Guaraci Jorge dos Santos (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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<p style="text-align: center;">Material de pesquisa&nbsp;do Projeto&nbsp;do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao&nbsp;'''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''.</p>
A entrevista faz parte do projeto "[[Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016]]", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira. &nbsp;
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
 
Fonte: Material de pesquisa&nbsp;do Projeto&nbsp;do [https://portal.fiocruz.br/programa-de-desenvolvimento-do-campus-fiocruz-mata-atlantica Campus Fiocruz da Mata Atlântica] em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz, gentilmente cedido ao&nbsp;'''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''.
[[File:Guaraci Mestre Capoeira Jacarepaguá.jpeg|thumb|center|600px]]
[[File:Guaraci Mestre Capoeira Jacarepaguá.jpeg|thumb|center|600px]]


== Sobre o projeto ==
== Entrevista ==
 
A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira. &nbsp;
 
== Entrevista na integra ==


&nbsp; {{#evu:https://www.youtube.com/watch?v=wCI5Jjsl25o}} &nbsp;
&nbsp; {{#evu:https://www.youtube.com/watch?v=wCI5Jjsl25o}} &nbsp;


== Transcrição da entevista ==
== Transcrição da entrevista ==
 
&nbsp; Meu nome é Guaraci Jorge dos Santos, nasci no Rio de Janeiro, em Botafogo – tenho formação técnica em contabilidade, cheguei a fazer comunicação na Estácio, mas não conclui por questões financeiras e sou Mestre e Capoeira e trabalho com crianças.&nbsp;
 
Vim morar em Jacarepaguá em 1977 – quando Jacarepaguá era bem atrasado. Estrada dos Bandeirantes era só uma pista.
 
Vim pelo clima, o ar que era muito agradável na época.
 
Em 77, era bem atrasado. E eu não conhecia nada, nem militava, porque fui criado em Botafogo, Tijuca, era outra coisa.
 
Chegando aqui, até ter amizade e conhecimento com as pessoas, levou 1 ano. Aqui era muito estranho – tinha problemas de condução, não tinha hospital. Tinha para tuberculoso Santa Maria, tinha para a Colônia – tinha um postinho de saúde em Vargem Pequena, onde eu morei 15 anos, perto da Rua José Duarte.
 
Em 78 e que comecei a viver mais aqui. Em 80 já vi as ocupações. Vi muita confusão. Aquela coisa de terra. E eu custei a entender isto. Mas com o tempo a gente vai compreendendo. E participei de algumas.
 
Tive terreno no Camorim. Acabei não ficando com o terreno. Mas participei de muita coisa.
 
A partir da capoeira, é que comecei a entrar nas comunidades. Eu entrei na Cidade de Deus, numa época em que a Cidade de Deus era muito violenta. Época do Zé Pequeno, Mané Galinha – aquela época brava. Como eu era capoeirista, agente era respeitado, ninguém mexia com a gente. A gente tinha este aval, é como é hoje, o pessoal das igrejas que entram nas comunidades. E eu fazia um trabalho com crianças, como faço até hoje. E foi isso que fez eu entrar no movimento. O esporte, que me ajudou a compreender.
 
No Recreio, nesta época tinha o Terreirão – que era uma colônia de pescadores. Parque Chico Mendes surge na década de 80. A Vila Amizade foi em 1987, foi uma briga que o pessoal da Vila Recreio ocupou o terreno da Vila Amizade para a construção dos prédios para classe média. Eu não entrei porque não quis. A gente vai se envolvendo quando vê já está dentro.
 
Conheci muita gente, muitas lideranças por causa da capoeira, e as coisas acontecem naturalmente.
 
Depois veio a época do Brizola. Ele facilitou muitas coisas para a comunidade. Porque até então as comunidades eram perseguidas pela policia. Era muita pancadaria. A gente entrava numa comunidade, tinha que correr para não apanhar. Era muita covardia, muita violência.
 
Mas a capoeira ajudou, porque a gente era respeitado.
 
E por isso eu entrei em comunidades que tinha tráfico, que estavam crescendo. Eles não mexiam com a gente.
 
O Terreirão. Eles eram pescadores e viviam na beira da praia. Quando começaram a chegar os ricos, eles foram expulsos dali. Eles foram afastados da beira da praia pra dentro.
 
Depois com o tempo formou o Jardim Recreio, e depois o Chico Mendes, foi uma ocupação ali na praia.
 
Tiraram uma parte, mas a outra parte ficou porque eles iam da praia até o Parque Chico Mendes. Quando criaram o Parque Chico Mendes e tiraram as pessoas dali. Ai criou a Vila Amizade.
 
O Parque Chico Mendes é uma área fechada, foi feito pela Prefeitura. Para fazer o Parque tiraram os moradores. Eles não tinham pra onde ir e ocuparam o Canal da Tasas 1984 – criou a Vila Amizade.
 
Harmonia, Restinga eram próximas a praia, e eram de pescadores. Já o Rio das Pedras começou por causa das obras na Barra: Carrefour, Barra Shopping e os condomínios. Terminaram as obras – as pessoas ficavam por ali mesmo. Hoje em dia é uma coisa monstruosa, mas era uma coisa pequena.
 
Quando eu vim morar aqui, Rio das Pedras, era como um Sitio – uma casa aqui outra ali. Eu vi aquilo ali praticamente sem nada.
 
Hoje é uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, só perde pra Rocinha, em tamanho. E veio por causa da construção civil, a Barra começou a crescer, Jacarepaguá começou a crescer. E até hoje está crescendo, e as obras vão trazendo as pessoas pra cá – e as pessoas vão criando outras comunidades – porque facilita.
 
As comunidades se instalam, mas depois querem tirar – porque pra eles é uma coisa feia.
 
A classe média não quer o pobre perto deles. Eles querem tudo bonitinho, e o pobre é a parte feia da sociedade.
 
Recreio. São três comunidades No Posto 12, na Juca Machado. Ali é Jardim Recreio, Papo Amarelo e Parque Chico Mendes. São três comunidades coladas uma na outra.
 
Quem não conhece o Recreio, eles dão tudo como Terreirão, mas não é. Ali são essas três comunidades.
 
A capoeira visa à liberdade, a gente luta pela liberdade desde a época dos escravos. A gente sempre foi oprimido. Porque a raça negra no Brasil só serviu par ser escravizada. A capoeira dentro disso aí é liberdade.
 
E o que você quer com moradia?
 
Você quer ter liberdade. Você paga aluguel. Você quer se livrar disto – de ficar preso ao sistema.
 
Você quer ter liberdade. Então capoeira tem haver com esta luta.
 
A sociedade custou a ainda custa aceitar a capoeira como cultura, como arte.
 
Já valorizou, já somos reconhecidos, mis ainda temos que lutar. A capoeira sempre fica de lado.
 
Assim como o pobre das favelas, sempre é colocado de lado. A capoeira tem haver com a luta. Quando fala capoeira – está lutando por liberdade, quando fala moradia – você está lutando por liberdade. Cada um quer ter sua casa, sua vida. O pobre é sempre oprimido. A capoeira também.
 
Você pega a história do Rio de Janeiro, a capoeira está enfiada na história do Rio de Janeiro.
 
As maltas – eram grupos de capoeira antigos na fundação do Rio. Os escravos quando vieram pra trabalhar na lavoura, engenho – eles criaram a capoeira para se libertar disto.
 
E continua lutando por moradia.
 
Uma remoção, tirados a força – a luta é por quê? É por liberdade.
 
Você fica ali preso, por um sistema, que quer te oprimir, quer te obrigar – pagar – pagar aluguel, pagar taxas.
 
Aonde eu vou com a capoeira, os mestres que já formei – por onde eu fui – o trabalho é de consciência.
 
Fatos – Desde o inicio – quando vim morar aqui.
 
No Governo Brizola. Ele dizia que as pessoas eram cidadãos e tinham que ser respeitados.
 
Naquela época, a polícia metia o pé na porta do pobre, e entrava. E você não podia fazer nada.
 
Como você ai lutar com homens armados.
 
Então ele deu dignidade para o pobre – pra ser respeitado.
 
Quando ele deu esse direito – a gente começou a ver que poderia lutar.
 
E as comunidades começam a lutar.
 
E algumas que nem existiam mais como a Harmonia, a Restinga.&nbsp;
 
Ai a gente começou a lutar.
 
A luta das comunidades que foram removidas – mesmo o Brizola dando o direito, o Estado ainda é contra.
 
E a elite só quer o pobre trabalhando prá eles.
 
Antigamente Jacarepaguá era lugar de pobre.
 
Onde é a Vila Autódromo – ali era Jacarepaguá.
 
Hoje é Barra da Tijuca. Porque é Barra – porque é elite.
 
Porque quiseram dividir a Barra como Municipio.
 
Porque eles queriam dividir ricos prá cá, pobres prá lá.
 
Vargem Pequena, Vargem Grande – quando morei ali – eram Sítios, Lavouras. Hoje ali está cheio de condomínios de classe média. E eles não querem os pobres por perto. Ou só trabalhando pra eles – é o motorista, o carpinteiro, faxineiro, eletricista – mas pra ser vizinho não serve.
 
Mas quem veio morar aqui primeiro foi o pobre. Aqui era um lugar complicado de se viver, complicado, com saúde, transporte.
 
E hoje – quanto mais condomínios, mais seremos afastados.
 
O Rio Centro – de 70/80 – me lembro da bomba que era pra explodir ali – no Mês de Maio. Se aquela bomba explode ia ser uma tragédia.
 
Ali tinham várias comunidades. A gente andava por ali – para tomar banho na Lagoa de Camorim. Ali não tinha condução. Só na Bandeirante – 1 pista só.
 
A gente saia de Vargem Pequena a pé, ia tomar banho naquela Lagoa ali. Pescar.
 
E começaram fazer um Centro ali.
 
E tirando vários grupos de moradores.
 
Inclusive a Vila Autódromo – Ela cresceu ali depois da remoção no lugar do Rio Centro.
 
O Brizola deu uma autorização para eles viverem ali por 100 (90) anos.
 
E esta autorização foi rasgada.
 
A Arroio Pavuna era enorme – Parte saiu e surgiu o Condomínio Rio 2.
 
Antes de tudo era Jacarepaguá.
 
Atualmente vai ser Barra e o IPTU vai ser mais caro, o nível vai ser outro.
 
Parte das ocupações no local do Rio Centro foi parar no Camorim, e Alto Comorim – onde mora a Maraci.
 
Agora estão construindo a Vila dos Atletas – vai ser muito bonito, mas o povo vai ter que ir pra fora, jogado fora.
 
No primeiro mandato do Brizola. 1982 – as ocupações em Jacarepaguá explodiram.
 
Cresceu o Rio das Pedras, Muzema, Pai João, eram comunidades pequenas que cresceram.
 
Na época do Moreira Franco, ele travou muita coisa. Ele era PMDB – e era Governo de Elite – o povo fica oprimido, e muita coisa trava.
 
Quando volta o Brizola.
 
Fizeram várias obras nas Comunidades.
 
Teve também o Favela Bairro.
 
Começam a urbanizar.
 
O Prefeito César Maia, que era do mesmo partido do Brizola, depois que brigou com ele – saiu do PDT.
 
Ele Prefeito, o Eduardo Paes era prefeitinho da Barra.
 
Ai começou a sair, Marapendi, Via Parque.
 
E aí começou a perseguição das Comunidades.
 
As mudanças de Governo, sempre atingem as comunidades.
 
Moradia e Saúde
 
Saúde está ligado a saneamento básico – se você não tem, não tem saúde.
 
Nas comunidades eram valas abertas, saneamento zero.
 
Os hospitais Cardoso Fontes – que não nos atende.
 
O Lourenço Jorge é de emergência.
 
Saúde ainda está por melhorar.
 
O Favela bairro, ajudou um pouco nisto.
 
A Cidade de Deus foi uma ocupação feita pelo Estado. O Estado fez o conjunto e veio pessoal todo de fora. Praia do Pinto – As favelas vieram não por vontade. Foram trazidas – Na praia do Pinto houve um incêndio.
 
Vir pra Jacarepaguá era difícil.
 
Ninguém queria vir pra cá - era forçado.
 
Já no Recreio – Vargem Pequena – já eram pescadores - Vargem Pequena – era lavoura.
 
Beira Rio – era comunidade de lavoura.
 
Eram ocupações mais naturais.
 
A ação dos grilheiros.
 
Os grilheiros eram pessoas de grilheiros
 
Eu fui envolvido numa ocupação na Bandeirante.
 
Ai apareceu muitos policiais civis armados e expulsaram a gente. E recuamos – aí os policiais entraram, lotearam e venderam as terras, como sendo deles.
 
Eles têm ligações e influencia, na prefeitura, no Estado. Tem advogados fortes.
 
Forjam documentos.
 
Um bom exemplo é na Taboinha. Ali apareceram 6 donos, com documentos, dizendo ser o dono, 6 donos diferentes, provando com documentos.
 
Eles forjam os documentos.&nbsp;
 
Quando surgiu a Monte Serrá – eu conheci o dono.
 
Ele morreu.&nbsp;
 
As pessoas ocuparam. Hoje ainda está lá. Os grilheiros não quiseram.
 
Eles tomam certos terrenos bem localizados. Ai vem armados, com policiais.
 
Ameaças.
 
Infelizmente a gente sempre sofre ameaças.
 
Quem mexe com terra – isso envolve dinheiro. Nosso interesse é ter nossa moradia, mas o grilheiro visa o dinheiro fácil.
 
Apropria-se de terra alheia, e vende para ter lucro.


No meu tempo – eu tive apoio na época de comerciantes. E tinha o respeito pela Capoeira.
Meu nome é Guaraci Jorge dos Santos, nasci no Rio de Janeiro, em Botafogo. Tenho formação técnica em contabilidade, cheguei a fazer comunicação na Estácio, mas não concluí por questões financeiras. Sou Mestre e Capoeira e trabalho com crianças.  


Mas estávamos mexendo com coisa muito forte em terreno perigoso.
Vim morar em Jacarepaguá em 1977 – quando Jacarepaguá era bem atrasado. Estrada dos Bandeirantes era só uma pista. Vim pelo clima, o ar que era muito agradável na época. Em 77 era bem atrasado. E eu não conhecia nada, nem militava, porque fui criado em Botafogo, Tijuca, era outra coisa. Chegando aqui, até ter amizade e conhecimento com as pessoas, levou 1 ano. Aqui era muito estranho: tinha problemas de condução, não tinha hospital. Tinha [hospital] para tuberculoso, o Santa Maria, tinha para a Colônia – tinha um postinho de saúde em Vargem Pequena, onde eu morei 15 anos, perto da Rua José Duarte. Em 78 e que comecei a viver mais aqui. Em 80 já vi as ocupações. Vi muita confusão. Aquela coisa de terra. E eu custei a entender isto. Mas com o tempo a gente vai compreendendo. E participei de algumas [ocupações]. Tive terreno no Camorim. Acabei não ficando com o terreno. Mas participei de muita coisa.


Quando entramos neste terreno na Bandeirantes – a noite – o terreno estava abandonado, e a gente tinha a luta e mais nada.
A partir da capoeira, é que comecei a entrar nas comunidades. Eu entrei na [[Cidade de Deus (favela)|Cidade de Deus]], numa época em que a Cidade de Deus era muito violenta. Época do Zé Pequeno, Mané Galinha aquela época brava. Como eu era capoeirista, a gente era respeitado, ninguém mexia com a gente. A gente tinha esse aval, é como é hoje, o pessoal das igrejas que entram nas comunidades. E eu fazia um trabalho com crianças, como faço até hoje. E foi isso que fez eu entrar (sic) no movimento. O esporte, que me ajudou a compreender.


Os grilheiros sempre chegavam armados.
=== As ocupações ===
No Recreio, nessa época tinha o Terreirão – que era uma colônia de pescadores. Parque Chico Mendes surge na década de 80. A Vila Amizade foi em 1987, foi uma briga que o pessoal da Vila Recreio ocupou o terreno da Vila Amizade para a construção dos prédios para classe média. Eu não entrei porque não quis. A gente vai se envolvendo, quando vê, já está dentro. Conheci muita gente, muitas lideranças por causa da capoeira, e as coisas aconteceram naturalmente. Depois veio a época do Brizola. Ele facilitou muitas coisas para a comunidade. Porque até então as comunidades eram perseguidas pela policia. Era muita pancadaria. A gente entrava numa comunidade, tinha que correr para não apanhar. Era muita covardia, muita violência. Mas a capoeira ajudou, porque a gente era respeitado. E por isso eu entrei em comunidades que tinha tráfico, que estavam crescendo. Eles não mexiam com a gente. O Terreirão. Eles eram pescadores e viviam na beira da praia. Quando começaram a chegar os ricos, eles foram expulsos dali. Eles foram afastados da beira da praia pra dentro. Depois com o tempo formou o Jardim Recreio, e depois o Chico Mendes, que foi uma ocupação ali na praia. Tiraram uma parte, mas a outra parte ficou porque eles iam da praia até o Parque Chico Mendes. Quando criaram o Parque Chico Mendes e tiraram as pessoas dali. Ai criou a Vila Amizade. O Parque Chico Mendes é uma área fechada, foi feito pela Prefeitura. Para fazer o Parque tiraram os moradores. Eles não tinham pra onde ir e ocuparam o Canal da Tasas 1984 – [onde] criou a Vila Amizade. Harmonia, Restinga eram próximas a praia, e eram de pescadores. Já o Rio das Pedras começou por causa das obras na Barra: Carrefour, Barra Shopping e os condomínios. Terminaram as obras – as pessoas ficavam por ali mesmo. Hoje em dia é uma coisa monstruosa, mas era uma coisa pequena.


A gente perdeu algumas lutas.
Quando eu vim morar aqui, [[Rio das Pedras]], era como um sítio, uma casa aqui outra ali. Eu vi aquilo ali praticamente sem nada. Hoje é uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, só perde pra Rocinha, em tamanho. E veio por causa da construção civil, a Barra começou a crescer, Jacarepaguá começou a crescer. E até hoje está crescendo, e as obras vão trazendo as pessoas pra cá – e as pessoas vão criando outras comunidades – porque facilita. As comunidades se instalam, mas depois querem tirar – porque pra eles é uma coisa feia. A classe média não quer o pobre perto deles. Eles querem tudo bonitinho, e o pobre é a parte feia da sociedade. Recreio. São três comunidades no Posto 12, na Juca Machado. Ali é Jardim Recreio, Papo Amarelo e Parque Chico Mendes. São três comunidades coladas uma na outra. Quem não conhece o Recreio, eles dão tudo como Terreirão, mas não é. Ali são essas três comunidades.  


Depois houve a Mont Serrá e esta ficou e está até hoje.
=== A capoeira ===
A capoeira visa à liberdade, a gente luta pela liberdade desde a época dos escravos. A gente sempre foi oprimido. Porque a raça negra no Brasil só serviu pra ser escravizada. A capoeira dentro disso aí é liberdade. E o que você quer com moradia? Você quer ter liberdade. Você paga aluguel. Você quer se livrar disso – de ficar preso ao sistema. Você quer ter liberdade. Então capoeira tem a ver com essa luta.  


Sempre fomos ameaçados.
A sociedade custou e ainda custa aceitar a capoeira como cultura, como arte. Já valorizou, já somos reconhecidos, mais ainda temos que lutar. A capoeira sempre fica de lado. Assim como o pobre das favelas, sempre é colocado de lado. A capoeira tem a ver com a luta. Quando fala capoeira, você está lutando por liberdade, quando fala moradia, você está lutando por liberdade. Cada um quer ter sua casa, sua vida. O pobre é sempre oprimido. A capoeira também.


O papel da Fiocruz.
Você pega a história do Rio de Janeiro, a capoeira está enfiada na história do Rio de Janeiro. As maltas eram grupos de capoeiras antigos na fundação do Rio. Os escravos quando vieram pra trabalhar na lavoura, engenho, eles criaram a capoeira para se libertar disso. E continuam lutando por moradia. Uma remoção, tirados a força, a luta é por quê? É por liberdade. Você fica ali preso, por um sistema, que quer te oprimir, quer te obrigar a pagar, pagar aluguel, pagar taxas. Aonde eu vou com a capoeira, os mestres que já formei, por onde eu fui, o trabalho é de consciência.


A Fio Cruz veio pra Colônia – com o objetivo de dar curso s e fazer alguns projetos – só que eu acho que poderia fazer muito mais. É Governo Federal, é uma instituição que pode ajudar muito – e eu estou achando que está faltando coisas que poderiam fazer.
=== As políticas de governo ===
Fatos, desde o inicio, quando vim morar aqui. No governo [[Leonel Brizola|Brizola]], ele dizia que as pessoas eram cidadãos (sic) e tinham que ser respeitados. Naquela época, a polícia metia o pé na porta do pobre, e entrava. E você não podia fazer nada. Como você vai lutar com homens armados? Então ele deu dignidade para o pobre, pra ser respeitado. Quando ele deu esse direito, a gente começou a ver que poderia lutar. E as comunidades começam a lutar. E algumas que nem existiam mais como a Harmonia, a Restinga. Aí a gente começou a lutar. A luta das comunidades que foram removidas, mesmo o Brizola dando o direito, o Estado ainda é contra. E a elite só quer o pobre trabalhando prá eles (sic).


Teria que trabalhar com jovens – quando eu vim para cá vim por causa do PROETA para jovens e isto não foi implantado.
Antigamente Jacarepaguá era lugar de pobre. Onde é a Vila Autódromo, ali era Jacarepaguá. Hoje é Barra da Tijuca. Porque é Barra, porque é elite. Porque quiseram dividir a Barra como Município. Porque eles queriam dividir ricos prá cá, pobres prá lá. Vargem Pequena, Vargem Grande, quando morei ali, eram sítios, lavouras. Hoje ali está cheio de condomínios de classe média. E eles não querem os pobres por perto. Ou só trabalhando pra eles é o motorista, o carpinteiro, faxineiro, eletricista mas pra ser vizinho não serve. Mas quem veio morar aqui primeiro foi o pobre. Aqui era um lugar complicado de se viver, complicado, com saúde, transporte. E hoje, quanto mais condomínios, mais seremos afastados.


O que está faltando na nossa área é escola.
O Rio Centro – de 70/80 – me lembro da bomba que era pra explodir ali, no Mês de Maio. Se aquela bomba explode ia ser uma tragédia. Ali tinham várias comunidades. A gente andava por ali – para tomar banho na Lagoa de Camorim. Ali não tinha condução. Só na Bandeirante – 1 pista só. A gente saía de Vargem Pequena a pé, ia tomar banho naquela Lagoa ali. Pescar. E começaram a fazer um Centro ali. E tirando vários grupos de moradores. Inclusive a [[Vila Autódromo: remoção e resistência|Vila Autódromo]] – ela cresceu ali depois da remoção no lugar do Rio Centro. O Brizola deu uma autorização para eles viverem ali por 100 (90) anos. E esta autorização foi rasgada. A Arroio Pavuna era enorme. Parte saiu e surgiu o Condomínio Rio 2. Antes de tudo era Jacarepaguá. Atualmente vai ser Barra e o IPTU vai ser mais caro, o nível vai ser outro. Parte das ocupações no local do Rio Centro foi parar no Camorim, e Alto Comorim – onde mora a Maraci. Agora estão construindo a Vila dos Atletas. Vai ser muito bonito, mas o povo vai ter que ir pra fora, jogado fora.


Em educação aqui ainda temos muito o que fazer, muito mesmo. Tudo.
No primeiro mandato do Brizola, em 1982, as ocupações em Jacarepaguá explodiram. Cresceu o Rio das Pedras, Muzema, Pai João, eram comunidades pequenas que cresceram. Na época do Moreira Franco, ele travou muita coisa. Ele era PMDB – e era governo de elite – o povo fica oprimido, e muita coisa trava. Quando volta o Brizola. Fizeram várias obras nas comunidades. Teve também o [[Favela-bairro (programa)|Favela-Bairro]]. Começam a urbanizar. O Prefeito César Maia, que era do mesmo partido do Brizola, depois que brigou com ele, saiu do PDT. Ele Prefeito, o Eduardo Paes era prefeitinho da Barra. Aí começou a sair, Marapendi, Via Parque. E aí começou a perseguição das comunidades. As mudanças de governo, sempre atingem as comunidades. Moradia e saúde. Saúde está ligado a saneamento básico – se você não tem, não tem saúde. Nas comunidades eram valas abertas, saneamento zero. Os hospitais Cardoso Fontes – que não nos atende. O Lourenço Jorge é de emergência. Saúde ainda está por melhorar. O Favela-Bairro ajudou um pouco nisso.


Educação, esporte, saúde – está devendo isto.&nbsp;
=== A ação dos grileiros ===
A Cidade de Deus foi uma ocupação feita pelo Estado. O Estado fez o conjunto e veio pessoal todo de fora. Praia do Pinto, as favelas vieram não por vontade. Foram trazidas. Na praia do Pinto houve um incêndio. Vir pra Jacarepaguá era difícil. Ninguém queria vir pra cá - era forçado. Já no Recreio, Vargem Pequena, já eram pescadores. Vargem Pequena era lavoura. Beira Rio era comunidade de lavoura. Eram ocupações mais naturais. A ação dos grileiros. Os grileiros eram pessoas de grileiros. Eu fui envolvido numa ocupação na Bandeirante. Aí apareceu (sic) muitos policiais civis armados e expulsaram a gente. E recuamos. Aí os policiais entraram, lotearam e venderam as terras, como sendo deles. Eles têm ligações e influência, na Prefeitura, no Estado. Têm advogados fortes, forjam documentos. Um bom exemplo é na Taboinha. Ali apareceram 6 donos, com documentos, dizendo ser o dono, 6 donos diferentes, provando com documentos. Eles forjam os documentos. Quando surgiu a Mont Serrat, eu conheci o dono. Ele morreu.  As pessoas ocuparam. Hoje ainda está lá. Os grileiros não quiseram. Eles tomam certos terrenos bem localizados. Aí vêm armados, com policiais.  


Precisamos de uma boa escola técnica para os jovens. Hoje eles têm que ir pro Maracanã. Tem que sair de Jacarepaguá. Pode ter uma boa escola técnica aqui. E vamos lutar pra isto.
Infelizmente, a gente sempre sofre ameaças. Quem mexe com terra, isso envolve dinheiro. Nosso interesse é ter nossa moradia, mas o grileiro visa o dinheiro fácil. Apropria-se de terra alheia, e vende para ter lucro. No meu tempo, eu tive apoio na época de comerciantes. E tinha o respeito pela Capoeira. Mas estávamos mexendo com coisa muito forte em terreno perigoso. Quando entramos nesse terreno na Bandeirantes, à noite, o terreno estava abandonado, e a gente só tinha a luta e mais nada. Os grileiros sempre chegavam armados. A gente perdeu algumas lutas. Depois houve a Mont Serrat e esta ficou e está até hoje. Sempre fomos ameaçados.


O que te move?
=== O papel da Fiocruz ===
A '''[[Wikifavelas:Fundação_Oswaldo_Cruz | Fiocruz]]''' veio pra Colônia com o objetivo de dar cursos e fazer alguns projetos, só que eu acho que poderia fazer muito mais. É Governo Federal, é uma instituição que pode ajudar muito, e eu estou achando que está faltando coisas que poderiam fazer. Teria que trabalhar com jovens, quando eu vim para cá, vim por causa do PROETA, para jovens e isto não foi implantado. O que está faltando na nossa área é escola.


O que me deixa lutar É que as comunidades são oprimidas. Aqui falta transporte, educação, saúde. Agente luta pra poder viver com dignidade – agente luta pelo bairro, pelo local para ver este bairro não ser oprimido.
Em educação aqui ainda temos muito o que fazer, muito mesmo. Tudo: educação, esporte, saúde – está devendo isto. Precisamos de uma boa escola técnica para os jovens. Hoje eles têm que ir pro Maracanã. Tem que sair de Jacarepaguá. Pode ter uma boa escola técnica aqui. E vamos lutar pra isto.


Temos diretos iguais.Nós somos empurrados, tirados, para os grandes bairros Estamos sempre lutando! Sempre alerta porque a elite sempre vai nos botar pra baixo.
=== A luta ===
O que me deixa lutar, é que as comunidades são oprimidas. Aqui falta transporte, educação, saúde. A gente luta pra poder viver com dignidade, a gente luta pelo bairro, pelo local para ver este bairro não ser oprimido. Temos diretos iguais. Nós somos empurrados, tirados, para os grandes bairros. Estamos sempre lutando! Sempre alerta, porque a elite sempre vai nos botar pra baixo.


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== Outros depoimentos ==
'''Para acessar os depoimentos e as transcrições, clique nos links abaixo:'''


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# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Dona Jane: [[Dona Jane (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - João Marco: [[João Marco (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - José Jorge: [[José Jorge (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Renato Dória: [[Renato Dória (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Sandra Maria Rosa: [[Sandra Maria Rosa (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Maria Zélia Carneiro Dazzi: [[Maria Zélia Carneiro Dazzi (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Luiz Alberto de Jesus: [[Luiz Alberto de Jesus (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Noemia Caetano: [[Noemia Caetano (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Almir Paulo: [[Almir Paulo (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Alexandre Grabas: [[Alexandre Grabas (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Valmira: [[Valmira (entrevista)|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Altair Antunes de Moraes: [[Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Altair|acesse clicando aqui]]
# Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Seu Olívio: [[Seu Olívio (entrevista)|acesse clicando aqui]]


&nbsp;
== Veja também ==
*[[Histórias, Memórias, Oralidades e Cartografia da Luta Social por Terra e Moradia na Região de Jacarepaguá]]*
*[[Jornal Abaixo-assinado de Jacarepaguá]]*
*[[Irmão do Morro (documentário)]]* 


[[Category:Temática - Habitação]][[Category:Temática - Depoimentos]][[Category:Jacarepaguá]][[Category:Vídeo]]
[[Category:Temática - Habitação]]
[[Category:Temática - Depoimentos]]
[[Categoria:História de vida]]
[[Categoria:Capoeira]]
[[Category:Vídeos]]
[[Category:Jacarepaguá]]
[[Categoria:Rio de Janeiro]]

Edição atual tal como às 13h24min de 30 de janeiro de 2024

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz- Mata Atlântica, em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira.  

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Fonte: Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social da Fiocruz, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Guaraci Mestre Capoeira Jacarepaguá.jpeg

Entrevista[editar | editar código-fonte]

 

 

Transcrição da entrevista[editar | editar código-fonte]

Meu nome é Guaraci Jorge dos Santos, nasci no Rio de Janeiro, em Botafogo. Tenho formação técnica em contabilidade, cheguei a fazer comunicação na Estácio, mas não concluí por questões financeiras. Sou Mestre e Capoeira e trabalho com crianças.

Vim morar em Jacarepaguá em 1977 – quando Jacarepaguá era bem atrasado. Estrada dos Bandeirantes era só uma pista. Vim pelo clima, o ar que era muito agradável na época. Em 77 era bem atrasado. E eu não conhecia nada, nem militava, porque fui criado em Botafogo, Tijuca, era outra coisa. Chegando aqui, até ter amizade e conhecimento com as pessoas, levou 1 ano. Aqui era muito estranho: tinha problemas de condução, não tinha hospital. Tinha [hospital] para tuberculoso, o Santa Maria, tinha para a Colônia – tinha um postinho de saúde em Vargem Pequena, onde eu morei 15 anos, perto da Rua José Duarte. Em 78 e que comecei a viver mais aqui. Em 80 já vi as ocupações. Vi muita confusão. Aquela coisa de terra. E eu custei a entender isto. Mas com o tempo a gente vai compreendendo. E participei de algumas [ocupações]. Tive terreno no Camorim. Acabei não ficando com o terreno. Mas participei de muita coisa.

A partir da capoeira, é que comecei a entrar nas comunidades. Eu entrei na Cidade de Deus, numa época em que a Cidade de Deus era muito violenta. Época do Zé Pequeno, Mané Galinha – aquela época brava. Como eu era capoeirista, a gente era respeitado, ninguém mexia com a gente. A gente tinha esse aval, é como é hoje, o pessoal das igrejas que entram nas comunidades. E eu fazia um trabalho com crianças, como faço até hoje. E foi isso que fez eu entrar (sic) no movimento. O esporte, que me ajudou a compreender.

As ocupações[editar | editar código-fonte]

No Recreio, nessa época tinha o Terreirão – que era uma colônia de pescadores. Parque Chico Mendes surge na década de 80. A Vila Amizade foi em 1987, foi uma briga que o pessoal da Vila Recreio ocupou o terreno da Vila Amizade para a construção dos prédios para classe média. Eu não entrei porque não quis. A gente vai se envolvendo, quando vê, já está dentro. Conheci muita gente, muitas lideranças por causa da capoeira, e as coisas aconteceram naturalmente. Depois veio a época do Brizola. Ele facilitou muitas coisas para a comunidade. Porque até então as comunidades eram perseguidas pela policia. Era muita pancadaria. A gente entrava numa comunidade, tinha que correr para não apanhar. Era muita covardia, muita violência. Mas a capoeira ajudou, porque a gente era respeitado. E por isso eu entrei em comunidades que tinha tráfico, que estavam crescendo. Eles não mexiam com a gente. O Terreirão. Eles eram pescadores e viviam na beira da praia. Quando começaram a chegar os ricos, eles foram expulsos dali. Eles foram afastados da beira da praia pra dentro. Depois com o tempo formou o Jardim Recreio, e depois o Chico Mendes, que foi uma ocupação ali na praia. Tiraram uma parte, mas a outra parte ficou porque eles iam da praia até o Parque Chico Mendes. Quando criaram o Parque Chico Mendes e tiraram as pessoas dali. Ai criou a Vila Amizade. O Parque Chico Mendes é uma área fechada, foi feito pela Prefeitura. Para fazer o Parque tiraram os moradores. Eles não tinham pra onde ir e ocuparam o Canal da Tasas 1984 – [onde] criou a Vila Amizade. Harmonia, Restinga eram próximas a praia, e eram de pescadores. Já o Rio das Pedras começou por causa das obras na Barra: Carrefour, Barra Shopping e os condomínios. Terminaram as obras – as pessoas ficavam por ali mesmo. Hoje em dia é uma coisa monstruosa, mas era uma coisa pequena.

Quando eu vim morar aqui, Rio das Pedras, era como um sítio, uma casa aqui outra ali. Eu vi aquilo ali praticamente sem nada. Hoje é uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, só perde pra Rocinha, em tamanho. E veio por causa da construção civil, a Barra começou a crescer, Jacarepaguá começou a crescer. E até hoje está crescendo, e as obras vão trazendo as pessoas pra cá – e as pessoas vão criando outras comunidades – porque facilita. As comunidades se instalam, mas depois querem tirar – porque pra eles é uma coisa feia. A classe média não quer o pobre perto deles. Eles querem tudo bonitinho, e o pobre é a parte feia da sociedade. Recreio. São três comunidades no Posto 12, na Juca Machado. Ali é Jardim Recreio, Papo Amarelo e Parque Chico Mendes. São três comunidades coladas uma na outra. Quem não conhece o Recreio, eles dão tudo como Terreirão, mas não é. Ali são essas três comunidades.

A capoeira[editar | editar código-fonte]

A capoeira visa à liberdade, a gente luta pela liberdade desde a época dos escravos. A gente sempre foi oprimido. Porque a raça negra no Brasil só serviu pra ser escravizada. A capoeira dentro disso aí é liberdade. E o que você quer com moradia? Você quer ter liberdade. Você paga aluguel. Você quer se livrar disso – de ficar preso ao sistema. Você quer ter liberdade. Então capoeira tem a ver com essa luta.

A sociedade custou e ainda custa aceitar a capoeira como cultura, como arte. Já valorizou, já somos reconhecidos, mais ainda temos que lutar. A capoeira sempre fica de lado. Assim como o pobre das favelas, sempre é colocado de lado. A capoeira tem a ver com a luta. Quando fala capoeira, você está lutando por liberdade, quando fala moradia, você está lutando por liberdade. Cada um quer ter sua casa, sua vida. O pobre é sempre oprimido. A capoeira também.

Você pega a história do Rio de Janeiro, a capoeira está enfiada na história do Rio de Janeiro. As maltas eram grupos de capoeiras antigos na fundação do Rio. Os escravos quando vieram pra trabalhar na lavoura, engenho, eles criaram a capoeira para se libertar disso. E continuam lutando por moradia. Uma remoção, tirados a força, a luta é por quê? É por liberdade. Você fica ali preso, por um sistema, que quer te oprimir, quer te obrigar a pagar, pagar aluguel, pagar taxas. Aonde eu vou com a capoeira, os mestres que já formei, por onde eu fui, o trabalho é de consciência.

As políticas de governo[editar | editar código-fonte]

Fatos, desde o inicio, quando vim morar aqui. No governo Brizola, ele dizia que as pessoas eram cidadãos (sic) e tinham que ser respeitados. Naquela época, a polícia metia o pé na porta do pobre, e entrava. E você não podia fazer nada. Como você vai lutar com homens armados? Então ele deu dignidade para o pobre, pra ser respeitado. Quando ele deu esse direito, a gente começou a ver que poderia lutar. E as comunidades começam a lutar. E algumas que nem existiam mais como a Harmonia, a Restinga. Aí a gente começou a lutar. A luta das comunidades que foram removidas, mesmo o Brizola dando o direito, o Estado ainda é contra. E a elite só quer o pobre trabalhando prá eles (sic).

Antigamente Jacarepaguá era lugar de pobre. Onde é a Vila Autódromo, ali era Jacarepaguá. Hoje é Barra da Tijuca. Porque é Barra, porque é elite. Porque quiseram dividir a Barra como Município. Porque eles queriam dividir ricos prá cá, pobres prá lá. Vargem Pequena, Vargem Grande, quando morei ali, eram sítios, lavouras. Hoje ali está cheio de condomínios de classe média. E eles não querem os pobres por perto. Ou só trabalhando pra eles – é o motorista, o carpinteiro, faxineiro, eletricista – mas pra ser vizinho não serve. Mas quem veio morar aqui primeiro foi o pobre. Aqui era um lugar complicado de se viver, complicado, com saúde, transporte. E hoje, quanto mais condomínios, mais seremos afastados.

O Rio Centro – de 70/80 – me lembro da bomba que era pra explodir ali, no Mês de Maio. Se aquela bomba explode ia ser uma tragédia. Ali tinham várias comunidades. A gente andava por ali – para tomar banho na Lagoa de Camorim. Ali não tinha condução. Só na Bandeirante – 1 pista só. A gente saía de Vargem Pequena a pé, ia tomar banho naquela Lagoa ali. Pescar. E começaram a fazer um Centro ali. E tirando vários grupos de moradores. Inclusive a Vila Autódromo – ela cresceu ali depois da remoção no lugar do Rio Centro. O Brizola deu uma autorização para eles viverem ali por 100 (90) anos. E esta autorização foi rasgada. A Arroio Pavuna era enorme. Parte saiu e surgiu o Condomínio Rio 2. Antes de tudo era Jacarepaguá. Atualmente vai ser Barra e o IPTU vai ser mais caro, o nível vai ser outro. Parte das ocupações no local do Rio Centro foi parar no Camorim, e Alto Comorim – onde mora a Maraci. Agora estão construindo a Vila dos Atletas. Vai ser muito bonito, mas o povo vai ter que ir pra fora, jogado fora.

No primeiro mandato do Brizola, em 1982, as ocupações em Jacarepaguá explodiram. Cresceu o Rio das Pedras, Muzema, Pai João, eram comunidades pequenas que cresceram. Na época do Moreira Franco, ele travou muita coisa. Ele era PMDB – e era governo de elite – o povo fica oprimido, e muita coisa trava. Quando volta o Brizola. Fizeram várias obras nas comunidades. Teve também o Favela-Bairro. Começam a urbanizar. O Prefeito César Maia, que era do mesmo partido do Brizola, depois que brigou com ele, saiu do PDT. Ele Prefeito, o Eduardo Paes era prefeitinho da Barra. Aí começou a sair, Marapendi, Via Parque. E aí começou a perseguição das comunidades. As mudanças de governo, sempre atingem as comunidades. Moradia e saúde. Saúde está ligado a saneamento básico – se você não tem, não tem saúde. Nas comunidades eram valas abertas, saneamento zero. Os hospitais Cardoso Fontes – que não nos atende. O Lourenço Jorge é de emergência. Saúde ainda está por melhorar. O Favela-Bairro ajudou um pouco nisso.

A ação dos grileiros[editar | editar código-fonte]

A Cidade de Deus foi uma ocupação feita pelo Estado. O Estado fez o conjunto e veio pessoal todo de fora. Praia do Pinto, as favelas vieram não por vontade. Foram trazidas. Na praia do Pinto houve um incêndio. Vir pra Jacarepaguá era difícil. Ninguém queria vir pra cá - era forçado. Já no Recreio, Vargem Pequena, já eram pescadores. Vargem Pequena era lavoura. Beira Rio era comunidade de lavoura. Eram ocupações mais naturais. A ação dos grileiros. Os grileiros eram pessoas de grileiros. Eu fui envolvido numa ocupação na Bandeirante. Aí apareceu (sic) muitos policiais civis armados e expulsaram a gente. E recuamos. Aí os policiais entraram, lotearam e venderam as terras, como sendo deles. Eles têm ligações e influência, na Prefeitura, no Estado. Têm advogados fortes, forjam documentos. Um bom exemplo é na Taboinha. Ali apareceram 6 donos, com documentos, dizendo ser o dono, 6 donos diferentes, provando com documentos. Eles forjam os documentos. Quando surgiu a Mont Serrat, eu conheci o dono. Ele morreu.  As pessoas ocuparam. Hoje ainda está lá. Os grileiros não quiseram. Eles tomam certos terrenos bem localizados. Aí vêm armados, com policiais.

Infelizmente, a gente sempre sofre ameaças. Quem mexe com terra, isso envolve dinheiro. Nosso interesse é ter nossa moradia, mas o grileiro visa o dinheiro fácil. Apropria-se de terra alheia, e vende para ter lucro. No meu tempo, eu tive apoio na época de comerciantes. E tinha o respeito pela Capoeira. Mas estávamos mexendo com coisa muito forte em terreno perigoso. Quando entramos nesse terreno na Bandeirantes, à noite, o terreno estava abandonado, e a gente só tinha a luta e mais nada. Os grileiros sempre chegavam armados. A gente perdeu algumas lutas. Depois houve a Mont Serrat e esta ficou e está até hoje. Sempre fomos ameaçados.

O papel da Fiocruz[editar | editar código-fonte]

A Fiocruz veio pra Colônia com o objetivo de dar cursos e fazer alguns projetos, só que eu acho que poderia fazer muito mais. É Governo Federal, é uma instituição que pode ajudar muito, e eu estou achando que está faltando coisas que poderiam fazer. Teria que trabalhar com jovens, quando eu vim para cá, vim por causa do PROETA, para jovens e isto não foi implantado. O que está faltando na nossa área é escola.

Em educação aqui – ainda temos muito o que fazer, muito mesmo. Tudo: educação, esporte, saúde – está devendo isto. Precisamos de uma boa escola técnica para os jovens. Hoje eles têm que ir pro Maracanã. Tem que sair de Jacarepaguá. Pode ter uma boa escola técnica aqui. E vamos lutar pra isto.

A luta[editar | editar código-fonte]

O que me deixa lutar, é que as comunidades são oprimidas. Aqui falta transporte, educação, saúde. A gente luta pra poder viver com dignidade, a gente luta pelo bairro, pelo local para ver este bairro não ser oprimido. Temos diretos iguais. Nós somos empurrados, tirados, para os grandes bairros. Estamos sempre lutando! Sempre alerta, porque a elite sempre vai nos botar pra baixo.

Outros depoimentos[editar | editar código-fonte]

Para acessar os depoimentos e as transcrições, clique nos links abaixo:

  1. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Dona Jane: acesse clicando aqui
  2. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - João Marco: acesse clicando aqui
  3. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - José Jorge: acesse clicando aqui
  4. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Renato Dória: acesse clicando aqui
  5. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Sandra Maria Rosa: acesse clicando aqui
  6. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Maria Zélia Carneiro Dazzi: acesse clicando aqui
  7. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Luiz Alberto de Jesus: acesse clicando aqui
  8. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Noemia Caetano: acesse clicando aqui
  9. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Almir Paulo: acesse clicando aqui
  10. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Alexandre Grabas: acesse clicando aqui
  11. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Valmira: acesse clicando aqui
  12. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Altair Antunes de Moraes: acesse clicando aqui
  13. Histórias, Memórias e Oralidades em Jacarepaguá - Seu Olívio: acesse clicando aqui

Veja também[editar | editar código-fonte]