Turismo em favela: mudanças entre as edições

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[[Imagem:Leslie five points new york 1885 3c22660v.jpg|direita|thumb|250px|Turismo de gueto em [[Five Points (Manhattan)]] em 1885]]
Água morro abaixo e fogo morro acima e invasão de turistas em favelas pacificadas é difícil de conter. Algo preciso ser feito para que a positividade do momento não transforme esses lugares em comunidades “só pra inglês ver”.


'''Turismo em favela''', ou '''turismo de gueto''' é um tipo de turismo que envolve visitar áreas mais pobres ou segregadas de grandes cidades. Originalmente focada em bairros de [[Londres]] e [[Manhattan]] no século XIX, esta modalidade de turismo tem se difundido, incluindo destinos como a [[África do Sul]], [[Índia]], [[Brasil]], [[Quénia|Quênia]] e [[Indonésia]].<ref name="repository.upenn.edu">{{citar jornal|autor =|coautor=|título=Slum Tourism: A Trip into the Controversy|url=http://repository.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1011&context=uhf_2010|data=15 de Maio de 2010|acessodata=2011-07-25}}</ref><ref>{{Citar jornal|url=https://select.nytimes.com/gst/abstract.html?res=F50E12F8385C15738DDDAD0994D1405B8484F0D3|titulo=Slumming In This Town. A Fashionable London Mania Reaches New-York. Slumming Parties To Be The Rage This Winter. Good Districts To Visit. Mrs. Langtry As A Slummer}}</ref><ref>{{Citar web|url=http://www.slowroll.bike/|titulo="Slow Roll Detroit"}}</ref>
As favelas pacificadas tornaram-se alvo de uma volúpia consumidora poucas vezes vista no Rio de Janeiro. A partir do momento em que se instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora – UPP em algumas favelas, é como se tivesse sido descoberto um novo sarcófago de Tutankamon, o faraó egípcio. Uma legião de turistas, pesquisadores, empresários, comerciantes “descobriram” as favelas.  


== História ==
O ''[[Oxford English Dictionary|dicionário de língua inglesa Oxford]]'' data o primeiro uso da palavra '''''slumming''''' em 1884, este termo deriva do inglês [[slum]] e designava a experiência de visitar as áreas menos favorecidas de um determinado local. Em Londres, as pessoas visitavam bairros como [[Whitechapel]] ou [[Shoreditch]], a fim de observar a vida das comunidades nestes locais. Por volta de 1884, as pessoas mais ricas em [[Nova Iorque|Nova York]] visitavam os bairros de [[Bowery]] e [[Five Points, Manhattan|Five Points]], situados no [[Lower East Side]]. Estes bairros abrigavam os imigrantes pobres de Manhattan e o interesse dos visitantes era entender "como a outra metade vivia".<ref>{{Citar jornal|url=http://en.rian.ru/columnists/20101021/161035393.html|titulo=Left at the Crossroads: Ogling the poor}}</ref>


Na década de 1980 na [[África do Sul]], moradores negros organizavam passeios para educar os brancos dos governos locais sobre as condições de vida da população negra. Tais passeios atraíam também turistas internacionais, que tinham curiosidade a respeito do [[Apartheid|apartheid no país]]<ref>Dondolo, L., 2002. ''The Construction of Public History and Tourism Destinations in Cape Town's Townships: A Study of Routes, Sites and Heritage'', Cape Town: University of the Western Cape</ref>
O Santa Marta, primeira a ter uma UPP, ao longo dos seus quase 90 anos sempre recebeu, na maioria das vezes de forma discreta, visitantes estrangeiros. E em alguns casos ilustres: Rainha Elizabeth, Senador Kennedy, Gilberto Gil…..Até mesmo Michael Jackson quando gravou seu clip ali não permitiu a presença da mídia. A partir de 2008, iniciou-se a era das celebridades e a exposição da favela para o mundo.


Em meados da década de 1990, viagens internacionais começaram a ser organizados com destino aos países em desenvolvimento, principalmente focadas nas [[favela]]s.


Esta modalidade de turismo tem crescido em popularidade e muitas vezes é promovida por empresas tradicionais de turismo. A [[Cidade do Cabo]], por exemplo, é visitada por mais de 300.000 turistas cada ano para ir às favelas.[[Turismo em favela#cite%20note-6|<sup>[6]</sup>]]
Mas as favelas sempre exerceram um fascínio especial sobre turistas estrangeiros. Foram eles os mais ousados, ao buscar entender a realidade de seus moradores. Enquanto os turistas nacionais, e ouso dizer os moradores desta cidade (em sua maioria), se mantinham afastados exercendo seu preconceito. No entanto, a exposição diária desses territórios “agora pacificados” nos jornais, e sua incorporação na trama de novelas, foi a chave para atrair os turistas.  


Antes do lançamento de ''[[Slumdog Millionaire]]'', em 2008, [[Bombaim|Mumbai]] era um dos principais destinos turísticos.
O conceito de turismo em favela recentemente começou a ganhar mais atenção da mídia e das universidades. Em dezembro de 2010, a primeira conferência internacional sobre o turismo em favela foi realizada em [[Bristol]].<ref>{{Citar web|url=http://www.destinationslum.com|titulo=Destination Slum}}</ref>


== Locais ==
Algumas perguntas, porém, precisam ser feitas e outras respondidas no momento em que o poder público pensa em investir neste filão: O que é uma favela preparada para receber turistas? Que 'maquiagem' precisa ser feita para que o turista se sinta bem? Que produtos os turistas querem encontrar ali? O comércio local deve adaptar-se aos turistas ou servir aos moradores?
O turismo em favela é realizada principalmente em áreas urbanas de países em desenvolvimento, na maioria das vezes nomeado pelo tipo de áreas que são visitadas:
* ''Township tourism'': focado na [[África do Sul]] e [[Namíbia|Namíbia pós-apartheid]]. Os assentamentos sul-africanos ainda são divididos entre ricos, historicamente subúrbios brancos, e pobres, historicamente bairros negros, refletindo os efeitos do [[apartheid]] e da segregação racial no país.
* Turismo de favela: Brasil<ref>{{Citar web|url=http://www.dandc.eu/en/article/oberdan-basilio-chagas-guides-visitors-through-his-favela|titulo="Different from what visitors expect", Interview with Oberdan Basilio Chagas who guides visitors through his favela. In: D+C Vol.42.2015:4}}</ref>
* Na Índia, o principal destino é [[Dharavi]] em [[Bombaim|Mumbai]], local retratado no filme ''[[Slumdog Millionaire]]''<ref name="BBC2015">{{Citar web|url=http://www.bbc.com/news/business-19546792|titulo=Slum tourism: Patronising or social enlightenment? - BBC News|lingua=en-GB}}</ref>
* Na Indonésia, o principal destino é Jacarta, sua capital.<ref>{{Citar web|url=http://realjakarta.blogspot.com/|titulo=Jakarta Hidden Tours}}</ref>
* No Canadá, a área de Jane-Finch em Toronto, Ontário tem ganhado notoriedade bem uma área em transição
* O turismo de [[gueto]] pode focar em divisões sociais ou religiosas, tendo como exemplos [[Nova Iorque|a cidade de Nova York]], nos Estados Unidos e [[Belfast]], na Irlanda do Norte.
A viagem de turistas internacionais para [[Nova Iorque|a cidade de Nova York]] nos anos de 1980 levou a uma explosão do turismo no [[Harlem]]. Em 2002, a [[Filadélfia]] começou a oferecer passeios de aos seus [[bairro]]s do suburbio. Após [[Furacão Katrina|o Furacão Katrina]], passeios foram oferecidos ao Lower Ninth Ward, devastado pela inundação. Este bairro de Nova Orleans é  notório por sua violência e pobreza.


Muitas vezes os destinos englobam áreas que se tornaram famosas, direta ou indiretamente, por menção de artistas. Exemplos seriam a 8 Mile Road, em [[Detroit]], popularizada pelo rapper [[Eminem]]; a Crenshaw Boulevard no [[South Los Angeles|Centro-Sul de]] [[Los Angeles]], uma área metropolitana que inspirou toda uma geração de pioneiros musicais.


[[Charleroi]], na Bélgica, é outro exemplo deste fenômeno em um país desenvolvido.<ref>{{Citar jornal|url=http://www.bbc.com/news/world-europe-37755267|titulo=Wallonia: Eight things you didn't know about Belgium's French-speaking region}}</ref>
O que fica para o conjunto dos moradores das milhões de visitas (segundo a mídia) que mensalmente sobem e descem o Santa Marta? Quem faz o controle do número de turistas que a visitam? Quanto rende esta atividade e quem contabiliza? O que é espaço público e o que é espaço privado no Santa Marta? Se o Morro não é uma propriedade particular, não tem um dono, todo e cada morador tem o direito de opinar sobre o que está se passando com o seu lugar de moradia.  


=== Experiência no Brasil ===
Essas e outras questões deveriam ser discutidas pelos moradores e pelos gestores públicos que pensam em incrementar o turismo em favelas pacificadas.  
O interesse pelo Brasil se intensifica a partir dos anos 2000, porém existem registros de visitas já nos anos 1940.<ref>{{citar periódico|ultimo=Moraes|primeiro=Camila|data=14 de setembro de 2016|titulo=Turismo em favelas: notas etnográficas sobre um debate em curso|url=https://www.revistas.usp.br/plural/article/download/125110/122183|jornal=PLURAL, Revista do Programa de Pós‐Graduação em Sociologia da USP|acessodata=16 de março de 2018}}</ref> O principal destino dos visitantes é o Rio de Janeiro, com maior concentração na Rocinha. Em artigo para a revista Plural da USP, Camila Moraes diz: "[Se até 2008 a Rocinha era a principal favela turística, a partir de 2009 ela começa a compartilhar a atenção dos turistas com Santa Marta, Complexo do Alemão e Vidigal, entre outras, principalmente por causa das políticas públicas implementadas nessas áreas."


Em 2017, a morte de uma visitante espanhola na Rocinha pela [[Polícia militar|PM]] trouxe a quesão do Turismo nas Favelas novamente a tona.<ref>{{Citar periódico|titulo=Violência afeta turismo em favelas do Rio|url=https://extra.globo.com/casos-de-policia/guerra-do-rio/violencia-afeta-turismo-em-favelas-do-rio-21825217.html|jornal=Extra Online}}</ref> Com o aprofundamento da crise e a insegurança no Rio de Janeiro, o fluxo de turismo para a cidade tem se reduzido, o número de visitas médios caíram de 1200 por mês em 2013 para 150 visitas por mês em 2017.<ref>{{Citar periódico|data=2017-11-10|titulo=Turismo questionável - ISTOÉ Independente|url=https://istoe.com.br/turismo-questionavel/|jornal=ISTOÉ Independente}}</ref><ref>{{Citar periódico|ultimo=Betim|primeiro=Felipe|data=2017-10-25|titulo=O dilema do turismo na favela: “Se é errado visitar porque é perigoso, seria errado morar lá, certo?”|url=https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/24/politica/1508882019_228345.html|jornal=EL PAÍS}}</ref>
   


[[Categoria:!Artigos que carecem de notas de rodapé]]
Se os moradores não se organizarem e assumirem os protagonismos das ações de turismo e de entretenimento no Santa Marta, vamos assistir os nativos (os de dentro) servindo de testa de ferro para empreendimentos e iniciativas dos de fora, às custas de uma identidade local que aos poucos vai perdendo suas características.


== Motivações ==
Um estudo de 2010 feito pela Universidade da Pensilvânia mostrou que os turismo em [[Dharavi]], na Índia, era principalmente motivado por curiosidade, em oposição a vários outros fatores, tais como a comparação social, entretenimento, educação, ou as autorrealização. Além disso, o estudo constatou que a maioria dos moradores das regiões visitadas eram ambivalentes sobre os passeios, enquanto a maioria dos turistas relataram sentimentos positivos durante o passeio, com "interesse" e "curiosidade" sendo os sentimentos mais comumente citados Muitos turistas visitam esses locais para colocar a vida em perspectiva.


== Críticas ==
Talvez, tomar os princípios do turismo comunitário: integridade das identidades locais, o protagonismo e autonomia dos moradores, ajudem-nos a encontrar estratégias para receber os de fora sem sucumbir às regras violentas de um turismo mercadológico.
O turismo em favela é objeto de muita controvérsia. Tanto críticas quanto defesas desta prática foram feitas em editoriais de importantes jornais, como o ''[[The New York Times|New York Times]]'', ''[[The Wall Street Journal|Wall Street Journal]]'',''[[The Times]]'' de Londres, entre outros.


A principal acusação é que "transforma a pobreza em entretenimento, que pode ser momentaneamente experimentada e, em seguida, abandonada". Kennedy Odede, um Queniano, escreveu no em um editorial aberto do ''New York Times'', "Eles ganham fotos; nós perdemos um pedaço da nossa dignidade."<ref>''Slumdog Tourism'', Kennedy Odede, ''New York Times'', August 9, 2010 https://www.nytimes.com/2010/08/10/opinion/10odede.html, accessed 12/6/2011.</ref> Outros críticos chamam os passeios de [[Voyeurismo|voyeurimo]] e exploração.<ref name="Weiner">Eric Weiner, ''Slum Visits: Tourism or Voyeurism?'', ''New York Times'', March 9, 2008, http://travel.nytimes.com/2008/03/09/travel/09heads.html?pagewanted=all, accessed 12/6/2011.</ref> Os críticos deste tipo de turismo citam o fato de que [[Natal|o Natal]] e [[Dia dos Namorados|o Dia dos Namorados]] são datas comuns para a viagem, dando suporte à crença de que os ocidentais costumam visitar favelas apenas para "se sentir melhor sobre si mesmos" durante estes fériados, quando a maioria das pessoas em famílias e com pessoas significativas.<ref>{{Citar jornal|url=http://www.huffingtonpost.com/2013/05/08/slum-tourism-brazil-india-south-africa_n_3237489.html|titulo=Your Next Vacation Destination: A Slum?}}</ref>


Estes passeios oferecem emprego e renda para os guias de turismo, uma oportunidade para os artesãos venderem [[Souvenir|lembranças]], e a possibilidade de se investir na comunidade com o lucro que é ganho. Da mesma forma, se defende que os turistas podem ser motivados a ajudar a comunidade, como um resultado da visita.<ref>[https://www.sciencedaily.com/releases/2010/01/100128142349.htm Does slum tourism make us better people?], ''ScienceDaily''</ref>


== Veja também ==
Autor: Itamar(Santa Marta).
* [[Disaster tourism|Turismo de desastre<br /> ]]
* [[Ruins photography|Fotografia de ruínas<br /> ]]
* [[Exploração urbana|Exploração urbana<br /> ]]
 
== Referências ==
{{reflist}}
 
== Links externos ==
* [http://www.slumtourism.net Slumtourism.net]
[[Categoria:Turismo de aventura]]
[[Categoria:Favelas]]
[[Categoria:Segmentações do turismo]]

Edição das 15h10min de 6 de fevereiro de 2019

Água morro abaixo e fogo morro acima e invasão de turistas em favelas pacificadas é difícil de conter. Algo preciso ser feito para que a positividade do momento não transforme esses lugares em comunidades “só pra inglês ver”.

As favelas pacificadas tornaram-se alvo de uma volúpia consumidora poucas vezes vista no Rio de Janeiro. A partir do momento em que se instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora – UPP em algumas favelas, é como se tivesse sido descoberto um novo sarcófago de Tutankamon, o faraó egípcio. Uma legião de turistas, pesquisadores, empresários, comerciantes “descobriram” as favelas.


O Santa Marta, primeira a ter uma UPP, ao longo dos seus quase 90 anos sempre recebeu, na maioria das vezes de forma discreta, visitantes estrangeiros. E em alguns casos ilustres: Rainha Elizabeth, Senador Kennedy, Gilberto Gil…..Até mesmo Michael Jackson quando gravou seu clip ali não permitiu a presença da mídia. A partir de 2008, iniciou-se a era das celebridades e a exposição da favela para o mundo.


Mas as favelas sempre exerceram um fascínio especial sobre turistas estrangeiros. Foram eles os mais ousados, ao buscar entender a realidade de seus moradores. Enquanto os turistas nacionais, e ouso dizer os moradores desta cidade (em sua maioria), se mantinham afastados exercendo seu preconceito. No entanto, a exposição diária desses territórios “agora pacificados” nos jornais, e sua incorporação na trama de novelas, foi a chave para atrair os turistas.


Algumas perguntas, porém, precisam ser feitas e outras respondidas no momento em que o poder público pensa em investir neste filão: O que é uma favela preparada para receber turistas? Que 'maquiagem' precisa ser feita para que o turista se sinta bem? Que produtos os turistas querem encontrar ali? O comércio local deve adaptar-se aos turistas ou servir aos moradores?


O que fica para o conjunto dos moradores das milhões de visitas (segundo a mídia) que mensalmente sobem e descem o Santa Marta? Quem faz o controle do número de turistas que a visitam? Quanto rende esta atividade e quem contabiliza? O que é espaço público e o que é espaço privado no Santa Marta? Se o Morro não é uma propriedade particular, não tem um dono, todo e cada morador tem o direito de opinar sobre o que está se passando com o seu lugar de moradia.

Essas e outras questões deveriam ser discutidas pelos moradores e pelos gestores públicos que pensam em incrementar o turismo em favelas pacificadas.


Se os moradores não se organizarem e assumirem os protagonismos das ações de turismo e de entretenimento no Santa Marta, vamos assistir os nativos (os de dentro) servindo de testa de ferro para empreendimentos e iniciativas dos de fora, às custas de uma identidade local que aos poucos vai perdendo suas características.


Talvez, tomar os princípios do turismo comunitário: integridade das identidades locais, o protagonismo e autonomia dos moradores, ajudem-nos a encontrar estratégias para receber os de fora sem sucumbir às regras violentas de um turismo mercadológico.


Autor: Itamar(Santa Marta).