Posse e Propriedade

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Uma vez que moradia também pressupõe território, lugar para morar, sua prestação atravessa uma complicada e ideologicamente conformada disputa por espaço, seja na cidade, seja no campo. Essa disputa é travada principalmente com o modelo tradicional do direito de propriedade, o qual cultiva uma herança excessivamente individualista e formal. Na regularização fundiária, a moradia pressupõe posse, não propriedade. Todavia, existe uma tradição arraigada na sociedade brasileira e nos países de cultura ocidental, no sentido de interpretar que a estabilidade da relação com um bem imóvel, ou seja, que a segurança da posse somente é atingida quando se adquire a propriedade do bem, a titularidade definitiva sobre ele. Certamente este é um dos fatores determinantes para atualmente se incluir a apropriação privada como fase das políticas públicas de moradias para população de baixa renda. No entanto, não se pode ignorar que a posse é tanto um direito com é a propriedade. Deter o domínio exclusivo de bens imóveis não é natural no sentido de ser inerente à condição humana. A propriedade imobiliária, portanto, não é algo natural. Ela só existe enquanto direito na medida o Estado, através das suas normas, qualifica-a como tal. Logo, a propriedade e seu respectivo conteúdo são determinados pelo sistema jurídico que, atualmente, somente protege a propriedade que cumpre sua função social. O mesmo sistema jurídico prevê que a propriedade de imóveis somente se transmite com o registro imobiliário em cartório e regulamenta em que situações se tem propriedade (foro, superfície, direito de laje, usucapião, legitimação fundiária). No entanto, o princípio da função social da propriedade permite que, mesmo com o registro do imóvel no nome, o proprietário pode perde-lo para quem dá utilidade ao bem. Já a posse existe no mundo fático independente das variações a respeito de seu reconhecimento pelos operadores do direito e, assim como a propriedade, ela também tem função social a observar. A posse qualificada pela função social é um direito, porque instrumento de satisfação de necessidades humanas e porque a um só tempo viabiliza, atende e materializa direitos humanos. A posse pode ser materializada por diferentes mecanismos legais (CUEM, CDRU, permissão, legitimação de posse etc) e pode ser comprovada de diferentes formas (contrato, documentos, contas por serviços, registro no posto de saúde, testemunhos de moradores etc). Em conflitos entre um possuidor que dá função social a um bem e um proprietário (formal) que não dá, é possível fazer prevalecer o direito do possuidor.

Autores: Adauto Lucio Cardoso, Rosângela Luft e Luciana Ximenes.