Violência e Saúde de moradores de Favelas

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A saúde não está restrita ao paradigma da “ausência de doenças” ou “ao combate a doença”, assim como a violência não se reduz a análise do enfrentamento ao “crime ou a contravenção”. Abordar tais conceitos desta forma reducionista implica na armadilha de delegarmos ao momento superficial e a parte do processo social restrita a condição de totalidade ou centro da explicação. Como afirma Brasil et alii (2013, p. 44), existe uma explicação simplista quando o “crime é visto como o todo e não a ‘ponta de um iceberg’, assim como é uma redução analítica restringir a saúde apenas em sua relação de negação com a doença já constituída no indivíduo, desconsiderando a complexidade de processos físicos e sociais constituintes do processo histórico de produção dialética da saúde e doença. Dentre as várias associações feitas à ocorrência de mortes violentas com uso de armas de fogo nas cidades, Yunes (1993) identifica que a desigualdade na distribuição de riquezas, fácil acesso a armas de fogo, violência policial, tráfico de drogas. Minayo(2014) afirma a segurança pública, suas políticas , suas ações como uma questão de saúde pública e ainda explica que os confrontos armados , sobretudo nas favelas, produz violações de direitos, tais como fechamento de escolas, postos de saúde, comércio, invasão de casas, o ir e vir dos moradores. Há que se ressaltar um número significativo de pessoas feridas e mortas em confrontos armados com facções e milícias, ou em incursões policiais que operam com uso intenso de armas de fogo. Reforça a autora que as incursões policiais e os tiroteios na disputa entre facções do narcotráfico produzem um sofrimento psicológico, repercutindo na vida das pessoas que apresentam vários tipos de adoecimentos como consequência. Para Minayo (1998) a violência é, fundamentalmente, um problema social que acompanha toda a história e as transformações da humanidade. A violência afeta muito a saúde: provoca morte, lesões e traumas físicos e um sem-número de agravos mentais, emocionais, diminui a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, mostra a inadequação da organização tradicional dos serviços de saúde e evidencia a necessidade de uma atuação muito mais específica, interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial e engajada do setor, visando às necessidades dos cidadãos.
Para a mesma autora, toda violência social tem, até certo ponto, caráter revelador de estruturas de dominação (de classe, grupos, indivíduos, etnias, faixas etárias, gênero, nações), e surge como expressão de contradições entre os que buscam privilégios e os que se rebelam contra. Até a delinquência, ou principalmente a delinquência, pode ser interpretada à luz dessas relações sociais conflituosas. As desigualdades sociais, a expropriação econômica e cultural são ingredientes que importa compreender como base da criminalidade [...] (Minayo, 1998, p. 522) .  Em pesquisa realizada por Bueno(2018) pelo Ippur/Ufrj em parceria com bolsistas pesquisadores da Cooperação Social  Djefferson Amadeus e Elenice Pessoa da Fundação Oswaldo Cruz, onde foram entrevistadas oitenta e oito pessoas moradoras das favelas de Manguinhos, Maré e Jacarezinho, a maioria expressiva das pessoas afirmou que a violência com uso de armas de afeta a sua saúde e/ou de familiares e/ou de pessoas próximas (80% das pessoas entrevistadas). A pesquisa identificou e sistematizou nas narrativas dos moradores e moradores de favelas onze (11) categorias sobre o impacto da violência armada na saúde, definindo as seguintes(das mais citadas para as menos citadas): 1)Sofrimento psíquico, agravos mentais e emocionais; 2)Vítimas fatais alvejadas por projétil de arma de fogo; 3) Agravamento de Alteração significativa na pressão arterial; 4)Impedimento ao acesso a equipamentos culturais, educação e de lazer; 5)Agressão física; 6)Lesão por projétil de arma de fogo sem óbito; 7) Ameaça verbal por pessoa armada; 8)Impedimento ao acesso ao serviço do setor saúde; (9) Agravamento de Alteração cardíaca e enfartos fatais; 10) Desencadeamento e agravamento de Crises respiratórias; 11) Tortura física. Os impactos da violência armada na saúde e cotidiano de vida dos moradores de favelas da cidade não são óbvios, nem estão amplamente amparados em notificações formais por escolas e equipamentos públicos de saúde - ainda menos por órgãos de segurança pública. Sobre as diferentes formas de violência armada também existe na sub-notificação uma realidade ainda não superada em relação aos territórios de favela, principalmente nas notificações realizadas por órgãos de segurança pública, mas também em lacunas nas poucas notificações realizadas por escolas e equipamentos de saúde. A notificação compulsória sobre violência, embora legalmente prevista também para espaços públicos de educação e saúde, ainda é pouco realizada nos territórios de favela devido ao medo dos profissionais diante de possíveis retaliações efetuadas pelos grupos armados do território, mas também por uma ausência de formação desses mesmos profissionais para lidarem com diferentes formas de violência, seguida de uma compreensão ainda existente de que violência precisa ser resolvida exclusivamente pela polícia. Os múltiplos impactos e conseqüências drásticas da violência armada na saúde dos moradores de favela ainda são pouco registrados, publicizados e analisados em sua complexidade, enquanto o imaginário da necessidade de aumento das práticas oficiais violentas da segurança pública continua norteando as idéias dominantes e o senso comum de maior parte da sociedade sobre a questão. Em uma cidade desnorteada pela sensação permanente de medo superdimensionada pela grande mídia e o mercado de segurança e armas, conter território de favelas para “não deixar o crime violento se alastrar” para além das favelas produz um ilusório ou falsa sensação de conforto, onde se aceita "o isolamento, o apoio a ação policial dura, e à permissividade, ao desrespeito dos direitos civis... É uma população assustada, muitas vezes em pânico que, frequentemente, não vê outra forma de combater a violência a não ser violentamente” (ENDO, 2005, p. 287).