Guerra ao crime organizado? Favelas e intervenção militar

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 12h30min de 4 de janeiro de 2019 por Anaís Passos (discussão | contribs)

Desde a transição democrática, paradoxalmente, a periferia do Rio de Janeiro foi palco de intervenções militares para combater grupos criminais não estatais que se dedicam a venda de drogas. Tais decisões políticas são acompanhadas, a nível discursivo, pelo enquadramento dos mesmos como um ataque frontal ao nível tolerável de violência dentro do estado moderno. O qual requer, assim segue o argumento, uma reação militar à provocação dos “meliantes”. Este trabalho busca a compreender as dinâmicas de cooperação e conflito entre moradores de favelas e agentes militares, em um contexto de privação de recursos e redes clientelísticas que agregam atores legais e ilegais* . A partir de entrevistas semi estruturadas com moradores de favelas e agentes do estado, iremos analisar a “intervenção militar” a partir de uma perspectiva local. Um dos resultados da pesquisa é que, seja por imposição militar ou demanda civil, os militares desempenham funções de mediação de conflito entre vizinhos, estabelecimento de horários de lazer, proibição/autorização de eventos músicas, recebimento de denúncias anônimas e provisão de serviços públicos básicos. A percepção dos entrevistados é ambígua sobre estas funções. Em alguns casos, o desempenho de militares é considerado como “normal” e “mais eficiente” que o processamento de conflitos por agências civis. Em outros, especialmente quando se incorre no uso excessivo de violência, o desempenho de militares é visto como tão negativo como o da polícia. No limiar entre a guerra e a paz, este tipo de intervenção normaliza a presença de forças armadas no contexto urbano e subverte a separação entre segurança e defesa, aumentando os níveis de violência exercida domesticamente. Nesse contexto, “espirais” de vingança podem gerar a escalação de conflitos entre atores estatais e não estatais armados no interior de uma comunidade. Tais processos (assim iremos argumentar) refletem dinâmicas de militarização da sociedade em seus diferentes segmentos sociais, incluindo elites políticas e classes populares. Seja através de preocupação com a “estabilidade institucional” dos primeiros, ou o provimento básico de segurança física e serviços públicos pelos últimos, este estudo indica o enraizamento social do papel tutelar dos militares na sociedade brasileira.

Autora: Anaís Medeiros Passos


* Arias, “The Dynamics of Criminal Governance: Networks and Social Order in Rio de Janeiro.”