Mortalidade por COVID-19 no Santa Marta

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

A favela Santa Marta, no município do Rio de Janeiro, enfrentou desafios significativos durante a pandemia de COVID-19. Apesar da ausência quase total de intervenção do poder público, a comunidade se mobilizou rapidamente para fornecer suporte social, distribuindo máscaras, cestas básicas e assistência médica remota. Em um estudo específico sobre as mortes ocorridas entre fevereiro e junho de 2020, foram identificados nove óbitos, sendo cinco relacionados à COVID-19. A falta de testes e confirmações oficiais evidencia as dificuldades enfrentadas pelas favelas diante da pandemia. Além das mortes, as condições precárias de vida e as novas responsabilidades assumidas por alguns moradores também foram destacadas.

Autor: Itamar Silva

Como a Favela está lidando com a pandemia[editar | editar código-fonte]

A pandemia causada pela disseminação do Coronavírus se alastrou pelo mundo e chegou ao Brasil, oficialmente em final de fevereiro de 2020. No Brasil, especialmente nas principais capitais, especialistas chamaram a atenção para o grande risco do espalhamento do vírus nas favelas. Apesar do alerta, a atuação do poder público nesses lugares foi e é praticamente nula. Não se sabe, até hoje, quantas pessoas foram contaminadas e quantas morreram pela contaminação do vírus nas favelas do Rio. Somente na semana de 21 de junho a Prefeitura apresentou um estudo realizado em quatro favelas do Rio, indicando o percentual de contaminados. No entanto, o número de testes realizados ainda é considerado muito baixo pelos especialistas.

A favela Santa Marta é uma das 763 favelas / Aglomerados subnormais – como classificadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Rio de Janeiro. Localiza-se na encosta sul do Morro Dona Marta, no bairro de Botafogo, no limite extremo sudeste do maciço da Tijuca, a aproximadamente 100 m do Parque Nacional da Tijuca. A Favela tem sua origem na década de 1930 e o número certo de moradores é ignorado: o censo do IBGE, de 2010, listava 1.176 domicílios, e 3.908 moradores. Levantamento da Light (projeto para instalação de novos medidores) em 2009/2010, listava 1594 residências, com 5.409 moradores. O Grupo Eco, a exemplo da Associação de Moradores, adota o número de 6.000 moradores.

Rápida iniciativa da organização interna da Favela[editar | editar código-fonte]

Com a Pandemia, articulou-se uma ampla rede social de apoio, assumindo o protagonismo de proteger, informar e garantir a subsistência das pessoas nos meses da pandemia. Lideranças e ativistas locais lançaram mão de seus contatos externos e sua capilaridade garantiu: informação, sanitização, atendimento remoto, proteção (máscaras e álcool em gel), pias para lavagem das mãos e alimentação (cesta básica) para todas as famílias vulneráveis.

Nos quatro meses de pandemia: aprox., 10.000 máscaras foram distribuídas; no mínimo, cinco frentes internas de distribuição de cesta básica atenderam a população; outros pontos de entrega fora da favela: igrejas (católica e evangélica), centros espíritas, Associação de Moradores do Bairro, contribuíram para que não faltasse alimento e proteção aos moradores.

O Grupo Eco, que nasceu na favela de Santa Marta no final da década de 70, é uma das forças de liderança da comunidade. Tem seu foco na Organização Comunitária e na busca de melhor qualidade de vida na Favela e, frente à ameaça que representa a pandemia, movimentou-se para, junto com outros atores, proteger os moradores da favela Santa Marta.

Depois de quatro meses atuando coletivamente para distribuir cesta básica, vale gás, máscara, álcool e oferecer atendimento médico remoto, o Grupo Eco quis saber com a COVID atingiu a Favela. Para isso, decidiu olhar de maneira específica para as mortes ocorridas na Favela no período de fevereiro a junho: Quantos morreram? Do que morreram? O que podemos pensar sobre esses registros? Com tantas incertezas e desinformação, é necessário entender o que está acontecendo nas favelas do Rio de Janeiro: o que a presença ou ausência dos dados podem nos dizer; e ou provocar?

A única presença do poder público era a voz do Prefeito que se repetia, automaticamente, três vezes ao dia, no alto-falante da Associação de Moradores. O texto informava que a prefeitura tinha hotéis confortáveis para aqueles que se sentissem ameaçados em suas casas. Apesar da repetição diária, não temos registro de nenhum morador que tenha se utilizado deste serviço oferecido pela Prefeitura.

As mortes por COVID-19 na Favela[editar | editar código-fonte]

A partir de um roteiro inicial, conversou-se com lideranças locais e moradores espalhados na favela, buscando identificar as mortes no período indicado. Por ser de tamanho médio para pequeno e ter uma conformação geográfica que facilita a comunicação interna (contida fisicamente por dois muros que a ladeiam), as notícias, principalmente de morte, circulam muito rapidamente na Favela. Foram feitas sondagens nas redes sociais da Favela, por onde circula todo tipo de informação, inclusive morte e enterros, e coletadas informação sobre as mortes a partir de conversa direta com os moradores.

Foi contratada uma moradora local, ex-agente de saúde da clínica da família e formada em Serviço Social para abordar os familiares e conversar sobre as mortes, com o objetivo de saber quantos morreram de Covid 19 e em que condições.

Resultados[editar | editar código-fonte]

Foram identificados inicialmente 10 pessoas que morreram entre fevereiro e junho na favela de Santa Marta, de qualquer causa possível. No entanto, um foi descartado por já não morar na favela há alguns anos, apesar de ter familiares e amigos no Santa Marta. Portanto, ocorreram 9 óbitos, cujas famílias foram entrevistadas. Cinco morreram em decorrência da Covid 19, confirmada pelas circunstâncias: atestado óbito COVID-19 suspeito, ou sepultamento protocolo COVID-19. Não existiram exames ou atestados confirmatórios, mais um símbolo da incapacidade do Estado em lidar com a doença.

Os casos[editar | editar código-fonte]

Morador 1 – Mulher, branca, 39 anos de idade. Informante: cunhada. Já estava doente, foi ao médico e chegou a ficar internada. Informante comentou: “Foi muito rápido o tempo entre internação e morte”. Acredita que foi infectada no hospital. Tinha ferida na perna: machucou em determinado momento. Tinha alguns furúnculos pelo corpo. Diabética. Hipertensa. Obesa. Transferida para um hospital em Piedade, ficou internada uma semana. Não fez exame para Covid-19 e os familiares não receberam nenhuma orientação. Deixou quatro filhos, uma maior de idade. Atestado de óbito: Doença respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Doença coronariana; Diabetes Mellitus. Enterro com protocolo Covid

Morador 2 – Mulher, branca, 35 anos. Informante: o marido. Morreu de infarto. Era asmática. Teve o primeiro infarto em casa. Foi ao médico e, em seguida, foi internada e entubada. Na casa, ninguém teve sintomas da Covid. Ficou uma semana entubada. Tirou o tubo. Tinha acompanhamento clínico. Segundo os médicos, ela teve um segundo infarto. No entanto, houve melhora e o marido chegou a receber ligação para levar material de higiene e roupa porque a paciente passaria para a enfermaria. Mas na sexta-feira à noite informaram sua morte. Deixou duas crianças menores e marido. Ele não mostrou certidão de óbito porque estava de mudança para outra moradia no próprio Morro. O marido estava muito fragilizado, mas aberto ao diálogo. Atencioso, tentando mostrar equilíbrio diante da perda e remetendo-se sempre aos filhos, sua base para suportar a dor. Enterro normal.

Morador 3 – Mulher, preta, 84 anos. Informante: sobrinha. Hipertensa descontrolada. Com Alzheimer há aproximadamente um ano. Morava sozinha. Acumuladora. Três dias de internação. Dores no peito, falta de ar e tosse. Em casa, queda dentro do banheiro. Batimento baixo. Pressão alta. Internada no Miguel Couto, sala vermelha. Decorridos três dias da internação, ligaram para família e comunicaram o óbito. Suspeita de Covid-19. Atestado óbito confirma Covid-19, dentre outras causas. Atestado de óbito: Insuficiência respiratória aguda; Covid-19 suspeita; Hipertensão Arterial; DMC; Diabetes Mellitus tipo 2 Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pelo Corona Vírus.

Morador 4 – Mulher, preta, 74 anos. Informante: filha, com quem morava. Hipertensa. Fístula (incontinência urinária e fezes). Em oito anos, várias internações. Problema circulatório: varizes internas sem circulação sanguínea. Acompanhada por angiologista, que há mais de quatro anos indicou cirurgia, mas ela nunca aceitou. Segundo a filha ela só tinha um rim. Nos últimos meses apareceram bolhas nas pernas que estouravam e viravam feridas. Antes da pandemia, mensalmente recebia visita da Clínica da Família. Visitas suspensas neste período. Umas duas vezes teve que descer com a mãe até a clínica para ser atendida em função do agravamento das feridas nas pernas. Tinha dificuldade para andar e estava perdendo o apetite. Há um mês (início de junho) desceu de maca e foi internada no SER Leblon, na sala amarela. Uma semana internada. Fez hemodiálise. Ficou um dia entubada. Atestado de óbito: Choque séptico, sepse cutânea e piodermite e DRC/Hemodiálise. Enterro normal.

Morador 5 –Mulher, parda, 76 anos. Informante: marido. Morreu de falência múltipla dos órgãos. Já estava doente e muito fragilizada. Hipertensa, fumante, fragilizada física e emocionalmente. Indicação de depressão. Chegou a ir ao médico. Foi internada. Passou mal em casa. Há um ano sem apetite. Em maio ficou internada 15 dias no Ser Leblon. Liberada, voltou para casa. Depois que perdeu a filha, em 2009, ficou em depressão, não se alimentava adequadamente, fumante, hipertensa, negligente com a própria saúde. Familiares não deram muita atenção (“cansaram dela”). Depois de uns anos passou a reclamar de dores no mesmo braço. Constantemente ia ao posto (Clínica da Família). Teve derrame em casa. Foi internada, teve alta e voltou para casa. Passados quinze dias morreu em casa. Enterro normal.

Morador 6 – Mulher, parda, 68 anos. Informante: filha. Morreu de pneumonia e insuficiência respiratória. O teste para detectar Covid-19 não foi conclusivo. Já estava doente. Tinha diabete (insulina dependente) e Alzheimer, e era hipertensa. Chegou a ir ao médico. Era acompanhada pela Clínica da Família. Ficou internada uma semana na UPA de Copacabana. Na casa, a filha teve sintomas da Covid-19, mas não fez teste. As três pessoas que moram na casa, incluindo uma criança, não fizeram teste. Sobre o enterro, relatou a impotência diante do protocolo e a dor que causa a lembrança dessa forma de se despedir. Filha está sendo acompanhada pela Clínica da Família e, apesar de ter tido todos os sintomas, não fez o teste que confirma o vírus. Ficou de enviar o atestado de óbito da mãe, mas diz não constar a Covid-19 como causa. O sepultamento seguiu o protocolo dos contaminados pela Covid 19.

Morador 7 – Mulher, preta, 30 anos. Informante: mãe. Morreu de insuficiência respiratória, pneumonia: pulmões comprometidos. Já estava doente e internada há três anos. Causa da internação: Meningite hidroencefálica (acúmulo de líquido). Não morreu de Covid. Ninguém na casa teve a doença. A mãe falou por uma hora e meia sobre todo o processo vivido pela família nesse período de internação. Tudo ficou muito confuso nos tempos da pandemia devido às restrições no acompanhamento da paciente, internada no Miguel Couto. Ela tinha acompanhante, mas as visitas foram suspensas a partir do início da pandemia. A mãe não mostrou o atestado de óbito. Enterro normal, com a presença dos familiares.

Morador 8 – Mulher, branca, 55 anos. Informante: cuidadora (vizinha) e filho que, posteriormente, complementou as informações. Morreu de Covid-19. Falência múltipla dos órgãos. Tinha problemas mentais (depressão), hipertensa, obesa. Chegou a ir ao médico e ficou internada. Todos os quatro moradores da casa tiveram os sintomas da doença. Foi rápida a evolução do quadro. Durante três dias: tosse, febre, cansaço. Levada pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Copacabana. Ficou internada uma semana. Depois, transferida para o hospital Ronaldo Gazola, onde ficou entubada por uma semana e veio a óbito. Duas semanas se passaram entre os primeiros sintomas e a morte. As quatro pessoas da família autorizadas a acompanhar o enterro não conseguiram chegar, cabendo ao padrasto e ao coveiro a responsabilidade pelo sepultamento. A causa da morte foi confirmada pelo seu filho no Facebook e, também, pelo esposo que não estava mais morando na comunidade. A informante não teve acesso à certidão de óbito. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19. Conversa complementar com o filho - Sábado – 04.07: relatou estar afastado, pela segunda vez, do trabalho devido aos sintomas da Covid, agora mais fortes: falta de paladar e olfato, febre, diarreia. Fez teste na farmácia e testou positivo, novamente. Disse que perdeu mais dois membros da família, não moradores do Santa Marta, contaminados pela Covid-19. Na casa que morava com a mãe (5 pessoas), todos tiveram sintomas da doença, até mesmo a criança de 10 anos: dor estomacal e febre. O caso desta família já foi reportado em uma emissora de televisão. Obs.: A cuidadora é vizinha e mora na casa ao lado, com família composta por 5 pessoas, dentre elas uma idosa de 85 anos com problemas de saúde. Ninguém fez teste para Covid-19.

Morador 9 – Homem, branco, 63 anos. Informante: irmã. Morreu de Covid-19. Era diabético e hipertenso. Sentiu-se mal, foi ao médico e ficou internado. Segundo a irmã, o processo durou uma semana. Morava com a mulher e um filho. Sepultamento seguiu protocolo dos infectados pela Covid-19.

Obs.: Informações foram prestadas pela irmã e vizinhos. A esposa não se relaciona bem com a irmã e é pouco sociável com os vizinhos. Não abriu a porta para nossa pesquisa.

Para além das mortes[editar | editar código-fonte]

Informante morador 4: Toma conta de 5 a 11 crianças em uma sala de 3m por 5m. Além da televisão, não há outro equipamento pedagógico de apoio. Com as creches fechadas, muitas mães não têm onde deixar os filhos. A pessoa doente não morreu de Covid, no entanto, as condições da casa revelam outros desafios/carências que são potencializados e ganham visibilidade neste período de pandemia.

Informante morador 1: Aos 50 anos, casal de filhos já adultos, avó de dois netos, vida estabilizada, teve que assumir a criação dos 3 filhos menores deixados pela pessoa que morreu. Ela é casada com o irmão do marido da falecida.

Informante morador 8: Vizinha de longa data da senhora doente, assumiu a tarefa de cuidar dela até o final da vida. A causa da morte foi confirmada: Covid-19. A vizinha até o momento da pesquisa não tinha se submetido a nenhum teste para verificar se houve ou não contaminação.

Informante moradores 6 e 8: Depoimento marcante daqueles que tiveram entes queridos enterrados sob o protocolo Covid-19: despedida não ritualizada, marcas que permanecem por muito tempo.

Informante morador 6: Depressão é explicitada neste caso. No entanto, está presente sob outros sintomas: tristeza, isolamento, falta de apetite, desânimo, incertezas. A quem recorrer?

Os detalhes estão mostrados na tabela 1, abaixo.

Mortes ocorridas na favela no período de Fevereiro a Junho de 2020[editar | editar código-fonte]

Tabela 01.png
Tabela 02.png

Do que se está morrendo no Santa Marta?[editar | editar código-fonte]

O número de mortes por COVID-19 na favela está longe dos prognósticos iniciais. Ainda não se tem uma explicação para isso. O número de contaminados é impreciso na medida em que não há testagem, o que resulta em /produz uma subnotificação.

Dos nove óbitos identificados no período, oito mulheres e um homem, seis tinham mais de 50 anos e três na faixa dos trinta. Quatro eram brancos e cinco pretos. Todos que morreram tinham uma ou mais doenças pré-existentes: Hipertensão, diabetes, obesidade, doenças respiratórias e doença renal.

O que fazer para combater as doenças que estão matando a população de favela: hipertensão, diabetes, obesidade, depressão? Considerada a “doença do século vinte”, a depressão segue “invisível” nos territórios da pobreza. As Clinicas da Família estão preparadas para lidar, descobrir e acompanhar esses casos?

Aprofundar a reflexão sobre o maior número de mortes entre mulheres, no Santa Marta, diferente dos dados gerais sobre a doença.

Conclusões imediatas ou: A título de conclusões provisórias?[editar | editar código-fonte]

Essa pesquisa reflete o processo histórico de organização, resistência e pensamento de setores representativos da favela Santa Marta:

a) Dimensões e conformação do território da favela facilitou o controle; b) O cuidado imediato com os moradores, alimentares e sanitários, bem como os cuidados pessoais, resultou em número de mortes aquém dos prognósticos da pandemia sobre favelas; c) Presença ativa da sociedade civil de dentro e de fora da favela, apesar da ausência do Estado; d) Evidencia-se o maior número de mulheres mortas pelo Covid e/ou por suspeita de Covid; e) As condições domésticas e locais da falta de políticas públicas de assistência, sanitária e habitacional, especialmente, dificultam a prevenção e acompanhamento da saúde dos moradores, manutenção da saúde; f) Desafio: Testes do Covid para todos os moradores! g) A diferença de tratamento entre a favela e o asfalto exige mudança urgente imediata de acesso às políticas públicas;

O Corona Vírus vai passar e a desigualdade continuará matando nos territórios populares?

Santa Marta Proteção Para Todos.png

Santa Marta Proteção Para Todos[editar | editar código-fonte]

Campanha coordenada no Santa Marta pelo Grupo Eco com o apoio direto da coordenação do projeto: Adair Rocha, Bebeto Abrantes, Carlos Wagner, Claudia Prado, Sarah Telles e Silvia Fiuza que juntos mobilizaram duzentos outros amigos que contribuíram com dinheiro e possibilitaram a entrega de cestas básicas, vale gás, álcool em gel, e máscaras para um grupo fixo de 55 famílias durante seis meses: abril, maio, junho, julho agosto e setembro. A Campanha também ofereceu Atendimento Médico Remoto sob a orientação do Dr, José Luiz de Magalhães Rios e o apoio logístico de Dorlene Meireles. A participação dos membros do Grupo Eco, moradores da Favela, foi fundamental para o sucesso da Campanha. 

Outros atores de destaque no Santa Marta no período da pandemia: Associação de Moradores (José Mário); Sanitização (Thiago e Tandy Firmino); Centro Esportivo (Ricardo); Creche Reino Infantil (Adriana); Cepac; Casa Santa Marta; Favelagrafia (Elana); Spanta 

Contatos[editar | editar código-fonte]

Associação Escola sem Muros Grupo Eco

Rua Mestre Diniz, 33, Botafogo – Rio de Janeiro

Facebook – Grupo.Eco

Instagram - @grupoeco.stm

Ver também[editar | editar código-fonte]

Memórias do Morro Santa Marta

Notícias sobre Coronavírus nas Favelas

Análises e propostas sobre a realidade do coronavírus nas favelas

Outras contribuições para o verbete[editar | editar código-fonte]

A pandemia causada pela disseminação do Corona Vírus se alastrou pelo mundo e chegou ao Brasil, oficialmente em final de fevereiro de 2020. No Brasil, especialmente nas principais capitais, especialistas chamaram a atenção para o grande risco do espalhamento do vírus nas favelas e o receio do grande número de óbitos nessa população.

Até o momento, não existem informações sobre o impacto da COVID na saúde dos moradores das Favelas. Um estudo apresentado pela Prefeitura em 21 de junho, em quatro favelas do Rio, indicou um pequeno percentual de contaminados. No entanto, o número de testes realizados ainda é considerado muito baixo pelos especialistas.

Uma tentativa de resposta a essa questão, foi desenvolvida por um grupo de moradores da Favela Santa Marta, uma das 763 favelas do Rio, localizada na encosta sul do Morro Dona Marta, no bairro de Botafogo. O Grupo Eco, uma das mais tradicionais lideranças da favela decidiu levantar o número de óbitos por COVID-19 entre os moradores da Favela, no período de Fevereiro a Junho 2020. Com a ausência de testagem de massa, a taxa de óbitos pode refletir, indiretamente, o percentual de infectados e a gravidade dos casos na população da favela.

A favela Santa Marta tem sua origem na década de 1930. Levantamento da Light (projeto para instalação de novos medidores) em 2009/2010, listava 1594 residências, com 5.409 moradores. Uma ampla rede social de apoio, organizada por lideranças e ativistas locais desenvolveu várias ações na comunidade para fazer face à Pandemia. Ações de informação, sanitização, atendimento médico remoto, proteção (máscaras e álcool em gel), pias para lavagem das mãos e alimentação (cesta básica) para todas as famílias vulneráveis.

Por ser uma favela de tamanho médio para pequeno e ter uma conformação geográfica bem delimitada (contida fisicamente por dois muros que a ladeiam) e, por isso, uma população menos flutuante, é possível colher informações mais precisas para uma análise mais fidedigna, que possa espelhar o que está acontecendo nas favelas do Rio de Janeiro.

METODOLOGIA

Como não existem registros oficiais disponíveis, a tempo, o levantamento dos óbitos foi feito a partir de informações colhidas na própria comunidade. Foram feitas sondagens nas redes sociais da Favela, por onde circula todo tipo de informação, inclusive morte e enterros. Também foram coletadas informações a partir das chamadas para os sepultamentos, que são feitos pela Associação de Moradores habitualmente, e interrogando moradores que têm alguma liderança e circulam pela favela: o responsável pela manutenção da rede de água da comunidade, trabalhadores de obras na favela, as coordenadoras de creches, o dirigente do centro esportivo.

A partir de um roteiro inicial, foi contratada uma moradora local, formada em Serviço Social e ex-agente de saúde da clínica da família, para abordar os familiares e conversar sobre as mortes, com o objetivo de saber quantos morreram de COVID-19 e em que condições.

RESULTADOS

Foram identificados inicialmente 10 pessoas que morreram entre fevereiro e junho na favela de Santa Marta, de qualquer causa possível. No entanto, um foi descartado por já não morar na favela há alguns anos, apesar de ter familiares e amigos no Santa Marta. Portanto, ocorreram 9 óbitos, cujas famílias foram entrevistadas. Cinco morreram em decorrência da COVID-19, confirmada pelas circunstâncias: atestado óbito COVID-19 suspeito, ou sepultamento com protocolo COVID-19. Não existiram exames ou atestados confirmatórios.

Dos nove óbitos identificados no período, oito mulheres e um homem, seis tinham mais de 50 anos e três na faixa dos trinta. Quatro eram brancos e cinco pretos. Todos que morreram tinham uma ou mais doenças pré-existentes: Hipertensão, diabetes, obesidade, doenças respiratórias e doença renal. Dos 5 mortos por COVID-19, dois tinham menos de 60 anos, quatro tinham Hipertensão Arterial e Diabetes, como co-morbidades. Obesidade e Depressão foram também associadas.

DISCUSSÃO (médica)

Foram detectados apenas cinco óbitos por COVID-19 na Favela Santa Marta. Esse número, relativo ao período de “pico” da Pandemia no Rio de Janeiro, foi bem inferior aos prognósticos iniciais. Ainda não se tem uma explicação para isso. O número de contaminados é impreciso na medida em que não há testagem, o que resulta em /produz uma subnotificação

A taxa de mortalidade (número de mortos por quantidade de habitantes) por Coronavírus ainda não está bem estabelecida. Publicação feita pelo Imperial College, de Londres, um dos principais centros de pesquisa do mundo, previa taxas de mortalidade para 16 estados brasileiros entre 0,7% (São Paulo) e 1,2% (Pernambuco). A revista Nature, uma das publicações científicas mais importantes do mundo, está considerando uma faixa de mortalidade de 0,5% a 1% no mundo, até que se tenham dados mais concretos. *

Considerando essas taxas acima, seria de se esperar um número de 25 a 50 mortes na Favela Santa Marta, ao invés de “apenas” cinco óbitos por COVID-19. O que se observou nesse estudo foi uma taxa de mortalidade de 0,1%, abaixo de todas as expectativas mundiais.

Alguns estudos sugerem que a infecção prévia por outros Coronavírus, responsáveis por infecções respiratórias comuns, poderia acarretar “Imunidade Cruzada” contra o SARS COV 19. Porém, isso não seria privilégio da população da favela. Outro aspecto discutido, certas características genéticas, que estariam associadas a menor gravidade da doença, como a raça negra também poderia ser considerado: na África a COVID-19 tem sido bem menos grave. No entanto, nos EUA a proporção de óbitos é maior entre os afro-americanos.

Por fim, a questão da Imunidade Inata: aquela capacidade de defesa natural que é forjada no sistema imune, pela exposição repetida a infecções variadas desde a infância. É possível que a população das favelas cariocas, sem saneamento básico e, até há poucos anos, sem acesso à água encanada tratada, possa ter desenvolvido um tipo de resposta imune inata mais robusto que o restante da população; embora às custas de muitas doenças e mortes na infância. Essa característica poderia explicar maior proporção de casos leves ou assintomáticos e menor número de mortes por COVID-19. No entanto, não existem dados, apenas especulações...

Quanto aos óbitos, as comorbidades são as mesmas associadas a óbito por COVID-19 no mundo todo. Com o agravante da falta / dificuldade de acesso ao tratamento para controle dessas doenças, pela população da favela, o que dificulta o manejo nos casos graves.

Destaca-se ainda as doenças de origem mental e psíquica, como a depressão, presentes em alguns relatos. Sobretudo a depressão, considerada a “doença do século”, parece seguir “invisível” nos territórios da pobreza. Apesar de associada à causa de morte por diversas doenças, não existe nenhuma ação de saúde pública direcionada para abordar esse crescente problema.

JULIANA CONTAIFER - juliana.contaifer@metropoles.com - ATUALIZADO 29/06/2020