O efeito gangue sobre a dinâmica dos homicídios: um estudo sobre o caso de Cambé/PR (artigo)
Artigo publicado originalmente na Revista USP, n. 129 de 2021, Dossiê de Segurança Pública. Para acessar o Dossiê na íntegra, clique aqui.
Autores:
CLEBER DA SILVA LOPES é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e coordenador do Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança (LEGS).
ANDERSON ALEXANDRE FERREIRA é doutorando em Sociologia da UEL e pesquisador do LEGS.
Resumo
Este trabalho analisa os processos que produzem dinâmicas homicidas ascendentes em territórios marcados por conflitos entre gangues. O objetivo é entender como a emergência de gangues em determinados territórios impacta os padrões de violência letal entre jovens. Para demonstrar como o efeito gangue ocorre, analisamos os padrões de homicídios em um território periférico do município de Cambé, Paraná, ao longo de 15 anos (1991 a 2006). Os resultados mostram que as dinâmicas homicidas são fortemente impactadas por conflitos intragangues, disputas por poder e status entre membros de gangues e, principalmente, “guerras” de gangues.
Introdução
Este trabalho analisa os processos que produzem dinâmicas homicidas ascendentes em territórios marcados por conflitos entre gangues – agrupamentos juvenis cuja identidade se vincula a atividades ilícitas e ao controle do território, não raramente com o uso de armas de fogo (Zilli, 2011; Klein & Maxson, 2006). O objetivo é entender como a emergência de gangues em determinados territórios impacta os padrões de violência letal entre jovens.
Para demonstrar como o efeito gangue ocorre, analisamos os padrões de homicídios em um território periférico do município de Cambé, Paraná, ao longo de 15 anos (1991 a 2006). A análise se baseia (i) no conhecimento pessoal do segundo autor deste artigo, morador do território analisado e integrante de uma das gangues ativas no começo da década de 2000; (ii) nos depoimentos de 11 ex-membros de gangues e de nove moradores locais, obtidos por meio de entrevistas diretivas e conversas informais; (iii) em matérias jornalísticas sobre os crimes ocorridos no território analisado; e (iv) em notas tomadas dos escassos registros disponíveis na Delegacia do município de Cambé [1] .
Os dados mostram que conflitos intragangues, disputas por poder e status entre membros de gangues e “guerras” de gangues produzem taxas de homicídios ascendentes nos territórios dominados por gangues. As guerras de gangues são as que mais impactam os padrões locais de homicídios, pois geram processos de contágio que difundem o homicídio no tempo e no espaço. Assim, uma vez iniciadas, as guerras geram dinâmicas homicidas de médio prazo (gerando mortes até sete anos depois do início da contenda) e capazes de transbordar o território de origem dos conflitos.
Além desta seção introdutória, o trabalho está organizado em mais quatro. A seção dois apresenta o caso que será analisado. A seção três expõe a maneira como a teoria social relaciona gangues e homicídios. A seção seguinte mostra como as gangues impactaram os padrões de violência letal em Cambé. As considerações sumarizam os resultados e chamam a atenção para o fato de Cambé também ser um caso crucial para entendermos melhor por que as taxas de homicídios sobem e caem em determinados territórios.
- ↑ O material empírico foi produzido pela dissertação de Ferreira (2018). Este artigo é um subproduto da dissertação.