Favelas como resistência à cidade do Capital: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
(Criou página com ' As favelas não são um fenômeno novo na história, mas o seu aparecimento nunca foi tão rápido e sistemático como com o arranjo econômico das sociedades capitalistas mo...')
 
Sem resumo de edição
(2 revisões intermediárias pelo mesmo usuário não estão sendo mostradas)
Linha 1: Linha 1:


As favelas não são um fenômeno novo na história, mas o seu aparecimento nunca foi tão rápido e sistemático como com o arranjo econômico das sociedades capitalistas modernas. Como um fenômeno urbano, para entender favelas precisamos entender as dinâmicas das cidades. Pelo significado da sua existência nas configurações informais, esses territórios questionam o planejamento urbano, ou como Chandhoke (1993, p. 63) as coloca, “por desafiar a ordem espacial das cidades, os habitantes dessas ‘moradias’ desafiam a própria ordem social”.
'''Autor: Daniel Lacerda'''


Abreu (1997) argumenta que as contradições da evolução urbana no Rio são percebidas espacialmente, e as favelas em particular expressam tais contradições. Um dado surpreendente que ilustra essas contradições foi divulgado pelo censo nacional brasileiro em 2010: o déficit nacional de habitações alcançou os 5.8 milhões de casas, enquanto que o número de casas privadas desocupadas era maior que 6 milhões, portanto, seria o suficiente para cobrir o déficit. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2013). A razão pela qual as famílias que procuram acomodações nunca estarem aptas a ter acesso a propriedades desocupadas é que tais propriedades são ativos, investimentos, e portanto a disponibilização delas não segue a lógica da necessidade social mas da oportunidade de lucro pelos proprietários. A construção de novas unidades de habitação não é direcionada a se conciliar com a demanda das famílias, e sim ao mercado.
As favelas não são um fenômeno novo na história, mas o seu aparecimento nunca foi tão rápido e sistemático como com o arranjo econômico das sociedades capitalistas modernas. Como um fenômeno urbano, para entender favelas precisamos entender as dinâmicas das cidades. Pelo significado da sua existência nas configurações informais, esses territórios questionam o planejamento urbano, ou como Chandhoke (1993, p. 63)<ref>CHANDHOKE. On the social organization of urban space: Subversions and appropriations.Social Scientist, [s. l.], v. 21, n. 5–6, p. 63–73, 1993. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.2307/3517815>. Acesso em: 25 maio. 2013.</ref> as coloca, “por desafiar a ordem espacial das cidades, os habitantes dessas ‘moradias’ desafiam a própria ordem social”.
 
Abreu (1997)<ref>ABREU, Mauricio. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro.3. ed. [s.l.] : IPLANRIO, 1997.</ref> argumenta que as contradições da evolução urbana no Rio são percebidas espacialmente, e as favelas em particular expressam tais contradições. Um dado surpreendente que ilustra essas contradições foi divulgado pelo censo nacional brasileiro em 2010: o déficit nacional de habitações alcançou os 5.8 milhões de casas, enquanto que o número de casas privadas desocupadas era maior que 6 milhões, portanto, seria o suficiente para cobrir o déficit. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2013)<ref>FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional municipal no Brasil 2010.Belo Horizonte: Centro de Estatística e Informações, 2013.</ref>. A razão pela qual as famílias que procuram acomodações nunca estarem aptas a ter acesso a propriedades desocupadas é que tais propriedades são ativos, investimentos, e portanto a disponibilização delas não segue a lógica da necessidade social mas da oportunidade de lucro pelos proprietários. A construção de novas unidades de habitação não é direcionada a se conciliar com a demanda das famílias, e sim ao mercado.


A explicação de como as contradições do mercado são materializadas na ordem urbana diz respeito à necessidade de urbanização para mobilizar e concentrar o produto excedente de produção. A cidade capitalista demanda uma força de trabalho concentrada, como requer o seu processo de produção, e também vai demandar uma ocupação ordenada do espaço, como requer a sua estrutura de consumo. Mas só para a mesma elite que é beneficiada pela acumulação de capital é reservada a possibilidade de aproveitar os benefícios do desenvolvimento industrial, embora respeitando as determinações ordenadas, enquanto a classe trabalhadora terá que romper essa ordem para estar localizado perto de um centro capitalista. Isso pode ser descrito como o conflito entre a cidade “pretendida” e a cidade “não pretendida” (CHANDHOKE, 1993, p. 69), o qual é ilustrado na foto abaixo.
A explicação de como as contradições do mercado são materializadas na ordem urbana diz respeito à necessidade de urbanização para mobilizar e concentrar o produto excedente de produção. A cidade capitalista demanda uma força de trabalho concentrada, como requer o seu processo de produção, e também vai demandar uma ocupação ordenada do espaço, como requer a sua estrutura de consumo. Mas só para a mesma elite que é beneficiada pela acumulação de capital é reservada a possibilidade de aproveitar os benefícios do desenvolvimento industrial, embora respeitando as determinações ordenadas, enquanto a classe trabalhadora terá que romper essa ordem para estar localizado perto de um centro capitalista. Isso pode ser descrito como o conflito entre a cidade “pretendida” e a cidade “não pretendida” (CHANDHOKE, 1993, p. 69), o qual é ilustrado na foto abaixo.


[[File:Picture 1.png|O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica – o PPG]]
[[File:Picture 1.png|center|O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica – o PPG]]
<p align="center" style="text-align:center">''<span lang="PT-BR" style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica - O PPG</span>''</p>  
<p align="center" style="text-align:center">''<span lang="PT-BR" style="font-family:">O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica - O PPG</span>''</p>  
&nbsp;
Cf.:&nbsp;<span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">HARVEY, David. The right to the city. '''International Journal of Urban and Regional …''', [s. l.], p. 23–40, 2003.</span></span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%">Disponível em: <[http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0309-1317.2003.00492.x/abstract http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0309-1317.2003.00492.x/abstract]>. Acesso em: 23 out. 2012.</span></span></span>


Referências
Ver também:&nbsp;[[Gentrificação_e_Favelas_Cariocas|Gentrificação e Favelas Cariocas]]&nbsp;e&nbsp;[[Regularização_Urbanística_e_Fundiária|Regularização Urbanística e Fundiária]].
<p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">ABREU, Mauricio. '''A Evolução Urbana do Rio de Janeiro.'''</span></span></span><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">3. ed. [s.l.] : IPLANRIO, 1997.</span></span></span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">CHANDHOKE. On the social organization of urban space: Subversions and appropriations.</span></span></span>'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">Social Scientist</span></span></span>'''<span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">, [s. l.], v. 21, n. 5–6, p. 63–73, 1993. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.2307/3517815>. Acesso em: 25 maio. 2013.</span></span></span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. '''Déficit habitacional municipal no Brasil 2010'''.</span></span></span><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">Belo Horizonte: Centro de Estatística e Informações, 2013.</span></span></span></span></p> <p style="text-align:justify"><span style="line-height:150%"><span style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">HARVEY, David. The right to the city. '''International Journal of Urban and Regional …''', [s. l.], p. 23–40, 2003.</span></span></span><span lang="PT-BR" style="font-size:12.0pt"><span style="line-height:150%"><span style="font-family:" times="" new="" roman",serif"="">Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0309-1317.2003.00492.x/abstract>. Acesso em: 23 out. 2012.</span></span></span></span></p>
&nbsp;


&nbsp;
&nbsp;


&nbsp;
[[Category:Temática - Habitação]] [[Category:Temática - Economia e Mercado]] [[Category:Capitalismo]] [[Category:Espaço urbano]] [[Category:Direito à cidade]]

Edição das 13h37min de 19 de maio de 2020

Autor: Daniel Lacerda

As favelas não são um fenômeno novo na história, mas o seu aparecimento nunca foi tão rápido e sistemático como com o arranjo econômico das sociedades capitalistas modernas. Como um fenômeno urbano, para entender favelas precisamos entender as dinâmicas das cidades. Pelo significado da sua existência nas configurações informais, esses territórios questionam o planejamento urbano, ou como Chandhoke (1993, p. 63)[1] as coloca, “por desafiar a ordem espacial das cidades, os habitantes dessas ‘moradias’ desafiam a própria ordem social”.

Abreu (1997)[2] argumenta que as contradições da evolução urbana no Rio são percebidas espacialmente, e as favelas em particular expressam tais contradições. Um dado surpreendente que ilustra essas contradições foi divulgado pelo censo nacional brasileiro em 2010: o déficit nacional de habitações alcançou os 5.8 milhões de casas, enquanto que o número de casas privadas desocupadas era maior que 6 milhões, portanto, seria o suficiente para cobrir o déficit. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2013)[3]. A razão pela qual as famílias que procuram acomodações nunca estarem aptas a ter acesso a propriedades desocupadas é que tais propriedades são ativos, investimentos, e portanto a disponibilização delas não segue a lógica da necessidade social mas da oportunidade de lucro pelos proprietários. A construção de novas unidades de habitação não é direcionada a se conciliar com a demanda das famílias, e sim ao mercado.

A explicação de como as contradições do mercado são materializadas na ordem urbana diz respeito à necessidade de urbanização para mobilizar e concentrar o produto excedente de produção. A cidade capitalista demanda uma força de trabalho concentrada, como requer o seu processo de produção, e também vai demandar uma ocupação ordenada do espaço, como requer a sua estrutura de consumo. Mas só para a mesma elite que é beneficiada pela acumulação de capital é reservada a possibilidade de aproveitar os benefícios do desenvolvimento industrial, embora respeitando as determinações ordenadas, enquanto a classe trabalhadora terá que romper essa ordem para estar localizado perto de um centro capitalista. Isso pode ser descrito como o conflito entre a cidade “pretendida” e a cidade “não pretendida” (CHANDHOKE, 1993, p. 69), o qual é ilustrado na foto abaixo.

O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica – o PPG

O contraste entre as favelas e a cidade formal em uma zona rica - O PPG

Cf.: HARVEY, David. The right to the city. International Journal of Urban and Regional …, [s. l.], p. 23–40, 2003.Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.0309-1317.2003.00492.x/abstract>. Acesso em: 23 out. 2012.

Ver também: Gentrificação e Favelas Cariocas e Regularização Urbanística e Fundiária.

 

  1. CHANDHOKE. On the social organization of urban space: Subversions and appropriations.Social Scientist, [s. l.], v. 21, n. 5–6, p. 63–73, 1993. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/10.2307/3517815>. Acesso em: 25 maio. 2013.
  2. ABREU, Mauricio. A Evolução Urbana do Rio de Janeiro.3. ed. [s.l.] : IPLANRIO, 1997.
  3. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional municipal no Brasil 2010.Belo Horizonte: Centro de Estatística e Informações, 2013.