Favela é comunidade? (artigo)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O artigo discute sentidos construídos, socialmente e contextualmente, em relação aos termos "favela" e "comunidade". A partir da pergunta provocativa "Favela é comunidade?", que foi título de mesa redonda no seminário "Favela é cidade: violência e ordem pública", organizado pelo Iuperj/IBASE, em 2007, os participantes foram convidados a debater as questões que associam as identidades atribuídas às favelas e seus moradores à criminalização de que estes são objeto. Os argumentos desenvolvidos neste texto buscam refletir a respeito dessas questões identitárias que envolvem múltiplos atores na cidade do Rio de Janeiro, sejam estes das favelas, de agências estatais ou ainda de outros grupos sociais.

Publicado originalmente em: capítulo do livro "Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro", organizado por Luiz Antonio Machado da Silva e publicado pela editora Nova Fronteira, em 2008. Texto gentilmente cedido pela autora para divulgação no Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Autoria: Patrícia Birman

Favela é comunidade?[editar | editar código-fonte]

Em 25 de outubro de 2007, o governador Sérgio Cabral afirmou, no curso de uma entrevista, que o aborto pode funcionar como forma de controle da violência nas favelas. Estas, segundo ele, seriam “verdadeiras fábricas de marginais”. Vale a pena citá-lo mais longamente:

“A questão da interrupção da gravidez tem tudo a ver com a violência pública. Quem diz isso não sou eu, são os autores do livro "Freakonomics" (Steven Levitt e Stephen J. Dubner). Eles mostram que a redução da violência nos EUA na década de 90 está intrinsecamente ligada à legalização do aborto em 1975 pela suprema corte americana. Porque uma filha da classe média se quiser interromper a gravidez tem dinheiro e estrutura familiar, todo mundo sabe onde fica. Não sei por que não é fechado. Leva na Barra da Tijuca, não sei onde. Agora, a filha do favelado vai levar para onde, se o Miguel Couto não atende? Se o Rocha Faria não atende? Aí, tenta desesperadamente uma interrupção, o que provoca situação gravíssima. Sou favorável ao direito da mulher de interromper uma gravidez indesejada. Sou cristão, católico, mas que visão é essa? Esses atrasos são muito graves. Não vejo a classe política discutir isso. Fico muito aflito. Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal. Estado não dá conta. Não tem oferta da rede pública para que essas meninas possam interromper a gravidez. Isso é uma maluquice só.”

As declarações do governador se fizeram no curso de um período particularmente difícil para os que nesse momento viviam em Vila Cruzeiro ou em suas redondezas onde, durante sessenta dias, armou-se um campo de batalha, com uma ocupação militar e uma movimentação de tropas do Bope e da Guarda Nacional que buscavam derrotar os chefes do tráfico local lá entricheirados. As mortes que ocorreram e as inúmeras pessoas feridas foram consideradas “acidentes de percurso” que não retiraram, na esfera pública, a legitimidade da operação policial-militar.  No mesmo mês, sob o impacto dessas últimas ações do governo, realizou-se o Seminário "Favela é cidade: violência e ordem pública"[2]; do qual participei, integrando a mesa-redonda “Favela é comunidade?” que deu origem ao presente texto. A mesa-redonda convidou os participantes do Seminário a debater as questões que associam as identidades atribuídas às favelas e seus moradores à criminalização de que estes são objeto. Os argumentos desenvolvidos neste texto buscam refletir a respeito dessas questões identitárias que envolvem múltiplos atores na cidade do Rio de Janeiro, sejam estes das favelas, de agências estatais ou ainda de outros grupos sociais.

Podemos perceber nas entrelinhas da fala do governador uma defesa velada (nem tão velada assim, aliás) de uma política de eugenia, diminuindo o número de nascidos nestas “fábricas de marginais” que seriam as favelas com vistas a “purificar” a cidade. Sua opinião, tornada pública, juntamente com a ocupação policial e o cerco militar de favelas, demonstram cabalmente o quanto a forma de identificar pessoas e grupos não é uma atividade inócua, principalmente quando quem produz identificações deste teor é o responsável maior pelo governo, aquele que tem, a princípio, maior poder de conformar a administração do Estado aos seus julgamentos.

Não basta, portanto, apontar a relação entre o discurso sobre as “fábricas de marginais” e a política de repressão ao crime que governo do estado do Rio realiza. Creio que é preciso refletir mais claramente sobre os nexos existentes entre as identificações promovidas por este discurso e as políticas governamentais que são praticadas e que possuem as favelas como alvo.

O que o governador destaca é essencialmente uma proposta de tratamento epidemiológico da população favelada que é coerente com o atributo através do qual ele a identifica: “uma fábrica de marginais”. Para esta característica maior que ele aponta haveria técnicas de governo que poderiam ser adequadas para eliminar o problema. No caso aventado, ele sugere, como outros aliás já o fizeram,  medidas de planejamento familiar. O que parece estar em causa é objeto de uma de reflexão do historiador pós-colonial, Partha Chatterjee[3]. Passemos a citá-lo:

"Diferentemente do conceito de cidadão, que carrega uma conotação ética de participação na soberania do Estado, o conceito de população torna accessível aos funcionários governamentais um conjunto de instrumentos racionalmente manipuláveis para alcançar largos setores de habitantes de um país enquanto alvos de suas "políticas - políticas econômicas, políticas administrativas, justiça e mesmo mobilização política" (Chatterjee, 2004:107).

As "tecnologias do governamental", afirma ele, cresceram em detrimento de políticas cidadãs nas sociedades avançadas que se constituíram como Estados-Nação no século XIX, através de orientações liberais que prevaleceram nas últimas décadas. Este diagnóstico, no entanto, não cabe para sociedades que foram colonizadas como a nossa.  Para estas, sociedades africanas, asiáticas e americanas, as tecnologias do governamental precederam largamente à questão da cidadania e continuam a prevalecer enquanto orientação do Estado, sem que grande parte dos indivíduos, membros das sociedades nacionais, tenha acesso à condição de cidadãos. O mencionado autor cita exemplos retirados de antigas colônias:

"No sul da Ásia, por exemplo, a classificação, descrição e enumeração de grupos populacionais como objetos de políticas públicas relacionadas à demarcação de terras, impostos, recrutamento para o exército, prevenção ao crime, saúde pública, administração das penúrias e secas, regulamentação dos locais religiosos, moralidade pública, educação e uma multidão de funções governamentais têm uma história pelo menos um século e meio anterior ao nascimento dos Estados-Nação independentes da Índia, Paquistão e Sri Lanka… Ali as populações tinham o status de sujeitos e não de cidadãos. Obviamente a dominação colonial não reconhecia a soberania popular” (Chatterjee, 2004:110).

A intenção não é de estabelecer mais uma vez para as sociedades com um passado colonial um regime de falta em relação ao modelo europeu dos Estados-nação. O autor busca analisar a presença de um outro modelo que conectaria estas populações ao Estado, por intermédio de agências governamentais:

A maior parte dos habitantes da India são apenas vagamente e ainda assim de forma ambígua e contextual, cidadãos portadores de direitos no sentido imaginado pela constituição. Não são propriamente, portanto, membros da sociedade civil e não são reconhecidos enquanto tal pelas instituições do Estado. Mas não é como se estivessem fora do alcance do Estado ou mesmo excluídos do domínio do político. Enquanto populações dentro da jurisdição territorial do Estado tanto são visados como controlados por várias agências governamentais” (Chatterjee, 2004: 112).

O tratamento epidemiológico sugerido pelo governador do estado do Rio de Janeiro cabe perfeitamente neste modelo: diz respeito a um conjunto de técnicas governamentais que operam buscando identificar e caracterizar as populações com vistas a buscar soluções para os problemas engendrados no quadro destas identificações. Os processos de identificação dos grupos favelados em curso, não é difícil supor, não os reconhecem como portadores de direitos civis, por um lado e, por outro, qualificam-nos negativamente, o que tem dado lugar, ao longo da história, a políticas territoriais específicas como forma de controle de seus comportamentos e do seu acesso à cidade. O trabalho pioneiro de Valadares (2005) é precioso por descrever o que foi a “invenção da favela”, isto é, o processo histórico que, envolvendo uma multiplicidade de atores, governamentais e não governamentais, deu lugar à identificação de certos territórios como “favela”. Os trabalhos de Machado da Silva e Leite nesta coletânea analisam a centralidade da política de criminalização desses territórios atualmente em curso[4]

A pergunta da mesa-redonda, Favela é Comunidade? é, pois, do maior interesse pela importância social e política que possuem as formas de identificação da população favelada. A noção de comunidade ganha relevo posto que é acionada em muitas circunstâncias, inclusive pelos agentes do Estado. Mas o seu maior interesse deve-se, em parte, ao fato que é através dela que se aciona formas de auto-identificação dos moradores destes territórios em oposição à identificações vindas “de fora”. Um dos usos mais generalizados do termo comunidade tem sido, pois, aquele de um contra-discurso que argumenta a favor dos habitantes das favelas, destacando as boas qualidades morais que estes teriam, passíveis de serem comprovadas pelos seus modos de vida e pela cultura que possuem. Estes contra-discursos buscam responder, no mesmo diapasão, àqueles que produzem enunciados segregadores como esse que citamos, que identificam, entre outras coisas, a favela como fábrica de marginais. Os jogos identitários que há muito tempo ocupam a cena pública em torno das favelas sugerem, pois, tanto uma presença constante de um tratamento dessas populações através de medidas segregadoras, como de resistência dessas populações a estas políticas e as formas variadas de serem identificadas em acordo com estas. 

Favelado, como há muito tempo estamos cientes,é uma das designações mais segregadoras de uso corrente na cidade[5]. Este termo participa freqüentemente das formas de se criar e se reproduzir como “enclaves na cidade” as favelas[6], juntamente com dispositivos de submissão de seus moradores às políticas de segregação em curso. Favelização, podemos sugerir, é o nome que podemos dar a este conjunto de mecanismos relacionados às formas específicas de elaborar fronteiras para administrar esses “enclaves”. A favelização parece gerar efeitos circulares que se perdem num emaranhado de relações de causa e efeito, as quais terminam, no seu conjunto, por negar os nexos históricos com os dispositivos postos em ação pelo Estado. Como se, por exemplo, a precariedade dos serviços públicos nestes territórios não fizesse parte da elaboração das identificações negativas de sua população, tal como exemplarmente enunciada pelo governador do Rio de Janeiro. As tentativas de contrapor o termo comunidadeao termo favela fazem parte de esforços, sob um prisma cultural, de oposição a estas políticas. São estas tentativas que irei discutir aqui[7]

Vou então apresentar rapidamente alguns de seus usos para tentar responder à questão que, provocativamente, os organizadores do colóquio nos sugeriram como matéria de reflexão.

O mais interessante nesta pergunta não reside certamente numa resposta cabal, positiva ou negativa, à pergunta “favela é comunidade?”, o que nos levaria a indagar o impossível: quais seriam os “bons” critérios para reconhecer uma “verdadeira” comunidadeou definir um território como favela?

O que, de fato, interessa, é saber por quecomunidade virou um termo “pau-para-toda-obra”, um grande vagão no qual tudo pode se acomodar, no quadro dessas relações discriminatórias intensas e situações tão conflitivas. Em outras palavras, meu interesse reside em compreender de que formas as referências que hoje se fazem às favelas, quaisquer que sejam os termos empregados, se associam a esta situação larvar envolvendo fundamentalmente práticas criminalizantes e tentativas de descriminalização.

          Os atores destas identificações não são somente aqueles que participam diretamente do governo, mas também as várias agências e associações que lá se encontram: igrejas, clubes de futebol, ong’s, associações culturais diversas. Contudo, não encontramos unanimidade em relação a estas identificações. De certo modo, todos os atores participam, contra ou a favor, das controvérsias relativas às políticas de governo e aos fundamentos identitários que permitem a sua efetivação. 

O que prevalece nos discursos governamentais é a suposição, muitas vezes sequer explicitamente enunciada, que a população desses territórios possui um perfil próprio, inconfundível, que faria dela um grupo com uma cultura específica no interior da cidade. Do meu ponto de vista, como estou tentando deixar claro, o mais importante aqui não é dizer que tal ou qual especificidade cultural atribuída à favela é falsa ou não foi “ainda” cientificamente comprovada: não se trata de responder ao governador e aos que pensam como ele que a favelanão éum reduto de marginais, mas éuma comunidade de trabalhadores, ou de afirmar que ela éuma comunidade cristã ou, ainda, que ela atualmente estaria “perdendo” os seus valores e práticas tradicionais, como o samba e a capoeira. A meu ver é mais interessante abandonar toda e qualquer tentativa de discutir as identidades para, em seu lugar, discutir as políticas de identificação e seus efeitos. Busco aqui desenvolver o argumento sustentado por Gérard Noiriel que defende a necessidade de realização de estudos sobre formas e políticas de identificação em lugar de privilegiar o estudo de identidades[8]:

“O problema não é mais, então, de se interrogar infinitamente sobre a definição de identidade nas diferentes “culturas”, mas de estudar as práticas concretas e as técnicas de identificação “à distância”, encarando-as como relações de poder, colocando em contato os indivíduos que possuem os meios de definir a identidade dos outros e aqueles que são objeto de seus empreendimentos” (Noiriel, 2007: 5).

          Assim o termo comunidade vai ser analisado sem que busquemos a sua maior ou menor correspondência à suposta identidade destes lugares. O que me interessa é perceber como e com quais intenções este termo é acionado nesse quadro de criminalização dos territórios favelados.

O uso generalizado do termo comunidade quando se quer referir a favelas ou a outros espaços estigmatizados relaciona-se, até onde posso distinguir, a quatro intenções maiores que eu gostaria de destacar. Dentro dos meus limites vou procurar mencionar quais atores sociais se encontram envolvidos com os seus usos e propor um alargamento das discussões sobre este tema. 

Um lugar comum, o eufemismo[editar | editar código-fonte]

A primeira intenção seria, pois, evitar mencionar a identificação, supostamente verdadeira ou ao menos reconhecida como vigente, por aquele que fala, sobre um lugar, a favela, (e sobre ou com pessoas, os ditos favelados) através de uma categoria que reconhecidamente seria estigmatizante. Uma valorização do eufemismo parece importante na dinâmica das relações sociais. Seu emprego permitiria, em parte, contornar o valor negativo que certas expressões espelham. O eufemismo, no entanto, não afronta o estigma. Seu uso indica uma relação de cortesia, necessária, no curso das trocas sociais que se passam com aqueles que não podem se desfazer de suas marcas. Uma delicadeza, portanto, ligada às circunstâncias penosas que a vida imporia e também às muitas modalidades de relações que envolvem os moradores e as pessoas “de fora”. Observamos que este uso é generalizado entre diferentes grupos sociais – a mesma preocupação pode levar a substituir o termo comunidade por outro equivalente, como morro, ou bairro. Como o emprego do primeiro termo não é reservado a um uso eufemístico e é também muitas vezes associado a situações de discriminação, a intenção de evitar ferir ou de trazer à tona esta ferida social não está garantida a priori. Contudo, sabemos todos que nas trocas sociais o mais importante é o sentido que se elabora no interior das suas dinâmicas. O esforço continuado para não ferir as pessoas que acompanha as trocas sociais correntes motiva o uso do termo comunidade em muitos momentos, inclusive por aqueles diretamente concernidos, as pessoas que moram em favelas, quando se referem a seus locais de moradia. Empregado pela mídia, pelo governo, pelas associações locais, pelas ong’s, o termo comunidade muitas vezes explicita a dificuldade dessa operação de levar em conta o que pensam os que se vêm nomeados de uma forma negativa. Parece-me recorrente o uso de eufemismos quando aqueles que produzem as identificações e participam dos mecanismos de sua aplicação, precisam negociar com as populações por eles identificadas. Em circunstâncias de negociação, como em contatos eleitorais e políticos, em inaugurações de obras públicas, entre outras atividades, favelas são tratadas como comunidades e seus moradores como cidadãos, capazes de exercer os seus direitos, como por exemplo, aquele do voto.   

Se este uso eufemístico é recorrente vale observar que, em muitas circunstâncias, do ponto de vista dos moradores, o que é mais reivindicado é a não-identificação, ou seja, preferencialmente, a anulação de qualquer referência à identidade territorial em trocas sociais diversas. Neste movimento, ao contrário dos usos eufemísticos, o que parece estar presente é uma recusa de se ver reduzido às especificidades negativas que esta identificação “comunidade” busca, com pouco sucesso, ultrapassar.

O termo “comunidade” em seus usos eufemísticos não é capaz de impedir a associação da pessoa com os traços negativos provenientes desta identificação; somente indica a suspensão destes pelo uso momentâneo de aspas que podem ser retiradas quando preciso for.

Samba, respeito e tradição[editar | editar código-fonte]

A segunda intenção, freqüentemente associada à primeira, é aquela que visa explorar, em contraponto, certos sentidos positivos associados à tradicionalidade que seria própria à cultura da população favelada. Na história do país, a tradição católica orienta uma das percepções mais difundidas da noção de comunidade entre nós[9]. A harmonia seria um dos seus traços mais importantes. Prevalece como um viés católico dessa harmonia comunitária a valorização de um princípio hierárquico estruturando as relações entre os desiguais. As relações de poder, investidas pelo valor da hierarquia, dariam lugar a uma complementaridade dos papéis sociais, cujo ordenamento faria, num certo sentido, parte da sacralidade de uma vida comunitária, da qual o modelo já estaria presente desde os primeiros cristãos. A Teologia da Libertação, corrente da igreja que, como sabemos, defendeu uma versão política e igualitária da comunidade cristã, espalhou pelo Brasil afora um ideal comunitário que se realizaria pela solidariedade política entre os pobres. A comunidade, neste caso, seria a coletividade dos pobres organizados[10]. Em quaisquer das versões mais ou menos conservadoras do catolicismo a comunidade possui um caráter substantivo e um sentido intrinsecamente positivo: dela emanariam valores morais que teriam sua fonte nos pobres, naqueles situados nos últimos lugares da escala social. A complementaridade entre ricos e pobres, pelas suas qualidades diferenciais, garantiria assim a harmonia das comunidades internamente diferenciadas, mas estruturadas segundo um mesmo e único eixo, aquele da hierarquia. A pobreza no catolicismo, lembremos, possui um diferencial moral positivo que, ao longo dos séculos, sacralizou a hierarquia social mundana. Um eixo hierárquico informa também a associação entre esta noção de comunidade e o emprego de uma certa percepção da cidadania, fundada na ideia de uma pessoa “civilizada” que aceita  agir em acordo com a ordem social na qual se integra, em contraste com outras que, de fato, não mereceriam ser reconhecidas como plenamente “humanas”[11].

A noção de comunidade, baseada em valores católicos, não precisa ser explicitamente religiosa como, aliás, freqüentemente não é: as referências a comunidade como lugar de realização da hierarquia e da complementaridade entre os diferentes se encontra ancorada num catolicismo difuso que se confunde, em algumas circunstâncias, com o que seria próprio do patrimônio nacional. Ela ganhou, para certas agências governamentais e não governamentais, um valor emblemático como lugar de realização de valores “tradicionais”. A imagem que resulta desta concepção identitária é positiva e fartamente acionada tanto por moradores de favelas quanto pela sociedade mais ampla, em momentos em que se quer valorizar os elos dos primeiros com a segunda. Assim, as lideranças locais de favelas podem se dirigir a agentes do Estado para falar da “nossa comunidade” e de seus problemas. No mesmo diapasão, as autoridades políticas podem mencionar seu compromisso com alguns projetos que pretendem desenvolver na “comunidade”. Os mesmos procedimentos são acionados por associações locais e ong’s. Não é preciso mencionar o quanto este termo é empregado em momentos de congraçamento como o carnaval, no qual as “comunidades” desfilam, aplaudidas pelas autoridades e pela “boa sociedade” carioca.

Não é difícil reconhecer certos movimentos de patrimonialização de manifestações culturais que ocorrem em favelas como maneiras de preservar o que nestas seria mais “autêntico” (Gonçalves, 1996). Políticas de tombamento, de preservação cultural por meio de incentivos fiscais, entre outras, fazem parte das políticas públicas e envolvem “comunidades” de favela em certos casos. Algumas “festas da comunidade” reafirmam a existência de um território guiado por valores dessa catolicidade difusa, onde se ancorariam as raízes nacionais. Um viés romântico mantém-se nas tentativas de revalorizar as “tradições comunitárias” que aliam moradores com movimentos voltados para o incentivo à cultura local, à recuperação de atividades tradicionais como formas também, afirmam alguns, de salvar a “comunidade” da destruição em curso. A “cultura”, seja esta “material” ou “imaterial”, como se diz hoje em dia, é recorrentemente acionada como modo de contrapor a favela, lugar disruptivo e violento, à “comunidade”, lugar da harmonia e de projetos civilizacionais associados às raízes culturais e étnicas da nação: a capoeira, o samba, o forró, a festa do santo padroeiro, a arte de origem africana.

A imagem da favela-comunidade traz um forte apelo: seria através dos muitos meios do seu emprego o lugar de encontro da favela com o ideal de harmonia e de tradição. Esta imagem da favela-comunidade cria espaços de negociação, pontes entre grupos de dentro e de fora e estrutura também uma certa presença do Estado que busca realizar seus projetos de intervenção. Assinalemos que o crescimento do pentecostalismo nas periferias urbanas tem dificultado a percepção totalizante que esta noção de comunidade possui (Birman, 2007; Birman e Leite, 2000). Seu caráter conflituoso e em antagonismo permanente com a herança católica e afro-brasileira desfaz constantemente esta imagem comunitária, chamando atenção para a fragmentação que acompanha a heterogeneidade social e cultural de seus habitantes (Preteceille e Valladares, 1999). Mas os pentecostais propõem também um modelo civilizacional que tem sido apoiado pelo Estado. Muitas lideranças pentecostais têm buscado falar em nome da “comunidade”, enfatizando a dominância evangélica nesses territórios. A imagem da “favela-comunidade” é, pois, constantemente acionada para desfazer os discursos que englobam seus moradores pela identificação destes com os traficantes e seus crimes. As tentativas de se distinguir desses grupos por intermédio da noção de comunidade têm se mostrado difíceis, não somente pelo fato do discurso criminalizador ser dominante, mas também porque este tem uma eficácia que se apóia na mídia e em um certo consenso social na cidade. A razão mais relevante, no entanto, reside no fato de o discurso de valorização da favela como “comunidade” não questionar os fundamentos segregadores da política de criminalização. Antes, busca afirmar primordialmente que tal política de identificação seria inadequada em relação a esta população específica. Esta teria bons motivos para garantir aos que os identificam assim que, ao contrário do que pensam, eles são moralmente confiáveis e culturalmente adequados para serem aceitos como cidadãos na cidade[12].

As políticas de governo em curso freqüentemente justificam seus projetos como intervenções de caráter civilizatório que teriam o objetivo de promover uma integração à cidadania. Enfatiza-se assim a necessidade de uma mudança de valores para garantir aos favelados o acesso à cidadania[13]. Neste caso, temos, claramente, um deslizamento de uma concepção política que compreende a cidadania como direitos civis para uma concepção culturalista que subordina a demanda por direitos à aquisição de um passaporte cultural, a ser obtido progressivamente pela transformação de uma população vista como incivilizada em indivíduos reeducados através do reaprendizado de uma boa identidade (Farias, 2007).

Relações face a face: histórias em comum[editar | editar código-fonte]

Visto de dentro e empregado pelos próprios moradores, o termo comunidade pode também ganhar uma importância particular quando associado às relações face a face entre os habitantes do lugar[14]. Não imunes a preconceitos, nem ao uso dos estereótipos correntes, os habitantes das favelas nem por isso aceitam sem ambigüidade e desgosto estas identificações negativas.  Sob o prisma das relações de proximidade, os moradores podem descrever os acontecimentos que ali vivem enfatizando que seus lugares de moradia teriam para eles uma densidade afetiva própria, ligada a suas experiências de vida. Por exemplo, o acúmulo de experiências que certas pessoas tiveram através do partilhamento de um mesmo espaço de lazer, como uma quadra de futebol, uma pracinha, uma creche, uma birosca, um curso noturno, um pré-vestibular “comunitário”, um culto dominical, entre outros lugares, é subjetivamente importante e é apresentado também por muitos como uma busca por reconhecimento. Pode-se indicar assim por meio do termo comunidade que experiências pessoais significativas se encontram profundamente associadas aos seus lugares de ocorrência, a ambientes cujas características físicas, geográficas e sociais contribuem para a sua importância.  Afinal, os acontecimentos se passam sempre em “lugares” e as suas ocorrências implicam um conjunto de percepções do “lugar” que se imbricam com os acontecimentos nas trajetórias das pessoas[15]. A referência à comunidade, neste caso, associa as experiências locais, ligadas ao cotidiano, à condição de pessoas reivindicada pelos seus habitantes. Vizinhos aqui ou na China, colegas de escola no Borel ou em Copacabana, indivíduos fazem de certas relações de proximidade algo subjetivamente relevante em suas vidas, mesmo que estas práticas não se ancorem todas em valores culturais partilhados com seus vizinhos e parentes.

Os espaços, pois, voltemos a reconhecer aqui, com as suas características sensíveis participam da construção das pessoas, das relações inter-pessoais, das formas de sociabilidade e dos acontecimentos que as envolvem. Uma identificação com o lugar, a favela, assim é construída e reclamada em contraposição aos argumentos que “só valorizam” os crimes que ali ocorrem. Assiste-se no Rio de Janeiro a inúmeras manifestações de moradores de favelas que reclamam dos focos que cineastas e intelectuais utilizam para criar imagens sobre a favela. Ao invés de valorizarem a “comunidade”, dizem, valorizam o que, no seu interior, mais orienta as políticas governamentais postas em prática, isto é, a sua identificação com o crime e com a suposta incivilidade de seus habitantes.

No entanto, se é verdade que o espaço pode ser fundamental para estabelecer certos sentidos compartilhados, relativos a acontecimentos que fazem parte da memória de um grupo, dificilmente seria possível a partir disto estabelecer uma identidade positiva comum. A experiência deste sentido de comunidade que se entrelaça com lugares e trajetórias não é suficiente para exorcizar as identificações negativas, generalizantes, que ignoram o valor positivo dessas relações de proximidade na construção da vida social de seus habitantes. Embora seja possível para os moradores contraporem estas experiências aos traços estigmatizantes aos quais eles são reduzidos, este contraponto se faz em uma “micro” escala, que não é levada em conta nos grandes debates da cena política reconhecida.

Os processos de identificação criam tipos e a tipificação é imune à diversidade de modos de vida, de escolhas morais, sexuais e religiosas. O seu movimento, por definição, é o de provocar generalizações. Um milhão de pessoas como contra-exemplo pouco serve contra uma única identificação negativa que, elevada à condição de emblema, pode legitimar e participar dessas políticas, reafirmando o que seria a “verdadeira” e “autêntica” identidade do grupo a ser considerada em termos de interesse público. Basta um único caso, um único acontecimento, para reiterar a especificidade negativa de um grande conjunto populacional. Procedimento curioso este, que nos questiona a respeito das formas pelas quais certos enunciados geram seus efeitos de verdade. Suas formas de convencimento não são simples, já sabemos. Envolvem a história da cidade, da formação de suas divisões internas, de seus guetos, de seus conflitos e de suas formas de poder cristalizadas e largamente dominantes. 

Contrapor identidades à identificação?[editar | editar código-fonte]

Ao colocar em relevo as formas de sociabilidade positivas que os ligam entre si através de uma experiência do lugar, os habitantes das favelas buscam mostrar o “outro lado” destes territórios, um lado social positivo, que se mostra contrário e mesmo antagônico à visão totalizante que os identifica “de fora”. Este movimento, como dissemos, não parece ser muito eficaz. Como acionar estes planos cuja escala “menor” parece desaparecer diante dos traços largos das identificações estereotipadas que pretendem tudo incluir? Como tornar visíveis as muitas comunidades, no sentido de muitos grupos que existem localmente e que dão densidade à vida das pessoas? Com efeito, o Estado e os setores dominantes da sociedade não se interessam em “reconhecer” as dinâmicas sociais nesta micro-escala, mas se interessam, sobretudo, em fornecer identificações que reiteram suas políticas de governo nestes territórios. O caráter dominante dessa política não chega a ser ameaçado pelas tentativas dispersas de valorizar estes micro-universos que seriam facilmente postos em equivalência com demandas presentes em outras localidades, em muitos outros lugares. O movimento que gera estas identificações totalizantes parece deter um sentido político relacionado às intenções práticas de administração das populações faveladas. Os atores desses movimentos de identificação não estabelecem diálogos, não perguntam pelos critérios empregados pelas pessoas concernidas para dizerem quem são. Ao contrário, geram formas próprias de identificação que são propostas como se fossem um mero reconhecimento de identidades que já existiam desde o início dos tempos.

Se uma favela não é uma comunidade, o que seriam então os favelados?[editar | editar código-fonte]

          As formas de identificação que mencionamos bem como os termos utilizados podem ser associados, a bem dizer, a todas as qualidades, positivas e negativas, que seriam pertinentes aos lugares previamente definidos como aqueles aonde os segmentos menos favorecidos da população vivem e convivem entre si. Pode-se tanto acionar imagens que associam estes territórios à violência e à barbárie, quanto a aspectos de uma cultura tradicional que lá residiria. A noção proveniente da tradição católica de comunidade é assim, ao mesmo tempo, um contraponto a identificações negativas e uma faceta de um lugar que também pode ser olhado por outro prisma. Os usos positivos do termo comunidade para se contrapor a outros, como favela, terminam por contribuir, apesar dos intuitos e desejos dos indivíduos que os empregam, para reiterar um sentido prévio a todas estas definições, quer dizer, uma diferença substantiva – que pode ser negativa no essencial mas também positiva em certos momentos – acionando diferenças culturais/civilizacionais que distinguiriam os bairros da cidade das ditas favelas/periferias/morros/comunidades.

Mostra-se assim possível conjugar de forma não contraditória identificações negativas e positivas: lugar da tradição e também lugar da violência. Lugar de relações harmônicas entre vizinhos, mas também lugar da incivilidade, da barbárie e da morte associados ao tráfico de drogas e às balas perdidas. Lugar da família, mas também lugar de uma juventude desregrada, das igrejas pentecostais, dos bailes funk e das metralhadoras. Em suma, territórios que parecem destilar uma especificidade inconfundível ligada ao caráter moral e cultural de sua população. Suas diferenças internas não apagariam o princípio maior dessa classificação dualista, que constrói dois blocos identitários na cidade. Para as pessoas, contudo, que são constantemente objeto de identificações territoriais, destacar os pontos e contrapontos, enfileirar os estereótipos nas suas oposições e contradições aparentes não me parece evitar o essencial: o caráter totalizante deste vínculo não reclamado como forma de inclusão/exclusão do morador de comunidade/favela/periferia como habitante da cidade.

A comunidade e suas práticas reflexivas[editar | editar código-fonte]

Antes de terminar gostaria de me referir a um último sentido de comunidade que também encontramos entre os que vivem nos territórios favelizados. Talvez em função do seu caráter pouco cristalizado seja melhor falar de reflexão comunitária. Refiro-me aqui ao reconhecimento que os habitantes das comunidades/favelas/periferias fazem de sua condição comum, como alvos que são dessas políticas que mencionamos. Não raramente parece aflorar através de certas atitudes de moradores o que podemos entender como uma resistência crítica a estas formas de designação e a suas conseqüências.

Em outros termos, um reconhecimento coletivo, quase uma evidência partilhada, de que todos, ali, são objetos de uma política discursiva que os aloca numa posição subalterna e estigmatizada, independente de e contra as suas vontades. Li uma vez uma descrição de uma antropóloga (Goldstein, 2003) a respeito de atitudes assumidas pelos moradores de uma favela, no cotidiano de suas vidas. Ela coloca em relevo o uso constante da paródia, do riso e da brincadeira como forma de crítica permanente a estas identificações negativas. A autora destacou uma prática de autodepreciação irônica por parte dos moradores, que empregavam todos ou quase todos os estereótipos correntes. A troca de insultos, bem como o uso de xingamentos, daria lugar a um distanciamento crítico que assim se reafirmaria frente às identificações negativas. Como se este sentido de comunidade se desse pelo reconhecimento de que existe um “nós” cujo sentido é dado essencialmente pelo fato de serem, em conjunto, alvo dessa política que os governa.

Podemos nos perguntar sobre o alcance dessas práticas de derrisão que se somam, às vezes, a protestos agudos em relação a excessos policiais e a demandas por direitos civis[16]

Esta pergunta e também a pergunta inicial do texto, favela é uma comunidade? podem ser respondidas talvez através de uma outra atitude, que quero que acompanhe a minha reflexão, a de apoio às resistências possíveis.

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

[2] "Favela é cidade: violência e ordem pública"; seminário organizado pelo Iuperj/IBASE, em novembro de 2007, no Rio de Janeiro. Gostaria aqui de registrar o meu sincero agradecimento aos organizadores do seminário, principalmente a Luiz Antonio Machado da Silva e a Márcia Leite que me convidaram também para integrar esta publicação.

[3]Os argumentos desenvolvidos sobre as tecnologias do governamental foram originalmente publicados em Birman (2006).

[4]Citemos um trecho em que estes autores trabalham a mudança que ocorreu nas formas de identificação das favelas e dos favelados mais recentemente: “Essa construção das favelas como uma espécie de subcultura, inclusive pela ciência social, nada tem de recente (Valladares, 2005). O que parece novo é que agora não se trata de basear este entendimento, como antes, na desorganização social dessas localidades, mas de associá-las diretamente ao crime violento... Os moradores de favelas são tomados como cúmplices dos bandos de traficantes, porque a convivência com eles no mesmo território produziria aproximações de diversas ordens – relações de vizinhança, parentesco, econômicas, relativas à política local etc. – e, assim, um tecido social homogêneo que sustentaria uma subcultura desviante e perigosa. Esta, por sua vez, fundamentaria a aceitação e a banalização do recurso à força, o que terminaria por legitimar a chamada “lei do tráfico”. Em conseqüência, os moradores de favelas estariam recusando a “lei do país” ao optarem por um estilo de vida que negaria as normas e valores intrínsecos à ordem institucional. Uma forte conivência marcaria, portanto, as relações dos moradores de favelas com as redes criminosas sediadas nessas localidades, levando-os a buscar sua proteção e apoio, bem como a protegê-las da polícia” (Machado da Silva e Leite, nesta coletânea).

[5]Cf. Leite (2008a), Valladares (2005) e Machado da Silva e Leite, nesta coletânea. A política de segregação tal como eu a entendo corresponde à principal forma pela qual o Estado se apresenta nas margens, entendidas aqui na acepção desenvolvida pelo trabalho de Das e Poole (2004), isto é, não como um lugar onde o Estado se ausenta mas como lugares onde o Estado exerce uma política voltada para estas populações “periféricas”.

[6]Consultar a respeito Machado da Silva (1967).

[7]Não pretendo discutir a imensa e rica bibliografia a respeito das relações entre as favelas e os moradores do “asfalto” e/ou com o governo e diferentes segmentos do Estado. Gostaria, no entanto de assinalar que este texto é devedor das reflexões desenvolvidas nesta coletânea e também dos trabalhos hoje clássicos sobre favelas de Valadares (2005,) e de Zaluar (2004; 1994; 1985).

[8]Ver também Noiriel (2005).

[9]  Ver, neste sentido, a discussão a respeito das comunidades e seus valores católicos em Boyer (2007). Consultar também Brandão (1980), para a discussão da hierarquia religiosa no cotidiano de comunidades, e Sanchis (1994), para o paradigma católico estruturando a nação brasileira. 

[10]Ver Burdick (1993) e Oliveira (1992) para o caso da Teologia da Libertação.  Sobre a ruptura com o paradigma católico, cfr. Birman (2007) e Pierucci (2004).

[11]Encontramos esta reflexão na excelente descrição que Vidal (1998) faz do uso da noção de cidadão entre os moradores de Brasília Teimosa, território favelado em Recife. Segundo ele:“O estatuto de cidadão não é no entanto de forma alguma desvalorizado. Ele atesta o reconhecimento do pertencimento social pleno ao qual os habitantes de Brasília Teimosa atribuem uma grande importância. Encontra-se aliás na (noção de) cidadão certos elementos que estão no coração da noção de respeito, entendendo que o cidadão é aquele que concorre à harmonia da ordem social pelo seu trabalho e pelo seu comportamento exemplar... O cidadão tal como é concebido em Brasília Teimosa é de fato essencialmente orientado em direção à civilidade, elemento no coração da construção do conceito de cidadania nas democracias modernas. A civilidade implica o sentimento de pertencimento à ordem social (e a sua preservação a despeito das diferenças sociais...)” (Vidal, 1998:136 e 147, tradução minha).

[12]  Consultar sobre o tema o capítulo de Machado da Silva e Leite, nesta coletânea.

[13]Vale observar que, como assinalamos (ver nota 48), os moradores de favela também associam comunidade à civilidade. Ao contrário das agências governamentais, no entanto consideram-se “cidadãos” exatamente por se verem moralmente adequados e perfeitamente dignos de se integrarem à cidade e à nação. De certo modo ninguém se identifica com este lugar que é o alvo da ação governamental - incivilizados são sempre os outros.

[14]Cf. As análises pioneiras do cotidiano nas favelas de Zaluar (1985).

[15]Mafra chama a atenção para o valor, subestimado pelos cientistas sociais, da paisagem. Diz a autora: “(...) a definição de paisagem utilizada aqui (...) refere-se ao entorno como o testemunho de vidas e trabalhos executados por gerações passadas que se chocaram uns com os outros, constituindo camadas de um mesmo lugar. A paisagem, nesse sentido, se parece menos com cenário de fundo e mais com um sítio arqueológico, pois diz respeito a camadas de processos e de materiais que tanto ocultam como revelam significados” (Mafra, 2007: 2).

[16]Cf. O movimento das mães de vítimas de violência policial em favelas analisado por Leite (2004) e Farias (2007).

 

 

 Notas[editar | editar código-fonte]

 

Ver também[editar | editar código-fonte]