longo  de  15  anos  (1991 a 2006). O terceiro artigo, por sua vez,  de  autoria  de  Juliana  Melo  (UFRN)  e  Luiz  Fábio  S.  Paiva  (UFC),  descreve  como  a  consolidação  e  a  expansão  de  facções criminosas  em  dois  estados  do  Nordeste  (Ceará  e  Rio  Grande  do  Norte)  não  apenas  atualizaram  as  relações  criminais  dentro  e  fora  das  prisões,  mas  também  projetaram  efeitos  sobre  as  dinâmicas  criminais  em  territórios  de  suas  capitais.

O quarto artigo deste dossiê, de autoria de Aiala Colares de Oliveira Couto (UFPA), analisa  a  cartografia  dos  homicídios  em Belém  a  partir  da  sobreposição  de  dinâmicas  criminais  nos  territórios  envolvendo  narcotraficantes, milicianos e outras variadas formas de conflitos urbanos. No quinto texto,  Marco  Aurélio  Borges  Costa  (UFES)  e  Rafael  L.  S.  Rocha  (UFMG)  discutem  as  dinâmicas  da  letalidade  violenta,  sobretudo  entre  jovens,  nos  estados  do  Espírito  Santo  e  Minas  Gerais,  abordando  a  redução  das  mortes  violentas  intencionais  nos  dois  estados  na última década, bem como a influência, ainda  pontual,  das  facções  criminais  oriundas  do  Rio  de  Janeiro  e  São  Paulo,  com  maior  centralidade  nas  dinâmicas  locais  de  rivalidades violentas e conflitos armados, e o intenso  aumento  da  letalidade  policial  nos  territórios  mineiro  e  capixaba.

Para  fechar,  Giovanni  França  (UFMS)  analisa  o  envolvimento  de  jovens  com  a  criminalidade  no  estado  de  Mato  Grosso  do  Sul  (MS),  demonstrando  como  a  expansão do narcotráfico em todas as regiões do estado e os conflitos entre as duas principais  facções  criminosas  do  Brasil  pela  disputa  da  hegemonia  atacadista  de  drogas  e  armas  na  fronteira  incidiram  diretamente  no  recrutamento  de  jovens  e  no  número  de  encarceramentos  no  estado.

Os textos da coletânea

1) O efeito gangue sobre a dinâmica dos homicídios: um estudo sobre o caso de Cambé/PR - clique aqui para acessar!

4) Violências em territórios faccionados do Nordeste do Brasil: notas sobre as situações do Rio Grande do Norte e do Ceará - Clique aqui para acessar!

5) Necropolítica e racismo na construção da cartografia da violência nas periferias de Belém - Clique aqui para acessar! 

6) Entre altos e baixos: dinâmicas da violência letal no Espírito Santo e Minas Gerais entre os anos 2000 e 2020 - clique aqui para acessar!

7) Os jovens e a criminalidade em Mato Grosso do Sul - clique aqui para acessar!