Favela é cidade - a emergência imagética da cidade periférica: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
m (Gabriel moveu Favela é cidade para Favela é cidade: a emergência imagética da cidade periférica sem deixar um redirecionamento)
Sem resumo de edição
Linha 1: Linha 1:
“Morte afeta imagem da cidade”, dizem especialistas após o assassinato da turista espanhola, cometido pela polícia do Rio de Janeiro na favela da Rocinha (O Globo, 23/10/17).
 
Essa, sem dúvida, é uma expressão da radicalidade da cidade, quando sua diversidade e pluralidade explicitam sua potencialidade e fragilidade.
 
 
Na verdade, a existência da favela está na origem do projeto urbano que é sintoma do modelo de desigualdade que rege a sociedade.  
<meta charset="utf-8"></meta>
 
Pode-se dizer que ela surge, mais de cem anos, no Rio, no contexto da revolução industrial atrasada e da influência cultural ainda da escravidão, que marca a passagem do Brasil rural para o urbano, na formação do “exército industrial de reserva”, para os polos industriais, especialmente, dos maiores centros urbanos, sobretudo da Região Sudeste.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">A singularidade da cidade do Rio de Janeiro pode ser identificada com a imagem invertida do espelho (Rocha, 2012), que tem como identidade a sua diversidade.</font></font></font></font></span></span></span>
 
No caso do Rio, há a singularidade da imagem invertida do espelho, na medida em que entre Gávea e São Conrado está a Rocinha, para o Leblon tem o Vidigal, o Cantagalo para Ipanema, Cabritos e Guararapes para Copacabana, Babilônia e Chapéu Mangueira do Leme, Santa Marta para Botafogo e Borel, Formiga e Salgueiro no grande anel em torno da Tijuca.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Assim, Leblon tem Vidigal, Cantagalo tem Ipanema, Copacabana tem Cabritos e tem Guararapes, com a Babilônia e o “Chapéu”, enquanto Borel, Formiga e Salgueiro formam o anel da Tijuca</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">,</font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''e'''</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Gávea e São Conrado enquadram a Rocinha, que também expande seu território.</font></font></font></font></span></span></span>
 
Tal contexto sócio-histórico da economia e da política exige cuidado muito particular para cada palavra usada na disputa desse universo. Encabeçando alguns exemplos, pode-se falar de tolerância, segurança e poder paralelo, todas estas usadas na tradução do combate à violência. São conceitos usados, via de regra, na busca de se naturalizarem sistêmicas de dominação, sustentados pelos meios de comunicação de massa.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Situação modificada já nos anos setenta, com o fenômeno das remoções como nos mostram Pilar e Quack</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">em Remoção, documentário de 2105</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">, quando Catacumba e Praia do Pinto deixam forçadamente a Lagoa Rodrigo de Freitas para as “soluções” dos Conjuntos Habitacionais da Cidade de Deus, o Cesarão em Santa Cruz e outros.</font></font></font></font></span></span></span>
Assim, tolerância implica uma falsa concessão para desviar do foco que é a liberdade. Implica também a existência de pessoas ou instituições “superiores” que concedem, como se o processo de conquista da autonomia e da independência fosse inercial e não exigisse esforço e luta. Claro que, nessa direção, segurança se reduz cada vez mais à intervenção policial, limitada ao conflito urbano (que a mídia chama de “guerra”) contra o tráfico de drogas, equivocadamente chamado de poder paralelo, pois se trata de poder econômico, aliás a terceira economia do mundo.  
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">A proximidade favela/asfalto gera, sem dúvida, a intensidade da tensão da cidade, que desafia, sobretudo, o desempenho de seus papéis institucionais, que precisam cuidar da postura diante das diferenças e das desigualdades.</font></font></font></font></span></span></span>
Os tiroteios da cidade são, portanto, provocados pela disputa dessa força acampada no território da ilegalidade, onde está, aliás, o álibi de seu lucro, na agenda do proibido. Ou há outra razão armada?
 
Senão vejamos: quem é central na produção do maior espetáculo cênico do mundo, expresso no Sambódromo, e apenas comparável aos grandes estádios de futebol, onde a ginga do movimento afro incendeia a disputa em forma de drible e gerador do gol?!? Samba, religião e futebol atravessando a avenida, a rua e a praça e o espetáculo.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Diante disso evidenciam-se algumas posturas contraditórias: de um lado, o reconhecimento e o respeito da diferença. De outro, as manifestações e práticas, cada vez mais preconceituosas de racismo, homofobia, machismo, bem como a quebra da liberdade e autonomia no campo religioso, de gênero e na desqualificação da política. Portanto, torna-se necessário, isso sim, o rompimento com a normalidade da desigualdade.</font></font></font></font></span></span></span>
 
E a madrugada do amanhecer que coloca em cena a construção do funcionamento laboral e orgânico da cidade, desce de onde?
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Isso gera impasses que a mídia de massas chama de “guerra”. Qual o modelo de Estado e</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">de</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">regime econômico entra em cena?</font></font></font></font></span></span></span>
 
Sem falar do mutirão da solidariedade, expressão coletiva na busca de solução para a ausência sistêmica do Estado, sobretudo, em seu projeto neoliberal de ser “mínimo”, pois a vocação ampliada do Estado democrático está sendo golpeada.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">O alinhamento hegemônico hoje vai na direção da conformação do estado mínimo, que atribui ao mercado e ao poder econômico, portanto, o papel de consumo que privatiza o acesso da população às necessidades básicas de saúde, educação, moradia, transporte e cultura. Tem na privatização seu objetivo central. O que se contrapõe, naturalmente, ao modelo de estado ampliado, que prioriza o acesso da população, especialmente a empobrecida, às políticas públicas básicas citadas.</font></font></font></font></span></span></span>
 
E então, favela e periferia não são centro? Portanto, cidade que será também cidadania, democracia, quando acesso e direito forem comuns e públicos, da educação básica à saúde preventiva, bem como a cultura da moradia e do ir e vir.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">O processo democrático é intrinsecamente inconcluso, onde cada conquista chama novas. Quanto ao Estado, pode-se falar da “incompletude” (Silva, 2017), na medida em que não dá conta de suprir a necessidade da população empobrecida. Muitas vezes, comumente se diz, prioriza a repressão como forma de controle, e as políticas sociais sempre ficam incompletas, como no caso da implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).</font></font></font></font></span></span></span>
 
Se o poder das cidades está em grande parte nas favelas, que no Rio de Janeiro representam cerca de 1/3 da população, é urgente a análise dos fatores geradores da desigualdade social nesse tecido urbano. Em que pese o grande esforço da mídia de massas, embora a “guerra” estabelecida entre tráfico de drogas e polícia atinja mais diretamente os empobrecidos, presentes no território de embate, suas consequências, porém, se estendem e se expandem, como diz a manchete do início deste artigo acerca da morte da turista espanhola.
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">A cidade do Rio de Janeiro e o seu entorno padecem da fragilidade da gestão territorial que definem município, estado e união na mesma tendência de rompimento com as políticas públicas e conquistas, especialmente dos setores empobrecidos. Situe-se como um dos exemplos mais evidentes e gritantes o tratamento de desmonte que vem sendo dado à UERJ a ao HUPE, sem condições do seu exercício acadêmico pela falta de pagamento aos professores, funcionários e alunos bolsistas, bem como as verbas de pesquisa e de manutenção.</font></font></font></font></span></span></span>
Favela é cidade e é, sobretudo, um grande desafio para a Justiça, para a política e para a gestão pública.  
 
O território da ilegalidade permite a instalação da economia ilegal da venda de drogas. Portanto demanda consumo, vendas e conflitos,  que são um pacote do tecido urbano. Nesse sentido, a legalização das drogas, parte do contexto da legalidade da favela, na verdade, da cidade. Tais conflitos atingem, antes de tudo, os moradores.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Entre os papéis institucionais</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">,</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">vou me deter em um deles, realizado na PUC-Rio, mais especificamente, no projeto Comunicar,</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">do</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Núcleo de Comunicação Comunitária.</font></font></font></font></span></span></span>
 
Dos seis milhões e quatrocentos mil habitantes do Rio de Janeiro, cerca de dois milhões estão nas favelas aguardando a legalidade que lhes garanta o mesmo acesso da cidade.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Trata-se de um curso que se realiza nos últimos sete anos, e que coincide com a criação das UPPs</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''':'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Cinema, Criação e Pensamento, dirigido, especialmente</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''','''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">para moradores das favelas. Iniciado com professores do Curso de Cinema da Universidade, já há hoje a incorporação de ex-aluno como professor, como é o caso de Itamar Silva, morador do Morro Santa Marta</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''','''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">e que participou ativamente da primeira edição do curso.</font></font></font></font></span></span></span>
 
Esse é o debate técnico-jurídico e político em torno da margem da urbanidade.  
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Que cidade é essa que o</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''c'''</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">inema e os meios de comunicação vão mostrar? A contribuição a partir de cineastas, produtores, pensadores, no lugar da radicalidade chamada</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt"></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''favela''</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<br/> &nbsp;
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''O caminho da Comunicação Comunitária'''</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Tal núcleo ou projeto nasce em função das perguntas e questões que a favela e a periferia traziam para a Universidade, ou que possibilitava a universalização dos encontros com a pesquisa e com a diversidade dos saberes, que, por sua vez, passam longe das m</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">í</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">dias ditas de massa.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Assim, o projeto Comunicar e seu núcleo de comunicação comunitária vão assessorando e</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">co-criando</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">formas de informação</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">e comunicação</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">que expressam o “local” em sua múltipla significação. Isto é, o resultado intenso e tenso das contradições econômicas, políticas e culturais do universo urbano, no “campus” representado, invertendo papéis de objetos submissos de produção de conhecimento e de mercado, para sujeitos que conquistam sua autonomia e independência. Aproxima-se do que Agamben afirma da Cidade de Deus e seus anticristos. Toda cidade é de Deus, inversão simbólica de sua afirmação e significação.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">As 2 ½ décadas recentes se caracterizam pelo fenômeno do acesso de setores das favelas e das periferias às universidades. Destacam-se no Rio de Janeiro duas importantes experiências: a política de cotas da UERJ, que recebe 49,5% de seus alunos das escolas públicas; a prática da PUC-Rio com o estabelecimento de convênios com os pré-vestibulares comunitários, da Baixada inicialmente, mas que rapidamente se espalhou para todo o Brasil. Isso vai inspirar a criação de outra política pública – o Prouni, para o acesso às universidades particulares. Isso tem mudado a cara das</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">u</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">niversidades, com a tez muito mais parecida com a</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">da</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">cidade e com o país. O que muda significativamente o modo acadêmico e intelectual de ver e de atuar. Agora se pode falar da cidade desde ela mesma a partir de diferentes protagonistas.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Dito isto, é possível explicitar o que está em curso no projeto Cinema, Criação e Pensamento, dirigido especialmente aos moradores de favela.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Qual é a imagem de cidade que as telas devem revelar. A partir do Santa Marta, do Chapéu Mangueira e da Babilônia e ainda da Rocinha, da Cidade de Deus e do Vidigal, acosteando-se também no Alemão e suas favelas, bem como as da Maré. Uma série de documentários, ficções e espaços de produção vão sendo criados e fortalecidos</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">,</font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">potencializando a cidade nas fraldas do seu infinito.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Pode-se dizer que, da mesma forma que as manifestações de 2013 no Brasil espelharam, entre outras novidades, o confronto dos noticiários das mídias de massa e seus métodos</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''-'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">grande parte das vezes, posicionados politicamente com o disfarce da neutralidade e da independência</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''-'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">, com a atuação da chamada "mídia ninja", que de dentro de cada movimento do evento, evidenciava, através de celulares e de pequenas câmeras, outra versão dos acontecimentos.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Assim, os próprios negros e empobrecidos, tendo à mão o poder ou a disposição da direção, do roteiro, da fotografia, enfim,</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">poderão</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">aproximar a imagem e sua leitura, cada vez mais, da realidade, cujo caos e contradição evidenciam a situação da cidade e da sociedade.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Poder-se-ia propor como exercício acadêmico a análise do que está em curso nas favelas e periferias, em termos de suas rotinas, cultura, sistema de trocas etc. Possivelmente haveria uma ‘disputa de imagens’ a partir desses resultados que, certamente confrontariam os discursos das mídias de massa.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<br/> &nbsp;
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''Os ecos da liberdade e da escravidão'''</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Alguns sintomas podem ser verificados, a olho nu, do efeito de políticas públicas existentes em favelas e em expressões marginais da cidade, particularmente com a presença do Programa Cultura Viva ou os Pontos de Cultura, criado pelo Ministério da Cultura</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''','''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">em 2005, no governo Lula, com Gilberto Gil, e posteriormente, com algumas parcerias locais, tanto</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">em âmbito estadual como municipal, como se deu na capital do Rio, por exemplo.</font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Inicialmente, como assessor do Ministro Gil, pude participar da criação do Programa e, posteriormente, como chefe da Representação do MinC, no Rio e no Espírito Santo, cuidei da efetivação dos convênios, na consolidação da gestão territorial.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Partindo do pressuposto de que quem faz cultura é a população, em sua expressão diversa, plural, étnica, religiosa, política, de classe e em todo ar, o papel do</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">e</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">stado e dos governos, portanto, é o de proporcionar e garantir as possibilidades de acesso aos que têm direito e à potencialidade emergente</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">das sociedades urbanas, mas</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">também do campo ou da 'roça'.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Nessa condição</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''','''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">pude acompanhar a evolução e a mudança que o acesso possibilita. Apenas citando alguns exemplos, o bloco</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">carnavalesco</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">do “Loucura Suburbana”, que se organiza a partir do Hospital Nise da Silveira, que trabalha a experiência da ‘loucura fora dos muros dos manicômios’, mostrou uma diferença considerável, por exemplo, na qualidade das letras dos sambas concorrentes aos desfiles do bloco pelas ruas do Engenho de Dentro. Diferença notada pelos componentes do júri nas escolhas dos sambas do “Loucura”, do qual faço parte, desde bem antes da transformação em Ponto de Cultura</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">; assim</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">como Noca da Portela</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''';'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Luis Carlos Magalhães (atual presidente da Portela)</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''';'''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Marisa, filha de Zé Kétti e outros/as que acompanhamos a eficácia das</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">o</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">ficinas que os Pontos proporcionaram.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Pode-se dizer o mesmo dos Pontos ligados ao</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">'''j'''</font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">ongo</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">, da Serrinha aos demais, cujas exigências de qualificação levaram à criação do Pontão de Cultura, parceria do Centro de Estudos Sociais da UFF com o IPHAN.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Também as Folias de Reis adquirem novo ar de existência e criação</font></font></font></font><font color="#c0504d"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">''','''</font></font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">como diria Deleuze</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">. As Folias</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">, de fato, são</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">p</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">ontos seculares de</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">c</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">ultura e que, na maioria das vezes, não sobrevive à concorrência urbana, do trabalho e do consumo de cultura descartável, vendidos pela lógica do espetáculo.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">A existência dos Pontos de Cultura como política pública vocacionada para o fortalecimento da diversidade cultural, que identifica favelas e periferias, chega também à zona rural e se inclui na perspectiva da redistribuição de renda e de equipamentos. Sua realização só se torna possível, como dito anteriormente, dentro de um no modelo de estado ampliado. Pode se dizer que a criação e a produção na área de cultura interferem na perspectiva política e cidadã dos processos de natureza democrática.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Saliente-se aqui que a experiência inédita na formação acadêmica do audiovisual para moradores de favela, descrita antes, torna-se também um Ponto de Cultura, exatamente em homenagem a um dos 'padrinhos originários' e inspirador desse projeto, o já saudoso cineasta e mestre documentarista Eduardo Coutinho.</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Coutinho</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">participou de longa conversa com os componentes de Cinema, Criação e Pensamento poucos dias antes de sua trágica morte.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">O debate em torno do acesso e da autonomia e independência da palavra e da imagem reviram a significação da cidade. Assim</font></font></font></font><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">,</font></font></font><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">a potência e a fragilidade da cidade estão em todo seu território.</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:150%"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Portanto, o cuidado com essa interação palavra/imagem é estratégia política nesse tempo de destruição arquitetada pela naturalização das formas de dominação com apoio e projeto das mídias de massa.</font></font></font></font></span>
 
<br/> '''Bibliografia'''
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">experiência e origem da história. Belo Horizonte:</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Ed UFMG, 2005.</font></font></font></font></span></span></span>
 
&nbsp;
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">CARVALHO, Cynthia Paes de (Org.). Favelas e Organizações</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Comunitárias. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994.</font></font></font></font></span></span></span>
 
&nbsp;
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt"><span style="letter-spacing:-0.2pt">DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora Escuta, 2002.</span></font></font></font></font></span></span></span>
 
&nbsp;
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">ROCHA, Adair. Cidade cerzida: a costura da cidadania no Morro</font></font></font></font></span></span></span>
 
<span style="line-height:100%"><span style="widows:0"><span style="orphans:0"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Santa Marta. Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio, Pallas, 2012.</font></font></font></font></span></span></span>
 
&nbsp;
 
<span style="line-height:100%"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">SILVA, Jailson de Souza e; BARBOSA, Jorge Luiz; FAUSTINI,</font></font></font></font></span>
 
<span style="line-height:100%"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Marcus Vinicius. O novo carioca. Rio de Janeiro: Mórula</font></font></font></font></span>
 
<span style="line-height:100%"><font color="#1a1a1a"><font face="Courier New, serif"><font size="2"><font style="font-size: 11pt">Editora, 2012.</font></font></font></font></span>


Autor: Adair Rocha.
Autor: Adair Rocha.

Edição das 18h38min de 12 de maio de 2019

 

<meta charset="utf-8"></meta>

A singularidade da cidade do Rio de Janeiro pode ser identificada com a imagem invertida do espelho (Rocha, 2012), que tem como identidade a sua diversidade.

Assim, Leblon tem Vidigal, Cantagalo tem Ipanema, Copacabana tem Cabritos e tem Guararapes, com a Babilônia e o “Chapéu”, enquanto Borel, Formiga e Salgueiro formam o anel da Tijuca,eGávea e São Conrado enquadram a Rocinha, que também expande seu território.

Situação modificada já nos anos setenta, com o fenômeno das remoções como nos mostram Pilar e Quackem Remoção, documentário de 2105, quando Catacumba e Praia do Pinto deixam forçadamente a Lagoa Rodrigo de Freitas para as “soluções” dos Conjuntos Habitacionais da Cidade de Deus, o Cesarão em Santa Cruz e outros.

A proximidade favela/asfalto gera, sem dúvida, a intensidade da tensão da cidade, que desafia, sobretudo, o desempenho de seus papéis institucionais, que precisam cuidar da postura diante das diferenças e das desigualdades.

Diante disso evidenciam-se algumas posturas contraditórias: de um lado, o reconhecimento e o respeito da diferença. De outro, as manifestações e práticas, cada vez mais preconceituosas de racismo, homofobia, machismo, bem como a quebra da liberdade e autonomia no campo religioso, de gênero e na desqualificação da política. Portanto, torna-se necessário, isso sim, o rompimento com a normalidade da desigualdade.

Isso gera impasses que a mídia de massas chama de “guerra”. Qual o modelo de Estado ederegime econômico entra em cena?

O alinhamento hegemônico hoje vai na direção da conformação do estado mínimo, que atribui ao mercado e ao poder econômico, portanto, o papel de consumo que privatiza o acesso da população às necessidades básicas de saúde, educação, moradia, transporte e cultura. Tem na privatização seu objetivo central. O que se contrapõe, naturalmente, ao modelo de estado ampliado, que prioriza o acesso da população, especialmente a empobrecida, às políticas públicas básicas citadas.

O processo democrático é intrinsecamente inconcluso, onde cada conquista chama novas. Quanto ao Estado, pode-se falar da “incompletude” (Silva, 2017), na medida em que não dá conta de suprir a necessidade da população empobrecida. Muitas vezes, comumente se diz, prioriza a repressão como forma de controle, e as políticas sociais sempre ficam incompletas, como no caso da implantação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

A cidade do Rio de Janeiro e o seu entorno padecem da fragilidade da gestão territorial que definem município, estado e união na mesma tendência de rompimento com as políticas públicas e conquistas, especialmente dos setores empobrecidos. Situe-se como um dos exemplos mais evidentes e gritantes o tratamento de desmonte que vem sendo dado à UERJ a ao HUPE, sem condições do seu exercício acadêmico pela falta de pagamento aos professores, funcionários e alunos bolsistas, bem como as verbas de pesquisa e de manutenção.

Entre os papéis institucionais,vou me deter em um deles, realizado na PUC-Rio, mais especificamente, no projeto Comunicar,doNúcleo de Comunicação Comunitária.

Trata-se de um curso que se realiza nos últimos sete anos, e que coincide com a criação das UPPs:Cinema, Criação e Pensamento, dirigido, especialmente,para moradores das favelas. Iniciado com professores do Curso de Cinema da Universidade, já há hoje a incorporação de ex-aluno como professor, como é o caso de Itamar Silva, morador do Morro Santa Marta,e que participou ativamente da primeira edição do curso.

Que cidade é essa que ocinema e os meios de comunicação vão mostrar? A contribuição a partir de cineastas, produtores, pensadores, no lugar da radicalidade chamadafavela.


 

O caminho da Comunicação Comunitária

Tal núcleo ou projeto nasce em função das perguntas e questões que a favela e a periferia traziam para a Universidade, ou que possibilitava a universalização dos encontros com a pesquisa e com a diversidade dos saberes, que, por sua vez, passam longe das mídias ditas de massa.

Assim, o projeto Comunicar e seu núcleo de comunicação comunitária vão assessorando eco-criandoformas de informaçãoe comunicaçãoque expressam o “local” em sua múltipla significação. Isto é, o resultado intenso e tenso das contradições econômicas, políticas e culturais do universo urbano, no “campus” representado, invertendo papéis de objetos submissos de produção de conhecimento e de mercado, para sujeitos que conquistam sua autonomia e independência. Aproxima-se do que Agamben afirma da Cidade de Deus e seus anticristos. Toda cidade é de Deus, inversão simbólica de sua afirmação e significação.

As 2 ½ décadas recentes se caracterizam pelo fenômeno do acesso de setores das favelas e das periferias às universidades. Destacam-se no Rio de Janeiro duas importantes experiências: a política de cotas da UERJ, que recebe 49,5% de seus alunos das escolas públicas; a prática da PUC-Rio com o estabelecimento de convênios com os pré-vestibulares comunitários, da Baixada inicialmente, mas que rapidamente se espalhou para todo o Brasil. Isso vai inspirar a criação de outra política pública – o Prouni, para o acesso às universidades particulares. Isso tem mudado a cara dasuniversidades, com a tez muito mais parecida com adacidade e com o país. O que muda significativamente o modo acadêmico e intelectual de ver e de atuar. Agora se pode falar da cidade desde ela mesma a partir de diferentes protagonistas.

Dito isto, é possível explicitar o que está em curso no projeto Cinema, Criação e Pensamento, dirigido especialmente aos moradores de favela.

Qual é a imagem de cidade que as telas devem revelar. A partir do Santa Marta, do Chapéu Mangueira e da Babilônia e ainda da Rocinha, da Cidade de Deus e do Vidigal, acosteando-se também no Alemão e suas favelas, bem como as da Maré. Uma série de documentários, ficções e espaços de produção vão sendo criados e fortalecidos,potencializando a cidade nas fraldas do seu infinito.

Pode-se dizer que, da mesma forma que as manifestações de 2013 no Brasil espelharam, entre outras novidades, o confronto dos noticiários das mídias de massa e seus métodos-grande parte das vezes, posicionados politicamente com o disfarce da neutralidade e da independência-, com a atuação da chamada "mídia ninja", que de dentro de cada movimento do evento, evidenciava, através de celulares e de pequenas câmeras, outra versão dos acontecimentos.

Assim, os próprios negros e empobrecidos, tendo à mão o poder ou a disposição da direção, do roteiro, da fotografia, enfim,poderãoaproximar a imagem e sua leitura, cada vez mais, da realidade, cujo caos e contradição evidenciam a situação da cidade e da sociedade.

Poder-se-ia propor como exercício acadêmico a análise do que está em curso nas favelas e periferias, em termos de suas rotinas, cultura, sistema de trocas etc. Possivelmente haveria uma ‘disputa de imagens’ a partir desses resultados que, certamente confrontariam os discursos das mídias de massa.


 

Os ecos da liberdade e da escravidão

Alguns sintomas podem ser verificados, a olho nu, do efeito de políticas públicas existentes em favelas e em expressões marginais da cidade, particularmente com a presença do Programa Cultura Viva ou os Pontos de Cultura, criado pelo Ministério da Cultura,em 2005, no governo Lula, com Gilberto Gil, e posteriormente, com algumas parcerias locais, tantoem âmbito estadual como municipal, como se deu na capital do Rio, por exemplo.

Inicialmente, como assessor do Ministro Gil, pude participar da criação do Programa e, posteriormente, como chefe da Representação do MinC, no Rio e no Espírito Santo, cuidei da efetivação dos convênios, na consolidação da gestão territorial.

Partindo do pressuposto de que quem faz cultura é a população, em sua expressão diversa, plural, étnica, religiosa, política, de classe e em todo ar, o papel doestado e dos governos, portanto, é o de proporcionar e garantir as possibilidades de acesso aos que têm direito e à potencialidade emergentedas sociedades urbanas, mastambém do campo ou da 'roça'.

Nessa condição,pude acompanhar a evolução e a mudança que o acesso possibilita. Apenas citando alguns exemplos, o blococarnavalescodo “Loucura Suburbana”, que se organiza a partir do Hospital Nise da Silveira, que trabalha a experiência da ‘loucura fora dos muros dos manicômios’, mostrou uma diferença considerável, por exemplo, na qualidade das letras dos sambas concorrentes aos desfiles do bloco pelas ruas do Engenho de Dentro. Diferença notada pelos componentes do júri nas escolhas dos sambas do “Loucura”, do qual faço parte, desde bem antes da transformação em Ponto de Cultura; assimcomo Noca da Portela;Luis Carlos Magalhães (atual presidente da Portela);Marisa, filha de Zé Kétti e outros/as que acompanhamos a eficácia dasoficinas que os Pontos proporcionaram.

Pode-se dizer o mesmo dos Pontos ligados aojongo, da Serrinha aos demais, cujas exigências de qualificação levaram à criação do Pontão de Cultura, parceria do Centro de Estudos Sociais da UFF com o IPHAN.

Também as Folias de Reis adquirem novo ar de existência e criação,como diria Deleuze. As Folias, de fato, sãopontos seculares decultura e que, na maioria das vezes, não sobrevive à concorrência urbana, do trabalho e do consumo de cultura descartável, vendidos pela lógica do espetáculo.

A existência dos Pontos de Cultura como política pública vocacionada para o fortalecimento da diversidade cultural, que identifica favelas e periferias, chega também à zona rural e se inclui na perspectiva da redistribuição de renda e de equipamentos. Sua realização só se torna possível, como dito anteriormente, dentro de um no modelo de estado ampliado. Pode se dizer que a criação e a produção na área de cultura interferem na perspectiva política e cidadã dos processos de natureza democrática.

Saliente-se aqui que a experiência inédita na formação acadêmica do audiovisual para moradores de favela, descrita antes, torna-se também um Ponto de Cultura, exatamente em homenagem a um dos 'padrinhos originários' e inspirador desse projeto, o já saudoso cineasta e mestre documentarista Eduardo Coutinho.Coutinhoparticipou de longa conversa com os componentes de Cinema, Criação e Pensamento poucos dias antes de sua trágica morte.

O debate em torno do acesso e da autonomia e independência da palavra e da imagem reviram a significação da cidade. Assim,a potência e a fragilidade da cidade estão em todo seu território.

Portanto, o cuidado com essa interação palavra/imagem é estratégia política nesse tempo de destruição arquitetada pela naturalização das formas de dominação com apoio e projeto das mídias de massa.


Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da

experiência e origem da história. Belo Horizonte:

Ed UFMG, 2005.

 

CARVALHO, Cynthia Paes de (Org.). Favelas e Organizações

Comunitárias. Petrópolis: Ed. Vozes, 1994.

 

DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora Escuta, 2002.

 

ROCHA, Adair. Cidade cerzida: a costura da cidadania no Morro

Santa Marta. Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio, Pallas, 2012.

 

SILVA, Jailson de Souza e; BARBOSA, Jorge Luiz; FAUSTINI,

Marcus Vinicius. O novo carioca. Rio de Janeiro: Mórula

Editora, 2012.

Autor: Adair Rocha.