Lutar não é crime

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Lutar não é crime é um artigo produzido por Hugo Fanton, no qual aborda as tentativas de criminalização dos movimentos de luta por moradia a partir de uma ação promovida pela Polícia Civil do estado de São Paulo em 2019.

Autoria: Hugo Fanton.

Sobre[editar | editar código-fonte]

Lutar não é crimeMoradia é direito!

Liberdade para Preta, Sidney, Ednalva e Angélica!

Na manhã de 24 de junho de 2019, a Polícia Civil do estado de São Paulo, sob o comando do governador João Doria, prendeu injustamente quatro lideranças de movimentos sem-teto que atuam no centro da cidade de São Paulo: Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva (a Preta), Ednalva Franco e Sidney Ferreira. Foram determinadas outras 13 buscas e apreensões contra lideranças de prédios ocupados pelos movimentos. Após cinco dias, as prisões temporárias foram convertidas em prisões preventivas. Também foi decretada a prisão de Carmen Silva, liderança reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho em defesa da moradia digna e já absolvida em primeira e segunda instâncias pelas mesmas acusações.

O caso foi assumido pelo Ministério Público de São Paulo que, para favorecer o mercado imobiliário que deseja expulsar a população pobre do centro da cidade, conduziu novo inquérito sem fundamento e persecutório contra essas e outras 14 lideranças. As prisões foram mantidas pela juíza do caso, Erica Soares de Azevedo Mascarenhas, que determinou outras seis prisões de lideranças sem-teto e medidas cautelares contra cinco militantes. A alegação é de que os movimentos, que há décadas lutam pelo direito à moradia, são invasores, cobram aluguel das famílias que ocupam prédios abandonados e ainda expulsam quem não deseja pagar. Essas afirmações são todas falsas, caluniosas. As prisões arbitrárias se inserem em um contexto de acirramento da disputa pela política urbana em São Paulo e no Brasil: de um lado, o governador Doria e o mercado imobiliário buscam se apropriar do espaço para favorecer a especulação e garantir o privilégio de poucos de morar em áreas com infraestrutura urbana. De outro, os movimentos de moradia lutam pelo direito à cidade, por moradia popular em áreas urbanizadas e pelo direito das classes populares viverem nas regiões valorizadas da cidade.

A ocupação de prédios e terrenos vazios, que não cumprem com a função social da propriedade, é a principal forma de luta político-social dos movimentos. A moradia é um direito social e humano negado a mais de sete milhões de famílias brasileiras, sendo milhares em São Paulo. Pela Constituição Federal Brasileira, a moradia é um direito e a propriedade, seja ela pública ou privada, deve cumprir a função social, de modo que as ocupações de prédios ou terrenos abandonados são formas de efetivar aquilo que está previsto constitucionalmente.

A despeito disso, o Estado de São Paulo, por meio de sua Polícia Civil e do Poder Judiciário, conduziu uma operação repleta de constrangimentos ilegais e baseada em falsas acusações para levar as lideranças à prisão. Alega-se que práticas de cobrança de taxa de manutenção dos imóveis ocupados são feitas de forma ilícita. De acordo com o Ministério Público, a investigação foi instaurada a partir de uma denúncia anônima realizada há cerca de um ano. Nos autos do processo, no entanto, fica nítida a inexistência de fundamento que embase as prisões. As ocupações mantidas pelas referidas lideranças realizam manutenção periódica e possuem infraestrutura validada inclusive pelas autoridades, além de possuírem estatuto, promoverem assembleias e prestação de contas.

As arbitrariedades do Poder Judiciário e do Governo Doria seguiram ao longo dos últimos dois meses, com a demora por parte da Justiça em aceitar a constituição dos advogados de defesa, impossibilitando o acesso aos autos do processo, um claro cerceamento do direito de defesa. Além disso, os novos pedidos de prisão do Ministério Público foram movidos contra lideranças populares que sequer participam do dia a dia das ocupações. Isso mostra, mais uma vez, o objetivo político do Governo Doria e do Poder Judiciário brasileiro de atacar as organizações das classes populares para impor um projeto político-econômico autoritário e de austeridade, em benefício das minorias mais ricas.

Trata-se de mais uma evidência do avanço do fascismo em São Paulo e no Brasil. As prisões das lideranças sem-teto são mais um capítulo da investida contra a classe trabalhadora e seus representantes, um mesmo processo injusto que levou à prisão arbitrária do ex-presidente Lula, a partir de um conluio entre o Poder Judiciário, os meios de comunicação tradicionais e o poder econômico para impor ao país um projeto anti-popular.

O direito à moradia tem sido alvejado com os cortes de investimentos e o desmonte das políticas públicas no Brasil. A isso se somam os ataques aos movimentos populares, que diariamente lutam pelo direito à cidade e à moradia digna. A presença dos pobres e trabalhadores nas ocupações da região central de São Paulo é um ato de resistência diária contra a especulação imobiliária e a segregação social. Os movimentos sem-teto possuem uma atuação histórica, democrática e transparente em mais de quatro décadas. Em todos esses anos de organização e luta, conquistaram milhares de moradias para famílias de baixa renda e contribuíram com a formulação de políticas habitacionais e urbanas, com suas várias formas de atuação, como manifestações de rua, ocupações de prédios e terrenos abandonados, reuniões com agentes públicos e participação em conselhos e conferências na área de habitação e política urbana.

Por isso, diversos movimentos populares, sindicais, partidos políticos de esquerda e organizações da sociedade civil conclamam a todas as pessoas defensoras da democracia e dos direitos sociais a se juntar na jornada de resistência contra a criminalização da luta e em defesa da moradia como um direito. Pela imediata liberdade de Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva (Preta), Ednalva Franco e Sidney Ferreira, os presos políticos da moradia!