Pertencimento ao Complexo do Alemão

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 02h13min de 24 de janeiro de 2020 por Caiqueazael (discussão | contribs)

Autor: Thiago Oliveira Lima Matiolli.

É comum entre pesquisadoras(es), sobretudo aqueles que se pretendem estudar as favelas, tomar como pressuposto o fato de que as pessoas que vivem em áreas que hoje são percebidas como complexo de favelas não se entendem como moradoras de um “complexo”. Essa premissa, que não vem acompanhada de uma evidência empírica, é suficiente para que tais “especialistas” passem a afirmar que essa perspectiva espacial, a qual homogeneizaria o território de determinadas favelas, é algo construído pelo Estado e imposto a quem habita nas áreas faveladas, sobretudo numa lógica militarizada. Negligenciando, assim, a agência de quem vive nesses espaços.

Todavia, a relação que é estabelecida pelas pessoas que vivem nesses espaços renomeados como “complexo de favelas” com seu lugar de moradia promove menos sua identificação (ou não) definitiva como moradoras de um “complexo”, do que a possibilidade de um pertencimento ou não a ele, acionado de modo bastante heterogêneo e, usualmente, estratégico. O que isso quer dizer: primeiro, que não podemos fazer afirmações generalistas e duais que afirmem ou neguem a identidade de alguém a “um complexo”; segundo, e em decorrência do primeiro, os pertencimentos a essa nova escala espacial da cidade do Rio de Janeiro (complexo) são múltiplos, variados e imprevisíveis. As pessoas vão se perceber como moradoras ou não de um complexo de maneiras diferentes. No caso do Complexo do Alemão, que é um bairro da cidade do Rio de Janeiro, o qual carrega esse prefixo no nome de modo formal, podemos citar como exemplos de pertencimentos (ou não) ao Alemão: moradoras(es) que vivam na área do atual Complexo do Alemão há mais de vinte e cinco anos podem não se identificar com o “complexo”, porque a lei que delimita o bairro foi promulgada apenas em 1993, logo, ela não teriam vindo mesmo morar no Complexo do Alemão, mas em outros bairros; quando conversam entre si, com pesquisadoras(es), dentro do bairro, as pessoas tenderão a se identificar com as diversas favelas que o compõem, e não com o complexo como um todo; organizações locais podem acionar o pertencimento ao Complexo do Alemão, por isso projetar sua fala (tendo em vista seu indefinível número de habitante); ou ainda, é possível vislumbrar empreendimentos econômicos que se apropriam desse nome, transformando-o numa brand, como é o caso da cerveja Complexo do Alemão. Então, para se apreender como as pessoas se identificam ou pertencem ao Complexo do Alemão é preciso entender que esse pertencimento seguirá perspectivas variáveis e estratégicas. Trata-se de mais uma escala espacial que se sobrepõe no lugar onde se vive e pode ser acionada se necessário, isto é, uma pessoa pode se ver como moradora, ao mesmo tempo, da Nova Brasília e do Complexo do Alemão, tal como, da Zona da Leopoldina, da cidade e do estado do Rio de Janeiro e deste país chamado Brasil.

Palavras-chaves: pertencimento; Complexo do Alemão; Bairro; favela.

Referências:

Matiolli, Thiago Oliveira Lima. O que o Complexo do Alemão nos conta sobre a cidade do Rio de Janeiro: poder e conhecimento no Rio de Janeiro no início dos anos 80. 2016. 234f. Tese de Doutorado em Ciências. Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.