Leonel Brizola e as favelas do Rio

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Leonel Brizola e as favelas do Rio é um verbete que apresenta reflexões sobre a gestão de Brizola enquanto governador do estado do Rio de Janeiro e suas relações com as favelas cariocas.

Autoria: Vivaldo Barbosa.

Sobre[editar | editar código-fonte]

Durante a campanha a Governador, em 1982, Leonel Brizola proclamou inúmeras vezes: “No meu governo, a polícia não vai abrir as portas de um barraco a butinaço. Fará tudo na forma da lei, como em qualquer bairro”. Aplicação da lei para todos, a visão das injustiças que recaíam sobre os pobres, os mal tratos da nossa gente humilde, sentimentos que Brizola trazia ne pele. Não transigia. Foi assim ao longo de sua vida. Brizola trazia esses sentimentos desde a infância, na vida humilde que teve, dos esforços que fez para estudar, na convivência com nossa gente e a percepção que lhe acendeu a alma com as injustiças que observava a toda hora. Isto fez parte da construção do pensamento político que lhe guiou a vida inteira. Outra percepção que teve foi a situação da nação diante da espoliação praticada pelos grupos econômicos. Via com clareza os grupos internacionais processarem e exportarem a carne gaúcha, ficando com a maior parte. Via a luta das pequenas indústrias gaúchas na busca da sobrevivência diante dos gigantes industriais multinacionais. Isto despertou-lhe o sentimento de nacionalidade. Quando Governador do Rio Grande do Sul, enfrentou a companhia de energia elétrica que não levava energia para as cidades, nem alimentava as indústrias locais com energia suficiente. Desapropriou a Bond & Share, a multinacional de energia elétrica. Igualmente viu que a concessionária de telefonia, filiada à multinacional ITT, não expandia o sistema de telefonia para ajudar a desenvolver a economia do Estado. Desapropriou a companhia. Ainda no Governo do Rio Grande do Sul, Brizola pôde revelar seu compromisso com a educação: construiu mais de seis mil escolas pequenas em diversas localidades e zonas rurais, que ficaram reconhecidas como brizoletas. Governador do Rio, construiu o maior projeto educacional da história do país, os CIEPs, Centro Integrado de Educação Pública, carinhosamente chamados de brizolões: mais de 550 escolas de tempo integral, com áreas amplas que contemplavam quadras de esporte, alguns até piscina, biblioteca e áreas livres, assegurando espaço necessário à reflexão e ao aprendizado. E as chamadas escolas Lelé (120), para crianças em idade pre-escolar. Nos CIEPs, as crianças passam o dia todo, das oito da manhã às cinco da tarde: café da manhã, aula, almoço, recreação/esporte, estudos com assistência de segunda professora, leituras na biblioteca, assistência médica e dentária, banho tomado, jantar. Brizola dizia: “Aí, volta pra casa para o carinho dos pais”. Construídos junto a comunidades carentes e favelas: 4 só no complexo da Maré. Os CIEPs dispõem de duas casas em sua cobertura: uma para alojar meninos sem lar, outra para alojar meninas, assistidos por um casal de policiais militares ou de bombeiros, de preferência sem filhos, os chamados pais sociais. No final do Governo Brizola havia 4.600 crianças, entre 8 e 12 anos de idade, nessa situação, em todo o Estado. Os contratos com as mães sociais não foram renovados: as crianças tiveram que sair. Nesses quase 30 anos, por onde andaram? O que fizeram?

Segurança: Conselho de Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos[editar | editar código-fonte]

A tarefa maior que o Governo Brizola compreendia ser do seu tempo era colaborar para implementação da democracia e proteção aos direitos humanos, amplamente violados durante a ditadura militar e civil.

A Secretaria de Justiça, a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria Geral de Justiça (o Ministério Público), órgãos jurídicos do Estado, passaram a ter papel relevante. O Ministério Público passou a ter autonomia para atuar efetivamente como fiscal da lei (fiscal do direito, como o dizia o Decreto de Campos Salles, na implantação da República): pela primeira vez no Brasil, o Procurador Geral de Justiça foi indicado pelos Promotores e Procuradores de Justiça, acolhido e nomeado pelo Governador. Brizola extinguiu a Secretaria de Segurança Pública e elevou a Polícia Militar e a Polícia Civil ao nível de Secretarias de Estado e fez do Corpo de Bombeiros a Secretaria de Defesa Civil. Designou a Secretaria de Justiça como coordenadora das questões de Segurança Pública e de Justiça. Esta área passou a ser gerida por uma coordenação que contava, ainda, com a Procuradoria Geral do Estado e a Procuradoria de Justiça, que se reuniam toda as terças-feiras. Foi instituído, em seguida, o Conselho de Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos para formular a política de segurança pública e dar diretrizes aos órgãos estaduais para sua implantação. Além das áreas de Justiça e Segurança do Governo, listadas acima, fazia parte a Secretaria de Serviços Sociais (Edialeda do Nascimento) e foram convidadas e integraram o Conselho diversas entidades de presença e respeito na vida do Estado: a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB; a Associação Brasileira de Imprensa-ABI; a Comissão de Justiça e Paz, pela CNBB; representantes das federações da indústria, do comércio e da agricultura e das federações dos respectivos empregados; personalidades da vida do Estado, como: Evandro Lins e Silva, Abdias do Nascimento (quando assumiu o mandato de Deputado Federal indicou em seu lugar o professor Sebastião Rodrigues Alves), Benedita da Silva. O Conselho reunia-se uma vez por mês, na primeira terça-feira. O Presidente do Conselho era o próprio Governador do Estado e o Secretário de Justiça, o Vice Presidente. O Conselho dispunha de uma Assessoria Técnica, integrada por um Promotor de Justiça, um Delegado de Polícia, um Coronel da Polícia Militar, um Defensor Público, que funcionava junto ao Gabinete do Vice Presidente do Conselho, Secretário de Justiça. A Assessoria recebia denúncias, reclamações, examinava notícias da imprensa, analisava diversas situações, emitia pareceres, fazia estudos e levantamentos determinados pelo Conselho. Dentre eles, levantou situações de trabalho em condições análogas às de escravo, no Sul Fluminense, em madeireiras, e no Norte do Estado, na zona açucareira.O Conselho atuou e fixou orientações e diretrizes em diversas situações, algumas de grande repercussão na época: libertação de africanos que foram vistos acorrentados em navio iuguslavo atracado no Porto do Rio e prisão de seu comandante; práticas de preconceito racial na boate Help, em Copacabana, dentre outras situações.

Atuação da polícia nas favelas[editar | editar código-fonte]

Como referido no início, Brizola não queria que a polícia subisse os morros ou entrasse nas favelas disparando tiros e atingindo crianças, famílias, pessoas inocentes, vítimas desamparadas diante de tiroteios. Como sempre se fazia antes. Não queria que invadisse as moradias nos barracos, que fossem respeitados como lar inviolável e que só se entrasse nas casas com mandado judicial, como nos demais bairros. Brizola tinha total aversão às ações que demonstravam autoritarismo, prepotência, arrogância e conteúdo racista nas ações policiais nessas áreas. Forte campanha foi feita contra essa orientação, desviando seu sentido para dizer que Brizola protegia bandido nas favelas, que proibiu a polícia subir os morros. Os meios de comunicação, TV Globo à frente, fizeram campanha cerrada contra o Governo. Mesmo com esse cuidado e controle, aconteceram dois episódios delicados no segundo Governo Brizola: morte de crianças que dormiam junto à Candelária e o massacre que policiais militares fizeram em Vigário Geral. Acontecimentos posteriores e que se verificam ainda nos dias de hoje, de mortes por balas perdidas, dão razão à política de Brizola. Política de proteção eficaz aos direitos humanos.

Regularização Fundiária: garantir a posse da casa[editar | editar código-fonte]

A tradição no Rio de Janeiro, de resto, em todo o País, era o despejo ou a remoção de comunidades inteiras de suas moradias, atendendo a medidas judiciais pedidas por grileiros ou proprietários reais. As famílias despejadas íam para onde? Para os altos dos morros, despenhadeiros, de onde rolavam na próxima chuvarada, ou para lugares distantes. Isto me faz lembrar do samba de Adoniran Barbosa – Despejo na Favela. Ele termina dizendo que com ele não era muito problema, suas “coisas eram tão poucas que cabem no bolso de traz. Mas essa gente aí, seu doutor, o que é que faz?” O Governo Brizola mudou esse paradigma. Nós marcamos a história para isso nunca mais acontecer. Este comportamento anterior colocava em jogo os destinos de numerosas famílias de cariocas, de brasileiros. A família é a coisa mais sublime que o ser humano já organizou: ali fecunda o amor entre um homem e uma mulher, entre pais e filhos. Tudo começou quando, no início do Governo, meu Gabinete de Secretário de Justiça recebeu um telefonema de uma pessoa moradora de Retiro, em Guaratiba, que insistia em falar comigo. Atendi a ligação. Ele disse: “sou morador aqui do Retiro de Guaratiba, tem um Oficial de Justiça retirando as minhas coisas, despejando a minha família, minha e de outros moradores, e colocando no caminhão. Nós cultivamos a terra aqui há anos, nossos pais faziam o mesmo. Levamos nossos produtos para a CEASA e para as feiras. O senhor fala em direitos humanos, como ficamos nós que não temos para onde ir e perdemos nosso trabalho para sustentar nossas famílias?” Pedi para ele colocar o Oficial de Justiça na linha. Me explicou que se tratava de uma ação de reintegração de posse movida por empresários de Campo Grande, família bem conhecida. Ele estava ali cumprindo o mandado de reintegração de posse. Pedi a ele tempo para conversar com o juiz, que aguardasse um pouco. Ele estava acompanhado da Polícia Militar. Conversei com o Juiz, disse a ele que precisava mergulhar no assunto, pois sentia um problema social delicado e de produção de gêneros alimentícios. Ele me deu 30 dias de prazo. Depois, 60, e mais 60. Passamos a negociar diretamente com os proprietários. Resultado: desapropriamos a área, os moradores do Retiro estão lá até hoje. O Governo Brizola organizou a Comissão de Assuntos Fundiários, dentro da Secretaria de Justiça, com participação da Secretaria de Planejamento e de Fazenda. Brizola deu ordens à Polícia Militar para não dar cobertura a ações de despejo ou reintegração de posse de comunidades, sem antes consultar a Comissão de Assuntos Fundiários. Nunca mais se realizaram despejos de comunidades no Rio, a não ser algumas ações do Eduardo Paes na Barra da Tijuca, como prefeitinho no tempo de César Maia, para atender pressões do setor imobiliário, e, já como Prefeito, nas obras das Olimpíadas. Iniciou-se um processo de regularização fundiária de diversas favelas do Rio, Niterói, São Gonçalo, Baixada e zonas de produção rural, como em Nova Iguaçu, Conceição de Macabu, Campos, Paraty, Angra, Cachoeiras de Macacu e outros lugares. Depois, a Comissão de Assuntos Fundiários transformou-se em Secretaria de Assuntos Fundiários, pela importância que Brizola deu ao assunto. Governos posteriores extinguiram a Secretaria e agora é o Instituto de Terras do Estado. Dezenas de comunidades, milhares de famílias foram atendidas. As famílias recebiam títulos de direito real de uso, isto é, direito real, semelhante à propriedade, intransferível, para não estimular a venda e a família voltar à condição anterior de sem lar. Nem transmissível por herança, a não ser para filhos necessitados ou que continuassem a trabalhar a terra. Se os filhos entrassem para os CIEPs, fossem ciepadas, como dizia Darcy Ribeiro, e se formassem e fossem trabalhar com melhores rendas, não receberiam a herança. As famílias passaram a se sentir mais seguras em suas casas e barracos e jogar mais esforço em suas melhorias. Era visível a alegria, felicidade que eram possuídas ao receber seus títulos de posse das suas casas ou terras. Uma revolução foi feita nesta área: mudou-se uma atitude, uma nova política, um novo conceito de tratamento das pessoas e das famílias passou a ser adotado pelas autoridades. Espalhou-se país afora.

Cada família, um lote[editar | editar código-fonte]

O projeto habitacional do Governo Leonel Brizola foi singular, inovador. Rompeu com a fase BNH, onde quem ganhava a maior parte eram as construtoras e o sistema financeiro. O projeto era baseado na entrega às famílias de um lote urbanizado, com saneamento, escola, tratamento de saúde. Ali, as famílias iam colocando as coisas que conseguissem, materiais de construção, até já usados, peças para cozinha, banheiros, coisas que conseguissem ganhar, e ir tocando a construção, mesmo que lentamente. Foi criada a Secretaria de Habitação, acoplada a Trabalho, exercida pela figura ímpar de homem público, militante das causas sociais e nacionais do povo brasileiro, Carlos Alberto de Oliveira, o Caó. Caó foi, posteriormente, Constituinte dos mais ativos e brilhantes, amplamente reconhecido.
O projeto Cada família, um lote, foi tocado bem de perto com as atividades de regularização fundiária levadas pela Comissão de Assuntos Fundiários, depois Secretaria de Assuntos Fundiários.