(Entrevista) Eron Santos - Morro da Providência

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco


Eron Santos é mestre de Capoeira, biólogo e zelador da histórica Igreja Nossa Senhora da Penha, localizada no Morro da Providência, Rio de Janeiro. Sua trajetória é marcada pela dedicação à preservação cultural e pela busca de compreensão mais profunda sobre o Morro. Nesta entrevista, Eron compartilha sua visão sobre as transformações urbanas e sociais, sua ligação com a história da igreja e a rica memória oral do morro.

Esse verbete faz parte do Painel Morro da Providência - Da Providência a Favela.

Autoria:  Hugo Oliveira
Mestre Eron tocando atabaque em um dia de festividade no morro

Sobre[editar | editar código-fonte]

O Morro da Providência é um testemunho vivo das várias etapas da história urbana do Rio de Janeiro. Para Eron, sua história pode ser dividida em três fases: as chácaras, a favelização e as transformações modernas. Ele destaca:

"A Providência e o Livramento passaram por períodos distintos. Primeiro vieram as chácaras, depois os combatentes de Canudos e, mais tarde, o impacto da especulação imobiliária. Sempre foi um espaço de resistência."

O morro, construído por mãos escravizadas e migrantes nordestinos, tem raízes profundas na luta pela sobrevivência em um ambiente adverso. Eron ressalta:

"As chácaras foram sendo fragmentadas e vendidas. Os pretos ocuparam áreas como as pedreiras, lugares que ninguém queria. Morar lá era uma resistência."

Religião e Patrimônio Cultural[editar | editar código-fonte]

A Igreja Nossa Senhora da Penha, zelada por Eron, é mais do que um lugar de culto; é um símbolo da comunidade. Ele explica que, no passado, os registros religiosos tinham função fundamental:

"Naquela época, não havia cartório. O batismo era praticamente o registro de nascimento. A igreja era o centro da vida comunitária."

Eron também comenta sobre o potencial de novas descobertas históricas ligadas à igreja:

"Para quem busca mais informações sobre a Providência, recomendo investigar na Igreja de Santa Rita, porque ela tinha conexões diretas com nossa capela."

Capoeira e Cultura Afro-Brasileira[editar | editar código-fonte]

A capoeira, um elemento central da cultura afro-brasileira, também faz parte do legado do Livramento. Eron enfatiza o papel dos capoeiristas como agentes de resistência:

"Os capoeiristas eram os 'malandros' das ruas, ligados às maltas e, muitas vezes, independentes. A capoeira carioca nasceu nesse contexto de luta e sobrevivência."

Ele também menciona figuras históricas importantes, como Manduca da Praia:

"Manduca era comerciante e valentão, nascido na Pequena África. Ele carregava a capoeira carioca no sangue."

Narrativas de Resistência e Identidade[editar | editar código-fonte]

O Morro da Providência é repleto de histórias e lendas que reforçam sua identidade única. Eron conta sobre mitos locais, como o "Pé de Ferro":

"Dizem que era o espírito de um escravo arrastando correntes pelos becos. A Pisada dele ecoava no morro, marcando sua presença na história."

Essas narrativas, segundo Eron, conectam o passado ao presente:

"Na ausência de luz elétrica, as pessoas se reuniam ao redor de fogueiras para contar histórias. Era assim que a memória era preservada."

Desafios e Propostas para o Futuro[editar | editar código-fonte]

Apesar de sua importância histórica, o Livramento e a Providência ainda enfrentam desafios relacionados à invisibilidade e à falta de apoio. Eron acredita no poder das iniciativas comunitárias para mudar esse cenário:

"Tudo de bom foi desvinculado do morro. Precisamos resgatar essa autoestima e mostrar que a Providência tem identidade e valor."

Ele também defende a criação de espaços culturais para preservar e promover a memória local:

"Sonho com um museu que conte a verdadeira história da Providência. Um espaço feito pela e para a comunidade."

A história do Morro da Providência, de suas igrejas e de sua gente é, como Eron coloca, uma história de resistência. Ao resgatar essas memórias, ele reforça a conexão entre passado e presente, lembrando que o futuro do morro depende de reconhecer e valorizar suas raízes. Como ele destaca:

"Providência e Livramento já tiveram sua glória. Agora é hora de nós, moradores, mostrarmos que somos mais do que sobreviventes. Somos construtores de uma história que merece ser contada."

Veja também[editar | editar código-fonte]