Vicente Ferreira Mariano (1918-1971): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Vicente Ferreira Mariano, nascido em Minas Gerais, foi figura-chave na diretoria da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) ao longo dos anos 1965-1971. No biênio 1965-1967, ocupou a 2a vice-presidência da entidade, passando à presidência nos dois mandatos subsequentes (1967-1971). Nesse período, a entidade ocupou a linha de frente na luta contra a política de remoções sistemáticas de favelas implementada na cidade do Rio de Janeiro.
Vicente Ferreira Mariano nasceu em 07/04/1918, em Minas Gerais, sendo filho de Ciríaco José Mariano e Julieta Apolinária. Tendo se mudado para a cidade do Rio de Janeiro, ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCB, que adotaria a denominação de Partido Comunista Brasileiro em 1961), em março de 1946. Trabalhou como enfermeiro na Santa Casa da Misericórdia e no Hospital do Andaraí. Em 1950, em função de suas atividades politicas, teve um pedido de atestado negativo de ideologia indeferido pela polícia política, o que dificultou a sua aceitação como funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM). Ao longo dos anos 1960, como morador do morro de São Carlos, foi um dos mais destacados dirigentes do movimento de favelados carioca, desempenhando papel central na luta contra os programas de remoções sistemáticas de favelas. Faleceu em 1971, em decorrência de um infarto, deixando esposa, duas filhas e um filho1.


Essa posição de liderança na FAFEG foi o resultado de uma vasta experiência de militância política que remonta, pelo menos, a março de 1946, quando se filiou ao PCB. Ao longo das décadas subsequentes, ocupou cargos em direções de variadas entidades de favelados, atuando em acordo com as linhas políticas gerais defendidas pelo partido. Nessa trajetória, pode-se destacar, em âmbito local, a participação, no início dos anos 1960, na diretoria do Centro Social de Defesa dos Interesses do Morro de São Carlos, favela onde vivia. Em 1963, passou a atuar em órgãos diretivos de entidades federativas ao ser eleito para compor o Conselho Fiscal da Coligação dos Trabalhadores Favelados da cidade do Rio de Janeiro.


Já na FAFEG, suas gestões foram caracterizadas pela adoção de uma perspectiva que compreendia as mobilizações dos favelados como um momento da luta de classes e parte necessária do combate ao regime ditatorial instalado em 1964. As formulações desse ponto de vista adquiriram maior organicidade no II Congresso da FAFEG (realizado no final de 1968) e suas ações mais incisivas se deram na resistência à remoção das favelas do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas (principalmente, Ilha das Dragas e Praia do Pinto).
O Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro de São Carlos


Em função de seu contínuo ativismo político, foi detido por órgãos da polícia política por duas vezes, em 1964 e 1969. Em 1971, pouco meses após um novo grupo político aceder à diretoria da FAFEG em um pleito profundamente controlado pelo aparato repressivo da ditadura, Vicente faleceu no Morro de São Carlos em decorrência de um infarto.


Autor: Marco M. Pestana
Parte significativa da militância de Vicente em meio às lutas dos favelados desenvolveu-se como diretor do Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro de São Carlos, tendo sido presidente, vice-presidente e presidente do conselho fiscal da entidade. Com efeito, sua participação estendeu-se da fundação da entidade, em 1960, até a sua morte, em 1971. Em sua atuação à frente da associação, lutou, ao lado de inúmeros outros militantes, pela obtenção de serviços e infraestrutura urbana para a favela (redes de água, esgoto e eletricidade, pavimentação das ruas, etc), além de atuar na regulação de conflitos envolvendo os moradores locais. Sua militância também foi marcada pela adesão à oposição à ditadura empresarial-militar instalada em 1964. Nesse processo, um de seus colaboradores mais próximos foi Abdias José dos Santos, com quem também estabeleceu uma parceria ao longo do tempo em que ambos foram dirigentes da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG), conforme será discutido.
Durante parte significativa da década de 1960, os integrantes do Centro Social lutaram continuamente pela garantia da legitimidade da entidade para representar os moradores locais, tendo como seus principais adversários alguns setores da Polícia Militar do Estado da Guanabara (PMEG)2. A disputa entre os dois grupos iniciou-se em 1961, com a transferência da responsabilidade pela gestão da área, que passou da Polícia Militar para a Coordenação dos Serviços Sociais (CSS) da Guanabara, então criada pelo governador Carlos Lacerda (UDN). Então comandada pelo sociólogo José Arthur Rios, a CSS iniciou um programa de realização de melhorias urbanas em dezenas de favelas intitulado “Operação Mutirão”. Para tal, era estabelecido um acordo direto com a associação de cada favela específica, que passava a ser responsável, sob os ditames da Coordenação, pelo controle cotidiano do espaço local. Embora se tratasse de uma evidente tentativa de romper a solidariedade interfavelas que caracterizara a mobilização dos favelados na segunda metade dos anos 1950, notadamente por meio da União dos Trabalhadores Favelados (UTF), essa iniciativa possibilitou a obtenção de melhorias reais por inúmeras favelas.
Ainda em 1961, o comandante do 7o Batalhão da PM afirmou desconhecer qualquer autoridade sobre a área para além daquela da própria polícia, determinando o fechamento definitivo da associação. Não alcançando sucesso naquela conjuntura, as forças policiais iniciaram nova ofensiva após a instalação da ditadura em 1964. Tendo perdido sua condição de administrador local, o tenente Danilo Gomes Bifano, morador da região, dirigiu-se a seus superiores, em julho daquele mesmo ano, acusando Vicente Mariano e outros diretores de serem “comunistas” e “agitadores”, duas categorias às quais as forças repressivas do regime eram particularmente sensíveis. A partir da denúncia, foi rapidamente instalada uma sindicância, que levou os diretores a serem interrogados no 7o Batalhão de PM. Como resultado, Vicente permaneceu detido do 3 ao dia 8 de agosto de 19643, e, no ano seguinte, o tenente Danilo foi indicado para compor a diretoria do Centro Social, como representante da PM.
Apesar dessa vitória parcial, o tenente Danilo voltou à carga inúmeras vezes. Em maio de 1966, uma vez mais, buscou seus superiores para relatar o desenvolvimento de atividades “subversivas” por parte de diretores da entidade, os quais teriam feito discursos críticos ao regime ditatorial, valendo-se do sistema de alto-falantes da associação4. Em agosto de 1968, o principal alvo de suas denúncias foi Abdias José dos Santos, então presidente do Centro Social, que foi conduzido ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para prestar esclarecimentos. No ano seguinte, o próprio DOPS emitiu mandado de busca e apreensão para “materiais subversivos” eventualmente escondidos na sede da associação, admitindo a possibilidade de arrombamento da mesma, caso necessário.
Em paralelo às sucessivas denúncias apresentadas, o tenente Danilo buscou uma segunda estratégia para retomar sua liderança junto aos moradores do São Carlos. Em 1966, obteve do governador Negrão de Lima a aprovação de um decreto transformando parte da área da favela no Bairro São José Operário. Ato contínuo, fundou a Associação de Amigos São José, da qual tornou-se o principal diretor5. Conforme avaliação do DOPS de 1969, entretanto, esse esforço de divisão da região surtiu pouco efeito, na medida em que o Centro Social manteve um contingente de filiados muito superior à Associação de Amigos.
Apesar disso, a manutenção da força associativa do Centro Social não significou o término das intervenções policiais em suas atividades. Ainda em 1969, a diretoria comandada por Abdias José dos Santos foi afastada, sendo empossada uma nova, cujas atividades deveriam se restringir às reivindicações por melhorias locais, abstendo-se de mobilizações políticas em oposição à ditadura. Na composição da diretoria subsequente, Vicente – anteriormente presidente do conselho fiscal – ocupou a vice-presidência. Com o bloqueio policial à possibilidade de abordar as questões políticas mais gerais da cidade e do país, essa gestão se concentrou na reivindicação de obras e melhorias locais para o São Carlos. Evidenciando essa linha de atuação, em 1970, Vicente concedeu uma contundente declaração ao Correio da Manhã, afirmando que todas as visitas ao palácio do governo seriam “infrutíferas”, uma vez que mesmo após três pedidos de audiência, os moradores locais ainda não haviam sido recebidos pelo governador Negrão de Lima6.
 
 
Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG)7
 
 
Em suas particularidades, a experiência do Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro do São Carlos ao longo dos anos 1960 concentra muitos elementos comuns à vivência dos moradores e militantes de inúmeras favelas cariocas no mesmo período. Com efeito, a vigilância policial e as tentativas de despolitização e de interdição do debate dos rumos da política nacional foram constantes no cotidiano desse segmento da população carioca. Buscando superar essas barreiras e fortalecer as reivindicações do movimento de favelados, Vicente Mariano participou ativamente de iniciativas políticas voltadas para a articulação dos moradores de diferentes favelas. Em larga medida, entretanto, também nessa esfera a repressão policial e as tentativas de controle estatal fizeram-se continuamente presentes.
O primeiro registro do engajamento direto de Vicente com uma iniciativa de organização coletiva de variadas favelas data de março de 1963, quando foi eleito para compor o conselho fiscal da Coligação dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de Janeiro (CTFCRJ)8. Organizada a partir dos esforços de militantes do PCB e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), naquele momento, a Coligação já se encontrava em profunda crise, com significativo esvaziamento de seus fóruns e escassa capacidade de mobilização. Tal quadro derivava de numerosos fatores, dentre os quais destacava-se o impacto fragmentador da já mencionada Operação Mutirão em 1961-1962.
Desde meados de 1962, entretanto, a opção do governo Lacerda por abandonar a política de urbanização em favor da adoção de um programa de remoções sistemáticas de favelas forneceu novo combustível para o fortalecimento da mobilização dos favelados. No bojo do processo de enfrentamento ao remocionismo, foi fundada, em julho de 1963, uma nova entidade federativa do movimento de favelados, a Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG). Ao longo da segunda metade da década de 1960, a trajetória da entidade foi fortemente marcada pela presença de Vicente Mariano, que compôs a sua diretoria por três mandatos sucessivos.
Em janeiro de 1965, foi eleito 2o vice-presidente pela Chapa Autêntica, que contava com três companheiros de Vicente na militância no âmbito da Coligação dos Trabalhadores Favelados, aí incluído João José Marcolino, eleito para presidir a FAFEG9. A chapa se apresentava como oposição à diretoria anteriormente constituída, que contava com militantes articulados a entidades civis que atuaram em prol da instalação da ditadura de 1964, com destaque para o presidente Etevaldo Justino de Oliveira10. A despeito desses vínculos, a diretoria comandada por Etevaldo não se furtara a combater decididamente as remoções, conforme evidenciado pelo processo de expulsão dos moradores da favela do Esqueleto, em fins de 1964, quando o próprio Etevaldo chegou a ser detido pelas forças policiais. Em termos ideológicos, a diretoria de Etevaldo concebia a luta dos favelados nos termos da Doutrina Social Cristã. Com isso, os favelados eram concebidos como um segmento social absolutamente específico e particularmente vulnerável da população, e o atendimento de suas reivindicações era apresentado como um imperativo moral capaz de restaurar a sua “dignidade”.
Em contraste com essa formulação, a diretoria de Marcolino e Vicente começou a delinear um novo enquadramento para a luta dos favelados. Essa transição ficou bastante evidente em janeiro de 1966, quando chuvas torrenciais causaram inúmeros desabamentos na cidade do Rio de Janeiro. Solidarizando-se com os mortos e atingidos pelo desastre, a FAFEG publicou a seguinte declaração:
 
 
“Unimo-nos, neste momento, aos sentimentos de centenas de companheiros e amigos que perderam seus parentes e conhecidos nos desabamentos de casas e barreiras provocados pelo temporal, num dos acontecimentos mais trágicos da GB. Queremos unir-nos também aos que tiveram danos materiais muitas vezes irrecuperáveis, pois os que foram mais duramente atingidos são assalariados que não vivem de juros ou rendas sobre o capital e sim de rendas sobre o trabalho”11.
 
 
Dessa forma, os apelos anteriores à garantia da “humanidade” dos favelados são substituídos pela análise da sua condição social. Assim, o fato de que milhares de pessoas morassem em favelas não foi tomado como um dado da realidade cuja origem não deveria ser inquirida, mas diretamente conectado à sua condição de assalariados. Ainda que indiretamente, o que se sustenta é que os baixos salários verificados no país estariam na raiz da precariedade habitacional vivenciada por grande parte da classe trabalhadora. Indo além, o contraste estabelecido em relação aos que “vivem de juros ou rendas sobre o capital” indica a compreensão de que havia pessoas em uma condição social qualitativamente diferente, as quais não estariam, jamais, sujeitas às mesmas condições de vida e moradia que os favelados. Sendo assim, aos favelados, não bastaria buscar o apoio caridoso desses setores, mas organizar-se para enfrentar os interesses antagônicos aos seus.
Além da declaração da FAFEG, as chuvas de 1966 (e de 1967, que tiveram consequências similares) também abriram espaço para a intensificação de uma campanha pela retomada da política remocionista, a qual o governador eleito em 1965, Negrão de Lima, havia se comprometido a abandonar. Em tal campanha, envolveram-se diversos setores sociais, dentre os quais os representantes do capital imobiliário e construtor. Em resposta a essas pressões, o deslocamento da FAFEG em direção à reivindicação explícita do pertencimento à classe trabalhadora e a uma perspectiva mais socialmente conflitiva se aprofundaria ainda mais nos anos subsequentes.
Nesse período, a entidade manteve-se sob a direção do mesmo grupo político, com a eleição de Vicente Mariano para a sua presidência nos pleitos de 1967 e 196912. Ao lado de Vicente, a diretoria da FAFEG contava com outros militantes do PCB, como Lúcio de Paula Bispo e José Batista Lira, além de membros de outras organizações da oposição de esquerda à ditadura, como José Maria Galdeano, do Movimento Popular de Libertação (MPL). Abdias José dos Santos, vinculado à Ação Popular (AP), ocupava o posto de presidente do conselho de representantes da Federação. No que se refere especificamente aos militantes do PCB, a linha adotada no interior da FAFEG coincidia com as diretrizes elaboradas no início de 1968 na esteira do IV Congresso do Partido (1967), as quais indicavam que
 
 
“(…) o trabalho do Partido entre os favelados e suas organizações, objetiva reforçar nosso trabalho multilateral entre os trabalhadores, por seus direitos e contra a política do imperialismo de remoção e confinamento dos favelados, executada pela ditadura e pelo governo do Estado. (...) Nas favelas deve ser feito um trabalho de frente única, trabalho que a experiência da vida política na GB mostra ter reflexos importantes em todos os setores da vida do Estado”13.
 
Ao conformar uma ampla aliança, abrangendo militantes da esquerda organizada, correligionários favelados de políticos tradicionais e moradores sem maiores articulações políticas, a diretoria comandada por Vicente buscava estabelecer a mencionada frente única. Partindo dessa ampla aliança estruturada em torno de reivindicações emanadas do cotidiano de setores da classe trabalhadora (nesse caso, a oposição às remoções), o partido esperava desgastar as bases de sustentação do regime ditatorial.
Do ponto de vista da formulação e da organização políticas, o ponto alto desse processo deu-se no II Congresso da FAFEG, ocorrido em novembro e dezembro de 1968. Sua realização constituiu uma reação direta à criação, em maio do mesmo ano, da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), órgão federal que passava a coordenar a política habitacional da Guanabara com o intuito de retomar as remoções. Ao longo de suas plenárias, o Congresso reuniu dezenas de associações e discutiu inúmeras teses, aprovando uma oposição completa à política remocionista.
Pouco após o encerramento do Congresso, já no início de 1969, a CHISAM iniciou uma nova rodada de remoções das favelas, concentrada no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Já sob a vigência do Ato Institucional No 5 (AI-5), o aparato repressivo do regime foi colocado em marcha para garantir a realização dessas operações, desferindo um pesado golpe sobre o movimento de favelados. Assim, em fevereiro, foram presos quatro dirigentes da associação da favela da Ilha das Dragas, então removida.
No mês seguinte, os encarcerados foram Vicente, Abdias e Galdeano, além do advogado da FAFEG, Ary Marques de Oliveira. Detido no dia 12, em seu local de trabalho, Vicente, Galdeano e Abdias permaneceram por dez dias nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Seus familiares só foram informados do paradeiro dos detidos no dia 14, quando o diretor do DOPS confirmou as prisões e informou que poderiam ser “enquadrados na Lei de Segurança Nacional por subversão da ordem pública”. Enfrentando essa forte ameaça, os três só foram liberados após o governador Negrão de Lima, emitir, no dia 22, despacho determinando a sua soltura. Antes de deixarem as dependências policiais, todos assinaram documento em que garantiam não ter sofrido, na Guarda Civil, “qualquer tipo de coação, quer física, quer moral”14.
Com essas seguidas prisões, o regime ditatorial conseguiu intimidar os favelados a ponto de fazer recuar a resistência, viabilizando a remoção das maiores favelas da região, Praia do Pinto e Catacumba. Embora a diretoria da FAFEG não tenha sido destituída pelos órgãos governamentais, Vicente e os demais dirigentes passaram a ter uma margem de atuação bastante mais restrita. Com isso, suas atividades tiveram que assumir um caráter muito menos confrontativo, conforme evidenciado pela realização do I Encontro de Desenvolvimento das Favelas, em 1970. Nesse evento, organizado em parceria com a Fundação Leão XIII, vinculada ao governo estadual e presidida pelo general Jordão Claudemiro dos Santos, as propostas de organização coletiva dos favelados para o enfrentamento às remoções e à ditadura deram lugar à ênfase no treinamento de lideranças para atuarem em cooperação com os órgãos estatais, de forma a contribuir “para o desenvolvimento do Estado”15.
Como resultado desse controle do aparato estatal sobre o movimento dos favelados, as eleições para a diretoria da FAFEG realizadas no início de 1971 contaram com uma única chapa inscrita, composta por um grupo político afinado com a diretriz de estreita colaboração com as instâncias governamentais. Tendo falecido poucos após o pleito, Vicente Mariano não acompanhou o processo de progressiva incorporação da Federação à máquina clientelista do governador Chagas Freitas (eleito em março de 1971), que caracterizou as movimentações da entidade ao longo da maior parte da década de 1970, mesmo após a sua transformação em Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, em 1975.
 
 
Bibliografia
 
 
LIMA, Lucas Pedretti. A polícia política sobe o morro: as favelas cariocas no arquivo do DOPS (1964-1983). Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em História. Rio de Janeiro: PUC, 2015.
LIMA, Nísia Verônica Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro – políticas do Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1989.
MONTEIRO, Marcelo. “Resistência histórica”. In: http://favelatemmemoria.com.br/resistencia-historica/. 2004.
OAKIM, Juliana. “Urbanização sim, remoção não”. A atuação da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara nas décadas de 1960 e 1970. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: PPGH/UFF, 2014.
PESTANA, Marco Marques. Ampliação seletiva do Estado e remoções de favelas no Rio de Janeiro: embates entre empresariado do setor imobiliário e movimento de favelados (1957-1973). Tese de Doutorado em História. Niterói: PPGH/UFF, 2018.
SANTOS, Eladir Fátima N. dos. E por falar em FAFERJ… Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (1963-1993) – memória e história oral. Dissertação de Mestrado em Memória Social. Rio de Janeiro: PPGMS/UNIRIO, 2009.
 
 
Fontes
 
 
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (APERJ). Fundo: Polícias Políticas.
ARQUIVO NACIONAL (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações (SNI).
Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 1966-1970.

Edição das 19h30min de 17 de março de 2019

Vicente Ferreira Mariano nasceu em 07/04/1918, em Minas Gerais, sendo filho de Ciríaco José Mariano e Julieta Apolinária. Tendo se mudado para a cidade do Rio de Janeiro, ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCB, que adotaria a denominação de Partido Comunista Brasileiro em 1961), em março de 1946. Trabalhou como enfermeiro na Santa Casa da Misericórdia e no Hospital do Andaraí. Em 1950, em função de suas atividades politicas, teve um pedido de atestado negativo de ideologia indeferido pela polícia política, o que dificultou a sua aceitação como funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM). Ao longo dos anos 1960, como morador do morro de São Carlos, foi um dos mais destacados dirigentes do movimento de favelados carioca, desempenhando papel central na luta contra os programas de remoções sistemáticas de favelas. Faleceu em 1971, em decorrência de um infarto, deixando esposa, duas filhas e um filho1.


O Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro de São Carlos


Parte significativa da militância de Vicente em meio às lutas dos favelados desenvolveu-se como diretor do Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro de São Carlos, tendo sido presidente, vice-presidente e presidente do conselho fiscal da entidade. Com efeito, sua participação estendeu-se da fundação da entidade, em 1960, até a sua morte, em 1971. Em sua atuação à frente da associação, lutou, ao lado de inúmeros outros militantes, pela obtenção de serviços e infraestrutura urbana para a favela (redes de água, esgoto e eletricidade, pavimentação das ruas, etc), além de atuar na regulação de conflitos envolvendo os moradores locais. Sua militância também foi marcada pela adesão à oposição à ditadura empresarial-militar instalada em 1964. Nesse processo, um de seus colaboradores mais próximos foi Abdias José dos Santos, com quem também estabeleceu uma parceria ao longo do tempo em que ambos foram dirigentes da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG), conforme será discutido. Durante parte significativa da década de 1960, os integrantes do Centro Social lutaram continuamente pela garantia da legitimidade da entidade para representar os moradores locais, tendo como seus principais adversários alguns setores da Polícia Militar do Estado da Guanabara (PMEG)2. A disputa entre os dois grupos iniciou-se em 1961, com a transferência da responsabilidade pela gestão da área, que passou da Polícia Militar para a Coordenação dos Serviços Sociais (CSS) da Guanabara, então criada pelo governador Carlos Lacerda (UDN). Então comandada pelo sociólogo José Arthur Rios, a CSS iniciou um programa de realização de melhorias urbanas em dezenas de favelas intitulado “Operação Mutirão”. Para tal, era estabelecido um acordo direto com a associação de cada favela específica, que passava a ser responsável, sob os ditames da Coordenação, pelo controle cotidiano do espaço local. Embora se tratasse de uma evidente tentativa de romper a solidariedade interfavelas que caracterizara a mobilização dos favelados na segunda metade dos anos 1950, notadamente por meio da União dos Trabalhadores Favelados (UTF), essa iniciativa possibilitou a obtenção de melhorias reais por inúmeras favelas. Ainda em 1961, o comandante do 7o Batalhão da PM afirmou desconhecer qualquer autoridade sobre a área para além daquela da própria polícia, determinando o fechamento definitivo da associação. Não alcançando sucesso naquela conjuntura, as forças policiais iniciaram nova ofensiva após a instalação da ditadura em 1964. Tendo perdido sua condição de administrador local, o tenente Danilo Gomes Bifano, morador da região, dirigiu-se a seus superiores, em julho daquele mesmo ano, acusando Vicente Mariano e outros diretores de serem “comunistas” e “agitadores”, duas categorias às quais as forças repressivas do regime eram particularmente sensíveis. A partir da denúncia, foi rapidamente instalada uma sindicância, que levou os diretores a serem interrogados no 7o Batalhão de PM. Como resultado, Vicente permaneceu detido do 3 ao dia 8 de agosto de 19643, e, no ano seguinte, o tenente Danilo foi indicado para compor a diretoria do Centro Social, como representante da PM. Apesar dessa vitória parcial, o tenente Danilo voltou à carga inúmeras vezes. Em maio de 1966, uma vez mais, buscou seus superiores para relatar o desenvolvimento de atividades “subversivas” por parte de diretores da entidade, os quais teriam feito discursos críticos ao regime ditatorial, valendo-se do sistema de alto-falantes da associação4. Em agosto de 1968, o principal alvo de suas denúncias foi Abdias José dos Santos, então presidente do Centro Social, que foi conduzido ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para prestar esclarecimentos. No ano seguinte, o próprio DOPS emitiu mandado de busca e apreensão para “materiais subversivos” eventualmente escondidos na sede da associação, admitindo a possibilidade de arrombamento da mesma, caso necessário. Em paralelo às sucessivas denúncias apresentadas, o tenente Danilo buscou uma segunda estratégia para retomar sua liderança junto aos moradores do São Carlos. Em 1966, obteve do governador Negrão de Lima a aprovação de um decreto transformando parte da área da favela no Bairro São José Operário. Ato contínuo, fundou a Associação de Amigos São José, da qual tornou-se o principal diretor5. Conforme avaliação do DOPS de 1969, entretanto, esse esforço de divisão da região surtiu pouco efeito, na medida em que o Centro Social manteve um contingente de filiados muito superior à Associação de Amigos. Apesar disso, a manutenção da força associativa do Centro Social não significou o término das intervenções policiais em suas atividades. Ainda em 1969, a diretoria comandada por Abdias José dos Santos foi afastada, sendo empossada uma nova, cujas atividades deveriam se restringir às reivindicações por melhorias locais, abstendo-se de mobilizações políticas em oposição à ditadura. Na composição da diretoria subsequente, Vicente – anteriormente presidente do conselho fiscal – ocupou a vice-presidência. Com o bloqueio policial à possibilidade de abordar as questões políticas mais gerais da cidade e do país, essa gestão se concentrou na reivindicação de obras e melhorias locais para o São Carlos. Evidenciando essa linha de atuação, em 1970, Vicente concedeu uma contundente declaração ao Correio da Manhã, afirmando que todas as visitas ao palácio do governo seriam “infrutíferas”, uma vez que mesmo após três pedidos de audiência, os moradores locais ainda não haviam sido recebidos pelo governador Negrão de Lima6.


Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG)7


Em suas particularidades, a experiência do Centro Social de Defesa dos Interesses dos Moradores do Morro do São Carlos ao longo dos anos 1960 concentra muitos elementos comuns à vivência dos moradores e militantes de inúmeras favelas cariocas no mesmo período. Com efeito, a vigilância policial e as tentativas de despolitização e de interdição do debate dos rumos da política nacional foram constantes no cotidiano desse segmento da população carioca. Buscando superar essas barreiras e fortalecer as reivindicações do movimento de favelados, Vicente Mariano participou ativamente de iniciativas políticas voltadas para a articulação dos moradores de diferentes favelas. Em larga medida, entretanto, também nessa esfera a repressão policial e as tentativas de controle estatal fizeram-se continuamente presentes. O primeiro registro do engajamento direto de Vicente com uma iniciativa de organização coletiva de variadas favelas data de março de 1963, quando foi eleito para compor o conselho fiscal da Coligação dos Trabalhadores Favelados da Cidade do Rio de Janeiro (CTFCRJ)8. Organizada a partir dos esforços de militantes do PCB e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), naquele momento, a Coligação já se encontrava em profunda crise, com significativo esvaziamento de seus fóruns e escassa capacidade de mobilização. Tal quadro derivava de numerosos fatores, dentre os quais destacava-se o impacto fragmentador da já mencionada Operação Mutirão em 1961-1962. Desde meados de 1962, entretanto, a opção do governo Lacerda por abandonar a política de urbanização em favor da adoção de um programa de remoções sistemáticas de favelas forneceu novo combustível para o fortalecimento da mobilização dos favelados. No bojo do processo de enfrentamento ao remocionismo, foi fundada, em julho de 1963, uma nova entidade federativa do movimento de favelados, a Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG). Ao longo da segunda metade da década de 1960, a trajetória da entidade foi fortemente marcada pela presença de Vicente Mariano, que compôs a sua diretoria por três mandatos sucessivos. Em janeiro de 1965, foi eleito 2o vice-presidente pela Chapa Autêntica, que contava com três companheiros de Vicente na militância no âmbito da Coligação dos Trabalhadores Favelados, aí incluído João José Marcolino, eleito para presidir a FAFEG9. A chapa se apresentava como oposição à diretoria anteriormente constituída, que contava com militantes articulados a entidades civis que atuaram em prol da instalação da ditadura de 1964, com destaque para o presidente Etevaldo Justino de Oliveira10. A despeito desses vínculos, a diretoria comandada por Etevaldo não se furtara a combater decididamente as remoções, conforme evidenciado pelo processo de expulsão dos moradores da favela do Esqueleto, em fins de 1964, quando o próprio Etevaldo chegou a ser detido pelas forças policiais. Em termos ideológicos, a diretoria de Etevaldo concebia a luta dos favelados nos termos da Doutrina Social Cristã. Com isso, os favelados eram concebidos como um segmento social absolutamente específico e particularmente vulnerável da população, e o atendimento de suas reivindicações era apresentado como um imperativo moral capaz de restaurar a sua “dignidade”. Em contraste com essa formulação, a diretoria de Marcolino e Vicente começou a delinear um novo enquadramento para a luta dos favelados. Essa transição ficou bastante evidente em janeiro de 1966, quando chuvas torrenciais causaram inúmeros desabamentos na cidade do Rio de Janeiro. Solidarizando-se com os mortos e atingidos pelo desastre, a FAFEG publicou a seguinte declaração:


“Unimo-nos, neste momento, aos sentimentos de centenas de companheiros e amigos que perderam seus parentes e conhecidos nos desabamentos de casas e barreiras provocados pelo temporal, num dos acontecimentos mais trágicos da GB. Queremos unir-nos também aos que tiveram danos materiais muitas vezes irrecuperáveis, pois os que foram mais duramente atingidos são assalariados que não vivem de juros ou rendas sobre o capital e sim de rendas sobre o trabalho”11.


Dessa forma, os apelos anteriores à garantia da “humanidade” dos favelados são substituídos pela análise da sua condição social. Assim, o fato de que milhares de pessoas morassem em favelas não foi tomado como um dado da realidade cuja origem não deveria ser inquirida, mas diretamente conectado à sua condição de assalariados. Ainda que indiretamente, o que se sustenta é que os baixos salários verificados no país estariam na raiz da precariedade habitacional vivenciada por grande parte da classe trabalhadora. Indo além, o contraste estabelecido em relação aos que “vivem de juros ou rendas sobre o capital” indica a compreensão de que havia pessoas em uma condição social qualitativamente diferente, as quais não estariam, jamais, sujeitas às mesmas condições de vida e moradia que os favelados. Sendo assim, aos favelados, não bastaria buscar o apoio caridoso desses setores, mas organizar-se para enfrentar os interesses antagônicos aos seus. Além da declaração da FAFEG, as chuvas de 1966 (e de 1967, que tiveram consequências similares) também abriram espaço para a intensificação de uma campanha pela retomada da política remocionista, a qual o governador eleito em 1965, Negrão de Lima, havia se comprometido a abandonar. Em tal campanha, envolveram-se diversos setores sociais, dentre os quais os representantes do capital imobiliário e construtor. Em resposta a essas pressões, o deslocamento da FAFEG em direção à reivindicação explícita do pertencimento à classe trabalhadora e a uma perspectiva mais socialmente conflitiva se aprofundaria ainda mais nos anos subsequentes. Nesse período, a entidade manteve-se sob a direção do mesmo grupo político, com a eleição de Vicente Mariano para a sua presidência nos pleitos de 1967 e 196912. Ao lado de Vicente, a diretoria da FAFEG contava com outros militantes do PCB, como Lúcio de Paula Bispo e José Batista Lira, além de membros de outras organizações da oposição de esquerda à ditadura, como José Maria Galdeano, do Movimento Popular de Libertação (MPL). Abdias José dos Santos, vinculado à Ação Popular (AP), ocupava o posto de presidente do conselho de representantes da Federação. No que se refere especificamente aos militantes do PCB, a linha adotada no interior da FAFEG coincidia com as diretrizes elaboradas no início de 1968 na esteira do IV Congresso do Partido (1967), as quais indicavam que


“(…) o trabalho do Partido entre os favelados e suas organizações, objetiva reforçar nosso trabalho multilateral entre os trabalhadores, por seus direitos e contra a política do imperialismo de remoção e confinamento dos favelados, executada pela ditadura e pelo governo do Estado. (...) Nas favelas deve ser feito um trabalho de frente única, trabalho que a experiência da vida política na GB mostra ter reflexos importantes em todos os setores da vida do Estado”13.


Ao conformar uma ampla aliança, abrangendo militantes da esquerda organizada, correligionários favelados de políticos tradicionais e moradores sem maiores articulações políticas, a diretoria comandada por Vicente buscava estabelecer a mencionada frente única. Partindo dessa ampla aliança estruturada em torno de reivindicações emanadas do cotidiano de setores da classe trabalhadora (nesse caso, a oposição às remoções), o partido esperava desgastar as bases de sustentação do regime ditatorial. Do ponto de vista da formulação e da organização políticas, o ponto alto desse processo deu-se no II Congresso da FAFEG, ocorrido em novembro e dezembro de 1968. Sua realização constituiu uma reação direta à criação, em maio do mesmo ano, da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), órgão federal que passava a coordenar a política habitacional da Guanabara com o intuito de retomar as remoções. Ao longo de suas plenárias, o Congresso reuniu dezenas de associações e discutiu inúmeras teses, aprovando uma oposição completa à política remocionista. Pouco após o encerramento do Congresso, já no início de 1969, a CHISAM iniciou uma nova rodada de remoções das favelas, concentrada no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Já sob a vigência do Ato Institucional No 5 (AI-5), o aparato repressivo do regime foi colocado em marcha para garantir a realização dessas operações, desferindo um pesado golpe sobre o movimento de favelados. Assim, em fevereiro, foram presos quatro dirigentes da associação da favela da Ilha das Dragas, então removida. No mês seguinte, os encarcerados foram Vicente, Abdias e Galdeano, além do advogado da FAFEG, Ary Marques de Oliveira. Detido no dia 12, em seu local de trabalho, Vicente, Galdeano e Abdias permaneceram por dez dias nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Seus familiares só foram informados do paradeiro dos detidos no dia 14, quando o diretor do DOPS confirmou as prisões e informou que poderiam ser “enquadrados na Lei de Segurança Nacional por subversão da ordem pública”. Enfrentando essa forte ameaça, os três só foram liberados após o governador Negrão de Lima, emitir, no dia 22, despacho determinando a sua soltura. Antes de deixarem as dependências policiais, todos assinaram documento em que garantiam não ter sofrido, na Guarda Civil, “qualquer tipo de coação, quer física, quer moral”14. Com essas seguidas prisões, o regime ditatorial conseguiu intimidar os favelados a ponto de fazer recuar a resistência, viabilizando a remoção das maiores favelas da região, Praia do Pinto e Catacumba. Embora a diretoria da FAFEG não tenha sido destituída pelos órgãos governamentais, Vicente e os demais dirigentes passaram a ter uma margem de atuação bastante mais restrita. Com isso, suas atividades tiveram que assumir um caráter muito menos confrontativo, conforme evidenciado pela realização do I Encontro de Desenvolvimento das Favelas, em 1970. Nesse evento, organizado em parceria com a Fundação Leão XIII, vinculada ao governo estadual e presidida pelo general Jordão Claudemiro dos Santos, as propostas de organização coletiva dos favelados para o enfrentamento às remoções e à ditadura deram lugar à ênfase no treinamento de lideranças para atuarem em cooperação com os órgãos estatais, de forma a contribuir “para o desenvolvimento do Estado”15. Como resultado desse controle do aparato estatal sobre o movimento dos favelados, as eleições para a diretoria da FAFEG realizadas no início de 1971 contaram com uma única chapa inscrita, composta por um grupo político afinado com a diretriz de estreita colaboração com as instâncias governamentais. Tendo falecido poucos após o pleito, Vicente Mariano não acompanhou o processo de progressiva incorporação da Federação à máquina clientelista do governador Chagas Freitas (eleito em março de 1971), que caracterizou as movimentações da entidade ao longo da maior parte da década de 1970, mesmo após a sua transformação em Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, em 1975.


Bibliografia


LIMA, Lucas Pedretti. A polícia política sobe o morro: as favelas cariocas no arquivo do DOPS (1964-1983). Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em História. Rio de Janeiro: PUC, 2015. LIMA, Nísia Verônica Trindade. O movimento de favelados do Rio de Janeiro – políticas do Estado e lutas sociais (1954-1973). Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1989. MONTEIRO, Marcelo. “Resistência histórica”. In: http://favelatemmemoria.com.br/resistencia-historica/. 2004. OAKIM, Juliana. “Urbanização sim, remoção não”. A atuação da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara nas décadas de 1960 e 1970. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: PPGH/UFF, 2014. PESTANA, Marco Marques. Ampliação seletiva do Estado e remoções de favelas no Rio de Janeiro: embates entre empresariado do setor imobiliário e movimento de favelados (1957-1973). Tese de Doutorado em História. Niterói: PPGH/UFF, 2018. SANTOS, Eladir Fátima N. dos. E por falar em FAFERJ… Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (1963-1993) – memória e história oral. Dissertação de Mestrado em Memória Social. Rio de Janeiro: PPGMS/UNIRIO, 2009.


Fontes


ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (APERJ). Fundo: Polícias Políticas. ARQUIVO NACIONAL (AN). Fundo: Serviço Nacional de Informações (SNI). Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 1966-1970.