Favelas como territórios da espera

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 12h00min de 1 de junho de 2020 por Clara (discussão | contribs)

Autora: Teresa de Jesus Peixoto Faria.

As favelas da cidade do Rio de Janeiro, têm sido estudadas sob diferentes aspectos: social, moral, político, jurídico, cultural; vistas como territórios da pobreza, da desordem, das doenças, enfim, como um problema. Adotando como referência o seu mito de origem, proponho uma leitura das favelas cariocas como territórios da espera[1] . Segundo Gomes e Musset (2015: 67), territórios da espera definem um espaço ou um lugar qualquer inteiramente dominado pelas questões relacionadas às práticas sociais ligadas à espera. Assim, a espera dos ex-combatentes da Guerra de Canudos, por seus soldos ou moradias, reconfigura o morro da Providência. Ali, recém-instalados, em 1897, por uma circunstância transitória, os sodados, além de lhe atribuírem um novo nome – Morro da Favella – lhe conferem um novo sentido e identidade, originando e perenizando um novo território (da espera), a favela. Outros eventos, como a demolição dos cortiços, reformas urbanas, contribuíram para o desenvolvimento de assentamentos precários similares ao Morro da Favella. Estes, pelas péssimas condições e perfil de seus ocupantes, deveriam, aos olhos das autoridades, serem extintos. Porém, já reconhecidos e oficializados como favelas, assim subsistiram até os dias atuais. Ainda hoje, a necessidade de abrigo e a falta de políticas que respondam ao déficit habitacional continuam levando indivíduos ou grupos, em busca de uma solução emergencial de moradia, a se instalarem nas favelas. Muitos, à espera e na esperança de conquistar a sonhada casa própria. A favela também foi considerada a porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras. Em incontáveis casos, essa situação temporária de espera se alonga ou se torna definitiva. Por razões de atração ou repulsão: econômicas, culturais, urbanísticas, (in)segurança, desesperança, muitos querem permanecer, alguns chegar, outros sair. Sua urbanização e integração, uma utopia; remoção, como as inúmeras que ocorreram ao longo de sua história, uma ameaça. Porém, a favela carioca permanece entre visões opostas: problema/solução, atração/repulsão, provisório/definitivo, passagem/permanência, remoção/urbanização, nesse sentido, as favelas são verdadeiros territórios da espera.

Referencias bibliográficas:

VIDAL, L.; MUSSET, Alain (2015). “Des lieux d’attente aux territoires de l’attente: Une nouvelle dimension ontologique de l’espace et du temps”. IN: VIDAL, Laurent; MUSSET, Alain. Les territoires de l’attente. Migrations et mobilités dans les Amériques. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, p.61-72.

 

 

 

  1. Os territórios da espera foram estudados no âmbito do TERRIAT, acrônimo do projeto internacional de pesquisa “Sociedades, mobilidades, deslocamentos: os territórios da espera. O caso dos Mundos Americanos (de ontem a hoje)”, financiado pela Agência Nacional de Pesquisa (França), desenvolvido de 2011 a 2014, coordenado por Alain Musset e Laurent Vidal. Os estudos estão publicados na obra coletiva, da qual participo, organizada por Vidal e Musset (2015).