Rádio Grande Tijuca

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Fonte: Experiências em Comunicação Popular no Rio de Janeiro ontem e hoje, 2016. Ed. NPC. 

Escrito por: Claudia Santiago / Entrevistas: Tatiana Lima 

Miramar Pereira Castilho tem 60 anos. Mora no Borel há 50. É animador, organizador e locutor da Rádio Grande Tijuca. Ele conta que a rádio começou em dezembro de 2001, a partir de uma iniciativa do colégio Oga Mitá, cuja diretora Márcia Leite pretendia por no ar uma rádio comunitária feita pelos alunos. Uma rádio dentro da escola. Como Márcia participava da Agenda Social Rio, a ideia se ampliou. Com muitos contatos, que vão desde Associação de Moradores da Tijuca até políticos e professores, ela propôs levar a rádio para além dos muros da escola. E assim nasceu a Rádio Grande Tijuca.

No começo, a rádio funcionava na própria escola Oga Mitá, mas como o objetivo era atingir os moradores de 24 favelas e oito bairros que compõem a grande Tijuca, o sinal precisava atingir toda a área. Então, ficou decidido que a antena e o transmissor seriam colocados na parte mais alta do Borel.

Até que, um dia, a Escola Oga Mitá mudou de endereço. Quando isso aconteceu, os equipamentos ficaram sob a responsabilidade de Miramar, morador do Borel e locutor mais antigo da rádio. “Levei a caixa com os equipamentos para o Borel. Não era para funcionar porque é muito perigoso uma rádio comunitária funcionar. Mas eu botei para funcionar. A Rádio Grande Tijuca está no ar até hoje. Tem gente que me chama de Dom Quixote de La Mancha. Me deram até o livro porque falaram que eu sou igual a ele. É a persistência e a loucura. Eu respiro a rádio dia e noite”.

A aceitação pela população do Borel e a incorporação da comunidade ao projeto da rádio aconteceram gradativamente. Aos poucos, moradores começaram a participar das reuniões mensais da rádio, da organização dos programas, da articulação das ações. “Rádio comunitária não é só uma rádio em que fica se passando música dentro de um estúdio. É uma articulação”, diz Miramar.

Para o Dom Quixote do Borel, é a articulação entre pessoas, interesses e demandas sociais que forma e define uma rádio comunitária. “A rádio comunitária é uma rádio que tem identidade com a comunidade. Tem que respeitar as preferências das comunidades em relação à música, cultura e atividades sociais. Ela é interativa com a comunidade”.

Miramar explica que e o envolvimento acontece a partir da participação nos eventos realizados pela comunidade. “A rádio tem que estar presente sempre que há um evento, por exemplo. A rádio tem que estar na pista, andando, o microfone da rádio tem que ser móvel, e não preso no estúdio. Estendo o microfone, coloco uma extensão e falo: segura aí senhora, segura aí, senhor”.

A Rádio Grande Tijuca tem o apoio do comércio local para suprir os pequenos gastos como telefone, Internet, o básico para funcionar. Eles não têm recursos para contratar um DJ, para receber telefonemas e falar com os ouvintes. Até hoje, a rádio não está regulamentada. Há 14 anos luta para ter sua situação regularizada no Ministério das Comunicações. Já enviaram todos os papéis, todas as assinaturas, mas o governo alegou problema com transmissor, antena, localização e mandou a documentação de volta.

Pressão ou repressão?

De acordo com Miramar, a rádio nunca teve problemas com a repressão. “Quando chegou a pacificação eu levei um susto danado. Agora minha rádio dança, pensei. Ainda mais quando o comandante do 1º Batalhão do Borel me chamou e perguntou “você tem uma rádio comunitária?”. Respondi que sim e ele disse que queria conversar comigo. Minhas pernas tremeram. Mas ele disse que queria ajudar a regulamentar. Mas também não resolveu. Eles não atrapalham em nada”.

Miramar explica, porém, que há necessidade de ter cuidado com o que se fala na rádio ecautela para emitir certas notícias. “Temos que ir devagar no que a gente fala, porque pode mexer com alguém e esse alguém nos prejudicar”.

Mônica Francisco, cientista social que foi da Rádio Comunitária do Borel (RCB) também dedicou um tempo da sua vida à Rádio Grande Tijuca.

“A proposta da rádio era agregar o maior número possível de tijucanos da favela e do asfalto. Naquele momento a Tijuca sofria com uma guerra entre facções rivais. Eram tiroteios incessantes praticamente todas as noites. Essa guerra impedia que uma rádio de uma determinada favela divulgasse ações de outra favela. E esse se torna um assunto proibido”, recorda Mônica.

A Rádio Grande Tijuca se tornou um espaço de encontro entre moradores, artistas tijucanos e músicos. A variada programação começava às 8 horas da manhã. Havia na grade vários programas. Mônica Francisco fazia o “Fala Comunidade”, às 17 horas, entre outros.  Tinha entrevistados e uma vez por mês era entrevistado o comandante do Batalhão da Polícia Militar da área e o subprefeito.

Depois a Rádio comprou uma chave híbrida que possibilitava receber e fazer telefonemas para fazer entrevistas por telefone. Daí foi um passo para a rede de rádios do Viva Rio. Precisava-se tratar da formalização das rádios comunitárias.

Durante cinco anos Mônica foi militante da Comunicação Popular na Tijuca. Chegou a ser diretora da Federação das Associações de Rádios Comunitárias do Rio de Janeiro (Farc-RJ), de 2003 a 2005.

Para Mônica, a Comunicação Popular é a saída para as lutas populares desde que não seja mero reprodutor da mídia oficial, dos jornais ou programas de outras rádios jornalísticas de emissoras oficiais. “Quando damos uma notícia, fazemos comentários, produzimos reflexão. A Comunicação Popular dá a possibilidade de você ver o outro lado. Porque quando você tem uma voz única fica muito difícil formar uma opinião que seja no mínimo coerente. A Comunicação Popular tem esse papel de saída: no jeito, na linguagem, na forma de comunicação. Não é à toa que você tem na Europa uma estrutura de rede de rádios comunitárias que são imprescindíveis para a vida de uma cidade. No interior do país, a rádio comunitária e Comunicação Popular é que fazem acontecer porque se não as notícias não chegariam. A comunicação de cunho popular, as rádios comunitárias, as mídias comunitárias possibilitam outro olhar sobre tudo. Possibilitam que o popular tenha acesso e produza informação. Isso é fantástico”.