Mapeamento das homenagens a Marielle Franco

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Autor: Hércules da Silva Xavier Ferreira.

 

Há uma dor que não cessa na cidade carioca, ocasionada pela violência contra a democracia que afetou a muitos. Na rua cujo nome remete ao máximo líder católico, João Paulo Primeiro, a vereadora Marielle Franco teve sua vida subtraída do convívio dos seus, em vil ato que buscou, sobremaneira, calar sua voz. Se na ocasião a perícia contou todas as balas possíveis que perfuraram o carro em que estava, conduzido pelo motorista Anderson Gomes que foi igualmente retirado, impossível foi o cálculo de todas as pessoas atingidas e que, no comum da mesma dor, ergueram suas vozes no mesmo coro por justiça: quem mandou matar?

A ausência da vereadora Marielle torna-se força a partir dessa dor que ressignificou o luto em luta, pois não haverá descanso enquanto o crime não for elucidado. Em atos de memória recupera-se de alguma maneira sua presença e seus ideais. Esses atos encontram os mais diversos suportes, tanto pela intervenção urbana com grafites, lambe-lambes, colagens, estêncis, frases de efeito, placa! e estão espalhados pelo Rio de Janeiro, Brasil, América Latina, ganhando o restante do o Mundo. Seu rosto, seu corpo e seu gesto, da forte vereadora, estampam os mais variados murais, postes, ruas e inúmeros outros locais. Outras formas de lembrá-la foram criadas, como o biscuit, pipa, bandeiras, bloco de carnaval, enredo de escola de samba, costura, boneca de feltro, escultura, carimbo, funk, bolsa acadêmica, roupas e mesmo nomeando o Dicionário de Favelas.

É uma verdadeira memória em trânsito, avançando por vários espaços e alcançando novos entendimentos, inclusive. É que há sempre o perigo, por melhor que sejam as intenções das homenagens, em ofender de alguma maneira sua imagem e memória ou mesmo os ideias de sua luta política, na intransigente defesa dos direitos humanos.

Para melhor acompanhar essas mudanças e registrar os pontos em que surgiram os grafites e demais atos de memória, criou-se o respectivo mapa:

Acesso - https://tinyurl.com/memoriamarielle

Esse trabalho surgiu como desdobramento de um outro, que mapeia as práticas culturais de cunho tanatológico, isso é, os modos como o luto é ressignificado em locais de memória na relação com a ruptura trágica (acidentes, crimes, catástrofes). A partir disso, observou-se que desde o doloroso dia 14 de março de 2018, várias manifestações artísticas ou de intervenções urbanas (dos mais variados tipos conforme já mencionados), foram aparecendo pelas ruas, dos quais categorizam-se os seguintes: pipa, brincos, tatuagens, camisetas, bandeira de bloco, escultura de madeira, costura e crochet, placa de logradoura, bonecas de feltro, bloco de carnaval, nome de dicionário, festas e propostas artísticas como performances.

A comunidade do Instagram prontamente auxilia este trabalho de mapeamento, por conta das hashtags como #mariellepresente, #mariellevive, #andersonpresente, #mariellefranco. #marielle, e muitas outras que são monitoradas. Nesse caso, uma vez que surja algo de inédito ou novo, entra-se em contato com o usuário que, geralmente, responde de bom grado e em curto espaço de tempo.

Importante dizer que tudo isso foi desenvolvido no interior do mestrado em patrimônio cultural do IPHAN, o PEP-MP: http://portal.iphan.gov.br/pep.

Os devidos entendimentos para a feitura e composição do mapa deveu-se a partir das leituras que encontram-se adiante, em "referências. É que conscientização e sensibilidade é um processo, espécie de despertar e estar atento, com todos os sentidos, para os sinais/signos urbanos e as práticas culturais daí advindas. Lembrar é também um gesto de memória, intencional, em sua busca para o devido testemunho.

REFERÊNCIAS:

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