Rádio Comunitária do Morro Santa Marta

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Autoria: Palloma Menezes.

Rádio Comunitária Santa Marta[editar | editar código-fonte]

Após a inauguração da primeira Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro no Morro Santa Marta no fim de 2008, além das “duras” e averiguações, um foco de conflito entre policiais e alguns moradores nos primeiros anos de ocupação policial foram as novas regras que a UPP passou a utilizar para ordenar a realização de eventos e atividades culturais nas favelas. Após a chegada da polícia, os bailes funks foram completamente proibidos. E, logo, começaram a circular rumores de que os policiais não estavam permitindo que os moradores ouvissem funk nem mesmo dentro de suas próprias residências no início da ocupação. Como afirmou uma moradora do Santa Marta:

 

No começo, eles botaram uma ordem: só podia ficar na rua até às dez [horas da noite]. Se tivesse festa dentro de casa, teria que comunicá-los, porque só podia ser até às duas horas da manhã (...). E diziam que não podia escutar funk... Dentro da sua própria casa (...)! Pelo menos, até hoje, ninguém veio na minha porta falar nada. Mas, no dia em que vier, eu falo! Eu falo: “Eu estou dentro da minha casa, eu escuto o que eu quiser. Se eu quiser escutar pagode, eu escuto; se eu quiser escutar funk, eu escuto; se eu quiser escutar louvor, eu escuto. Até macumba, se eu quiser fazer dentro da minha casa, eu faço, porque eu estou dentro da minha casa, não estou incomodando ninguém”.  (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta)

 

A proibição dos bailes foi possível devido à existência da Resolução 013”[1] que, desde 2007, confere à polícia o poder de proibir eventos artísticos, sociais e esportivos em todo o Estado do Rio de Janeiro. Tal resolução apresenta os requisitos que devem ser seguidos para que seja autorizada a realização de eventos em determinados lugares. Como explica Carvalho, “o que está na resolução vale para todo o estado do Rio de Janeiro. Contudo, nos espaços das favelas que são dedicados às práticas de lazer, como quadras ou campos de futebol, em geral, não apresentam a infraestrutura solicitada pela resolução” (2012, p. 90).

A altura do som, a falta de isolamento acústico e de outros equipamentos como extintor de incêndio, câmeras de segurança e detectores de metal nos locais onde os bailes funks costumavam acontecer passaram a ser algumas das principais justificativas usadas pelo comandante das UPPs para não autorizar a realização desse tipo de evento em favelas “pacificadas”. Alguns policiais argumentavam que a proibição dos bailes era motivada apenas por uma aplicação da lei e não por uma “perseguição” deliberada da UPP ao ritmo musical:

 

Assim, não é que não era permitido (o baile funk no início das UPPs); sempre foi permitido (...) A mídia fala de forma distorcida (...). Tinha uma resolução da Secretaria de Segurança, se eu não me engano é 013, que falava (...) sobre os requisitos para você promover um baile funk ou um baile com música eletrônica, porque eram ocasiões que tinham mais índices de brigas, geravam muitas ocorrências, grande quantidade de pessoas usando drogas. Então, eles fizeram uma fiscalização mais rigorosa em cima disso. Então, não é que a gente proibiu, ninguém proibiu. Simplesmente, a gente falou: “Para você fazer esse evento, você vai ter que cumprir esses requisitos”. E são muitos requisitos! E aqui (no Santa Marta), por exemplo, a quadra não tinha condições de cumprir esses requisitos: saída de emergência, extintor de incêndio e tal, tem que ter câmera com tudo filmado. E eles não tinham condições de fazer. Então, a gente não proibiu o evento porque é funk. Tinha uma resolução que falava sobre isso e, de acordo com aquela resolução, se não fosse cumprida, não tinha como liberar, porque eu estaria autorizando uma coisa que não está de acordo com a lei. Então, não foi proibido. (Trecho de entrevista com um policial do Santa Marta)

 

A censura ao funk era relacionada, portanto, a uma “falta de estrutura adequada” nos locais onde os bailes aconteciam e aos “efeitos colaterais” que seriam causados (ou pelo menos intensificados) pelo “som do batidão”. Policiais afirmavam que não permitiam que o ritmo musical tocasse nem mesmo em festas menores porque a presença do funk estava diretamente associada a um aumento de ocorrências na favela – como o a venda e o consumo de drogas, além do aumento de casos de brigas e confusões.

A criminalização do funk não é algo novo[2]. O funk, aqueles que se identificam como funkeiros, os bailes e seus frequentadores estão associados à violência na cidade do Rio de Janeiro, pelo menos, desde os anos 1990. Mas a partir do processo de “pacificação” a criminalização do ritmo intensificou-se ainda mais. Depoimentos de comandantes de UPPs sobre o tema evidenciam como a proibição do funk em favelas “pacificadas” não está ligada apenas a questões técnicas, mas também à carga simbólica associada a esse ritmo musical.

 

Segundo o capitão Glauco[3] o baile está proibido: “Eu sou contra. Todo o baile funk tem envolvimento com o tráfico. Apesar de ser uma cultura popular, a população ainda não está preparada para isso. No futuro, quando estiverem conscientes, escutando música clássica, música popular brasileira, conhecendo outros ritmos, outras culturas, a gente pode até autorizar, mas hoje não”, argumenta. A capitã Priscilla corrobora com a afirmação e lembra a associação simbólica do baile funk com o tráfico: “Para os trabalhadores, para as comunidades, ter um baile funk aqui hoje significa que a polícia perdeu. É o simbolismo. Vai ter um dia? Vai, mas não agora, conta. (Trecho da reportagem “UPP: tecendo discursos” divulgada na revista Democracia Viva, no 45, de julho de 2010).

 

Embora juristas, como Nilo Batista, considerem que o fato de uma autoridade policial militar tutelar manifestações culturais na favela como “algo absolutamente inconstitucional”[4], parte da população desses territórios – ainda que não declare publicamente, é a favor desse controle. Alguns moradores lembram que antes da proibição, não conseguiam dormir já que os bailes aconteciam sem que houvesse controle do volume do som e do horário de término.

No Santa Marta, durante os dois anos em que esteve à frente da UPP, Priscilla Azevedo estabeleceu que todos os eventos no morro deveriam acabar às 2 horas da manhã. Segundo a comandante, o estabelecimento deste horário-limite foi uma resposta da polícia à uma demanda da própria população: “tem trabalhador aqui que trabalha noite sim, noite não, se toda noite sim ele tiver que ficar ouvindo bateria da escola de samba, forró, pagossamba ou sei lá o que é, o cara vai dormir que horas? Aí ele vai ser obrigado a dormir que horas?”

Além de estipular um horário-limite para o término das festas, Priscilla – assim como o comandante de outras UPPs – passou a exigir que os moradores solicitassem sua autorização[5] para a realização de qualquer evento na favela. Um policial do Santa Marta indicou que essa exigência era importante pois “nós precisamos ter conhecimento sobre o que acontece na comunidade. Quer dizer, é uma festa, um baile, isso tudo, agora, hoje, só pedindo autorização para ser feito”. Uma parcela da população da favela considera que esse ordenamento imposto pela UPP é importante para melhorar o “clima da favela” e “diminuir a bagunça no morro”:

 

Entenda bem: dentro de uma sociedade tem que haver ordem, disciplina e respeito. Então, quer dizer, é o Estado impondo a ordem, a disciplina e o respeito, porque ninguém pode viver sem isso. Porque é aquele negócio (...). Poxa vida, você mora em um condomínio, tem a lei do silêncio às 22 horas, se alguém extrapolar, é claro que você dá um disque-denúncia, a polícia vai lá tomar as medidas. (...) O Estado está agora fazendo o papel dele na favela. Acabou a permissividade. Entendeu? (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)

 

Embora reconheçam que o som alto, muitas vezes, perturbava aqueles que moram perto dos locais onde eram realizados os bailes na favela, diversos moradores – especialmente jovens – reclamam que com a chegada da UPP ficaram “sem opções de lazer dentro do morro”. Eles queixam-se que agora precisam sair da favela quando querem se divertir:

 

Hoje quase não tem cultura no Santa Marta, quase não tem eventos. E os eventos que têm, têm um limite de hora para terminar. (...) Tá horrível, o morro tá muito ruim. Culturalmente, antigamente era muito melhor. (...). Porque antes, mesmo sem grana, a gente ia, curtia, se divertia, sem problema. Quando tem grana, aí sim a gente parte para outro lugar, porque não tem jeito. Às vezes precisa dar uma saída. Só estudar é foda! (Trecho de entrevista com um jovem morador do Santa Marta)

 

Além disso, comerciantes e “produtores culturais” do Santa Marta, apontaram que o controle da vida cultural da favela imposto pela polícia afetou diretamente o trabalho deles. Eles afirmam que os jovens, em especial, têm o costume de só chegar nas festas por volta das 11 horas ou meia-noite. Logo, se as festas têm que acabar às 2 horas, o tempo de duração dos eventos realizados na favela acaba sendo muito curto. E, dessa forma, torna-se muito difícil ter lucro, já que quem promove festas no morro tem que arcar com diversos custos – por exemplo, com equipamento de som e contratação de uma banda ou Dj[6]. Mas como, geralmente, não há nesses eventos cobrança de valor de ingresso (ou quando há, o valor não costuma ser muito alto), a maior parte do lucro vem da venda de comidas e, especialmente, de bebidas. Então, menos tempo de festa significa, quase invariavelmente, um menor consumo de bebidas e um menor lucro para quem promove os eventos.

Além disso, moradores reclamam também que, muitas vezes, os policiais atuam de forma truculenta quando vão pedir que os eventos sejam encerrados e o som desligado. Durante meu trabalho de campo ouvi relatos de casos em que policiais invadiram estabelecimentos comerciais e até mesmo residências – sem terem mandados específicos para entrar nesses locais – para acabar com aniversários, batizados e outras comemorações entre familiares, amigos e vizinhos. Quando relatou um desses casos, um morador afirmou que “essa coisa de ter hora para evento terminar até dentro da casa do morador é uma ditadura”. Outro morador, ao falar sobre o mesmo tema sentenciou: “nós perdemos o morro!”.

Um dos casos que mais ganhou destaque no Santa Marta foi o episódio da prisão de Fiell pouco tempo após o lançamento da Cartilha de Abordagem Policial produzida na favela. O episódio gerou uma repercussão na chamada grande mídia e também dentro da própria favela. Itamar Silva, por exemplo, escreveu uma carta para os moradores e lideranças do Santa Marta na qual ressalta que

 

na ausência do tráfico, o Fiel passou a ser o inimigo público número um da polícia e (...) também dos moradores do Santa Marta (...). Então, neste momento não podemos deixar que a lógica do “dividir para reinar” tome conta do Santa Marta. (...) O meu apelo a todos aqueles que moram e gostam do Santa Marta é que sentemos e façamos um diálogo entre nós e que não caiamos na tentação de repetir, sem reflexão, o que a polícia ou a imprensa diz, o papel deles é outro. SE ESTIVERMOS JUNTOS, COM CERTEZA, ENCONTRAREMOS O CAMINHO DO DIREITO E DA LIBERDADE.

 

Em junho de 2010, um mês após a prisão de Fiell, algumas lideranças do Santa Marta começaram a realizar reuniões na sede do grupo Eco para debater a vida cultural na favela no contexto pós-“pacificação. Durante esses encontros, uma reclamação recorrente era que os recursos prometidos para cultura desde a inauguração da UPP nunca chegaram a ser investidos no Santa Marta.

Outra fala recorrente durante essas reuniões era que a polícia estava querendo aplicar na favela as mesmas regras do “asfalto”, sem levar em conta as singularidades desse espaço social, o que acabava gerando um conflito entre as práticas informais que tradicionalmente existiam no morro e a formalidade que, após a chegada da UPP, começou a ser imposta[7]. Os agentes culturais começaram, então, a questionar e buscar coletivamente como seria possível “fazer valer e respeitar as práticas dos agentes culturais tradicionais dentro da favela”? E uma das respostas encontradas também coletivamente para tal questão foi a criação da Rádio Comunitária Santa Marta em 2010[8]. Como resume Urbina (2013),

 

A Rádio Comunitária Santa Marta foi uma ideia a partir dessas reuniões, uma ideia que se concretizou com as doações do músico Marcelo Yuka para o coletivo Visão da Favela Brasil, os equipamentos permitiram a fundação da Rádio inspirada no trabalho coletivo, sem fins lucrativos e que tinha a intenção de reconhecer, promover e fortalecer todas as manifestações culturais presentes no morro Santa Marta, ao mesmo tempo, tentou ser uma voz do morador tanto na sua comunicação com seu próprio entorno, como uma comunicação com o exterior, seja  a cidade, ou país, ou o mundo. A rádio comunitária é uma instância de uma diversidade de atores locais que antes nunca se tinha visto, trabalhando todos num mesmo projeto. (URBINA, 2013, p. 57)

 

Com pouco tempo de funcionamento, a Rádio conseguiu reunir uma grande quantidade de moradores que montaram coletivamente uma programação diária que inclui programas de diversos tipos musicais (funk, pagode, hip hop, música gospel, música latino-americana, reggae, pop, rock, etc.), programas informativos, jornalísticos, debates e transmissão ao vivo de eventos organizados no morro. Além de transmitir sua programação via FM e via internet, a Rádio também organiza oficinas de formação dos locutores e reuniões semanais no grupo Eco para debater o funcionamento interno. A emissora passou também a promover festas, eventos, debates e atividades que envolvem moradores da favela e também convidados de fora.

Desde o lançamento da rádio, que funcionava na sede do Visão da Favela Brasil[9], seus idealizadores começaram a preparar a documentação necessária para entrar com o pedido de autorização de funcionamento junto ao Ministério das Comunicações. A diretoria sempre frisava durante as reuniões quinzenais de organização interna da emissora, assim como nos discursos públicos que a Rádio Santa Marta era comunitária e não “pirata”, já que não vendia programas e não tinha fins comerciais. Como resume Fiell:

 

A Rádio Santa Marta começou em 2010 e foi até 2011. Foram 8 meses no ar. E ela mudou toda a sociabilidade no morro. As pessoas começaram a escutar uma voz local. Não só uma, várias. Começaram a participar, indo na rádio ou ligando para a radio. Começamos a unir pessoas que de repente não tinham contato. Começamos a levar histórias de pessoas do morro. Foi um dos maiores projetos, que aglutinou mais de 30 pessoas do morro Santa Marta diretamente trabalhando na emissora sem ganhar salário. (Trecho de depoimento de Fiell no documentário “Pelo Santa Marta, para o Santa Marta: o percurso da comunicação comunitária”)[10]

 

No entanto, no dia 03 de maio de 2011, ironicamente o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Rádio Comunitária foi fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações. Agentes da Anatel lacraram todos os equipamentos da rádio e levaram o transmissor. Fiell e Peixe, que também fazia parte da diretoria da Rádio, foram levados para as dependências da Polícia Federal. Posteriormente, Fiell foi condenado e teve que a pagar durante meses cestas básicas por ser oificalmente o responsável pelo funcionamento da rádio.

O fato de a Rádio Santa Marta ter sido fechada e “criminalizada” ao invés de haver um estímulo para que ela pudesse se legalizar – no mesmo momento em que serviços como luz, água e televisão a cabo estavam sendo formalizados – gerou uma forte insatisfação entre os moradores da favela. Eles consideraram o episódio como “mais uma prova do Estado só quer controlar a favela” (o que inclui a tentativa de controle dos fluxos de informação que circulam por esse território), sem permitir que os moradores se organizem e criem canais de debate nas áreas “pacificadas”. Como resumiu Fiell:

 

Pacificação a gente dá o entendimento de paz, de voz para a população, progresso para essa população e, nessa mesma favela que tem esse projeto de pacificação foi tirada uma rádio comunitária, que o povo fazia, que o povo participava, que levava benefícios para essa população. Então, tem muitas contradições. O que é realmente necessário para uma população tem que ser debatido com ela. Até hoje a população pede, pergunta sobre a rádio Santa Marta! (Depoimento de Fiell no documentário “Pelo Santa Marta, para o Santa Marta: o percurso da comunicação comunitária”)[11]

 

 Referências[editar | editar código-fonte]

[1] Algumas das exigências da Resolução 013 são: o aviso de que o evento vai acontecer com 20 dias de antecedência às autoridades; delimitação de áreas de estacionamento para público do evento; instalação de geradores para caso de blecaute; instalação de câmeras de segurança no local; instalação de detector de metais nas entradas; atendimento médico emergencial no local do evento. Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/10/12/em-favelas-com-upp-baile-funk-perde-a-vez-para-festas-de-classe-media.htm (Acessado em 04 de dezembro de 2013)

[2] Já na década de 1980, Hermano Vianna (1988) foi o primeiro a apontar a dimensão do funk como fenômeno de massa que começou com os bailes dos subúrbios e periferias cariocas que, inicialmente, era desconhecido para a juventude de classe média da Zona Sul e para a grande mídia. Como aponta Facina, “a notoriedade midiática veio nos anos 1990 e ocupou não as páginas dos elitizados cadernos culturais dos jornais cariocas, mas sim o noticiário policial (...). Foram os arrastões ocorridos no Arpoador e em outras praias da Zona Sul que deram visibilidade aos funkeiros (...). Os arrastões foram apresentados ao amedrontado público como assaltos realizados por bandos de funkeiros favelados (...). Os ‘arrastões’ despertaram o interesse da mídia corporativa pelos bailes que já ocorriam há mais de uma década, que passou a noticiá-los sempre destacando a violência ocorrida dentro e fora dos clubes. Principalmente a partir de 1995, vai ser comum também acusação de ligação dos bailes com o comércio varejista de drogas” (FACINA, 2009, p. 4).

[3] Glauco Schorcht em 2010, na ocasião dessa declaração, era responsável pela UPP do Morro da Providência.

[5] Durante o período em que fiz trabalho de campo no Santa Marta não parecia haver um procedimento padrão em relação ao dia em que os pedidos de evento deveriam ser entregues pelos moradores e nem que as repostas deveriam ser dadas pela UPP. A concessão de autorização parecia variar muito de acordo com quem estava promovendo o evento, o local onde a atividade cultural seria realizada e também a agenda e o humor do comandante. Já na Cidade de Deus notei que, pelo menos, aparentemente, havia uma maior formalização nesse procedimento. Numa tarde de sexta-feira fui até a sede da UPP para fazer entrevistas com policiais. Entre uma entrevista e outra, eu ficava esperando no hall de entrada no primeiro andar da UPP e pude notar a movimentação de moradores indo até o prédio para verificar se os pedidos de autorização de eventos que tinham sido entregues alguns dias antes tinham sido aprovados. Uma policial explicou que os pedidos deveriam sempre ser entregues no início da semana e as respostas saíam todas na sexta-feira. O que mais me chamou atenção era que os movimentos dos corpos, o modo de iniciar a fala não deixava dúvida de que entrar na UPP e falar com um policial não era algo confortável para a maioria dos moradores que ali estavam. Quase todos pareciam deslocados e gaguejavam no início da fala, como se estivessem escolhendo as palavras para expressar o que queriam dizer. Dos casos que presenciei, as respostas foram todas positivas.

[6] Alguns moradores apontam que uma parcela ou até mesmo a totalidade dos custos com equipamento de som, Djs ou bandas que tocavam em eventos no morro era muitas vezes custeada por traficantes na época em que a favela não era “pacificada”. Com a chegada da UPP, houve um corte desse “patrocínio”, o que dificultou ainda mais a realização de eventos organizados por moradores na favela.

[7] Dentro do grupo que estava participando das reuniões parecia haver uma divisão (ainda que ela não fosse totalmente explícita). Uma parcela dos participantes parecia querer debater a melhor forma se de adaptar ao novo contexto, enquanto outra estava mais preocupada em mostrar um descontentamento em relação ao que estava ocorrendo no morro. Os primeiros achavam que os “produtores culturais” da favela deveriam formalizar algumas regras para a realização de eventos no morro, como, por exemplo, a proibição da venda de cerveja em garrafa nos eventos para que elas não fossem usadas como “armas” em casos de brigas; deveria também haver uma fiscalização interna para que o horário pré-estipulado para o término do evento fosse respeitado. Outra parte do grupo achava, contudo, que estabelecer esse tipo de regra era produzir uma “arma” que depois a UPP poderia usar contra os próprios moradores. Por isso, seria melhor que o grupo pensasse numa estratégia para evidenciar um descontentamento em relação ao que estava acontecendo e tentar fazer uma resistência ao invés de simplesmente se adequar ao novo contexto.

[8] Moradores do Santa Marta relatam que a ideia de criar uma rádio no Santa Marta já existia desde 2002, quando Luiz Kleber, que era mais conhecido como Ske, e Lula – dois moradores do Santa Marta – começaram a tentar viabilizar a criação de uma estação de rádio comunitária na favela. Seis anos depois Ske e Lula conseguiram uma parceria para viabilizar tal projeto: a ONG Promundo doou os equipamentos para a criação da primeira rádio comunitária no Santa Marta. A ideia inicial de Luiz Kleber era fazer uma programação evangélica na rádio que foi batizada de “Som da Casa FM 106,1” e foi lançada em fase de teste.  Todavia, Luiz Kleber teve um sério problema de saúde e a programação da rádio foi interrompida. No mês de março de 2010, Sker faleceu e Lula ficou desanimado para continuar levando adiante o projeto sozinho. No mesmo ano, contudo, uma nova parceria surgiu. Em uma palestra na Universidade Federal do Rio de Janeiro na Praia Vermelha, o rapper Fiell reencontrou o músico Marcelo Yuka (ex-integrante da banda O Rappa) que resolveu doar uma rádio ao grupo Visão da Favela Brasil. Assim que recebeu a notícia, Fiell lembrou do projeto iniciado por Ske e ligou para o Lula contando a novidade. A partir desta conversa, Fiell e Lula resolveram dar continuidade à ideia de instalar uma rádio na favela e criaram a Rádio Comunitária Santa Marta.

[9] Como descreve Urbina: “A rádio funciona numa casa simples, alugada pelo coletivo Visão da Favela Brasil, casa que tem dois quartos, um utilizado para os trabalhos do coletivo de hip hop e outro usado como estúdio da rádio comunitária. A rádio é acessível, fica num beco de fácil acesso (...) As pessoas faziam esse uso da rádio, um lugar de encontro, organização, e comunicação” (2013, p. 87).

[10]Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo(Acessado em 31 de julho de 2014)

[11]Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=mv8wp8W10Zo(Acessado em 31 de julho de 2014).