A favela quer pesquisar: NEPS-CEASM oferta oficinas para acesso ao mestrado (artigo)
Esse artigo faz parte da "Radar COVID-19, Favelas", informativo produzido no âmbito da Sala de Situação Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro, vinculada ao Observatório COVID-19 da Fiocruz.
Estruturado com base no monitoramento ativo (vigilância de rumores) de fontes não oficiais – mídias, redes sociais e contato direto com moradores, coletivos, movimentos sociais, instituições e articuladores locais – a publicação busca sistematizar, analisar e disseminar informações sobre a situação de saúde nos territórios selecionados, visando promover a visibilidade das diversas situações de vulnerabilidade e antecipar as iniciativas de enfrentamento da pandemia.
Autoria: Carolina Vaz e Francisco Overlande.
Artigo[editar | editar código-fonte]
“Tem hoje uma luta das pessoas para estarem na pós-graduação, pessoas das periferias, que buscam estar nesse espaço, buscam a garantia desse direito de continuidade da educação”. O relato é de Aryanne Paiva, moradora da Maré, pedagoga, mestranda da FEBF/UERJ e membra do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais da Maré (NEPS-Ceasm). Desde final de agosto, o projeto do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) já ofertou duas oficinas de elaboração de pré-projeto de pesquisa, com foco no edital de mestrado da FEBF-UERJ, atingindo com as duas o total de 165 inscritos e a participação efetiva de 110 pessoas. Nos dois casos, as inscrições rapidamente foram esgotadas, em apenas um dia.
O Núcleo de Pesquisa, para além das oficinas, realiza um curso de extensão em parceria com a UERJ/FEBF. O curso “Quando as Periferias pesquisam: teorias e metodologias insurgentes” nasceu como uma parceria do NEPS com o Programa de Extensão Movimentos Sociais, Diferenças e Educação (Promovide), da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ). Com aulas online semanais, aos sábados, desde 2 de outubro até 11 de dezembro, o curso conta em sua grade com docentes-pesquisadores tanto da FEBF/UERJ quanto educadores -pesquisadores do NEPS. Destinado preferencialmente a pesquisadores periféricos, o curso visa a ampliar a produção de conhecimento com/a partir das periferias urbanas. Tem como um dos objetivos dar visibilidade a ações educativas e produção teórico-científica das periferias. Dentre os temas abordados no curso estão metodologia das pedagogias decolonial e educação popular em espaços de educação articulados com a favela; memória e favela; pesquisa, imagem e periferias; e pesquisadores insurgentes.
Do Nepos ao NEPS: um percurso de 20 anos[editar | editar código-fonte]
O Núcleo de Pesquisa surgiu pela primeira vez em 2001, como Núcleo de Estudo e Pesquisa do Observatório Social da Maré, chamado de Nepos. Ele foi criado a partir dos dados obtidos pelo Censo Maré, uma pesquisa do ano 2000 executada pelo Ceasm. Em seu segundo ano de atuação, o grupo estudava sobre crianças mareenses fora das escolas, e, numa intervenção efetiva, seus membros visitaram cerca de 600 crianças do bairro para incentivar a inscrição nas escolas. Segundo o doutorando em Serviço Social (UFRJ) e pesquisador do NEPS Lourenço Cezar, que participou também da primeira versão, o Nepos:
“foi pensado por um grupo de universitários oriundos do Pré-vestibular do Ceasm e que tinham como motivação inicial usar os dados do Censo Maré 2000 para aprofundar os conhecimentos sobre alguns resultados da Maré que gritavam mais e assim contribuir para a criação de políticas públicas que dessem conta desse problema. O que mudou com a chegada do NEPS é que acrescentamos a esse desejo e ação de origem a proposta de contribuir para que mais pessoas possam adentrar a pós-graduação com oficinas preparatórias e curso de extensão associados a universidades como a UERJ da Baixada”
NEPS: Breve Histórico[editar | editar código-fonte]
O NEPS se configura como um dos projetos do Ceasm e tem como finalidade construir um permanente esforço na produção de conhecimento que valorize as periferias urbanas do país, evidenciando, assim, sujeitos sociais historicamente subalternizados, no sentido de incentivar o protagonismo de suas próprias epistemologias. Tal objetivo já havia sido desenhado, desde os primeiros anos de existência do Ceasm, através da ação de jovens universitários que buscavam através da prática da pesquisa compreender melhor a história da cidade do Rio de Janeiro e em especial, a das favelas cariocas.
Anos depois, em 2020, o núcleo de pesquisas do Ceasm passou por um processo de (re)criação e hoje conta com professores-pesquisadores com uma ampla experiência no campo educacional e também na prática da investigação científica. Dentro desse novo contexto, a finalidade do grupo consiste em se alinhar aos objetivos construídos no passado e traçar novas finalidades de intervenção social baseadas na formação continuada; na produção de metodologias de pesquisa diversas, e nas diferentes linguagens de comunicação com as pessoas.
Curso de Extensão “Quando as Periferias pesquisam”[editar | editar código-fonte]
O curso foi pensado com o objetivo de produzir processos coletivos de formação pedagógica e acadêmica, a partir da parceria entre pesquisadoras/es do NEPS e do Promovide, projeto de extensão da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ). As vagas para o curso foram preenchidas no mesmo dia em que foram abertas as inscrições, com um total de 85 inscritos para 70 vagas, havendo 15 inscritos na fila de espera para possíveis desistências.
Nas palavras de Francisco Overlande, pesquisador do NEPS: “O curso de extensão, como foi pensado e está organizado, oportuniza um espaço de reflexão não sobre as periferias, mas com/a partir das periferias. Essa perspectiva nos permite outras metodologias para além da forma consolidada de produzir ciência/conhecimento que tornou as favelas e periferias “objeto” de pesquisa. A articulação entre NEPS-Ceasm e o Promovide da UERJ-FEBF nos permite vislumbrar uma universidade em constante diálogo e interação com os movimentos sociais e populares, de favela e periferias. ‘Quando as periferias pesquisam’ é um esforço de incentivar o protagonismo de sujeitos sociais historicamente subalternizados”.
As aulas são realizadas de forma coletiva entre docentes-pesquisadores/as da UERJ-FEBF e educadores-pesquisadores/as do NEPS-Ceasm contemplando pesquisas e discussões relacionadas às favelas e periferias.
Depoimento: Humberto Salustriano, Doutor em educação (UniRio) e pesquisador do NEPS[editar | editar código-fonte]
“Esse curso de extensão que estabelece uma parceria entre grupos que fazem parte dos movimentos sociais ligados à educação e a universidade pode ser entendido como resultado de uma longa luta de resistência e de protagonismo em relação à democratização do ensino e da pesquisa no Brasil. Isso porque historicamente a universidade se constituiu como espaço do privilégio onde grupos de maior capital simbólico e econômico monopolizaram as narrativas sobre espaços de periferias e este curso representa exatamente um momento, um resultado de uma luta na qual se incluem grupos periféricos que a partir da sua própria visão constroem as suas próprias narrativas sobre si mesmos, e constroem pesquisas e produção de conhecimento a partir de um olhar e de uma perspectiva que foi historicamente silenciada. Então, esse curso tem esse ganho social e político que representa um maior protagonismo, uma maior ação desses grupos que hoje e cada vez mais integram o espaço universitário”
NEPS: Oficinas de Elaboração de Pré-Projeto de pesquisa para Pós-Graduação (Mestrado)[editar | editar código-fonte]
As oficinas surgiram como pauta de atividades na agenda do NEPS ainda no início deste ano de 2021, mas somente em agosto foi possível realizar a primeira. O NEPS é um projeto que, ainda, não tem nenhum tipo de financiamento, seja público ou privado, portanto as ações promovidas pelo NEPS-CEASM são construídas em uma perspectiva de intervenção militante. Há uma nova demanda para as classes populares que é reflexo da democratização ao ensino superior: o acesso também à pós-graduação.
Durante as oficinas, para além de se compartilhar dicas e orientações sobre elaboração do pré-projeto para mestrado, houve um momento específico para as outras fases do processo seletivo: entrevista, preenchimento do currículo lattes, elaboração de carta de apresentação, currículo, provas.
A primeira oficina foi realizada nos dias 30 e 31 de agosto com 70 vagas disponíveis, preenchidas em apenas três horas. A atividade se desenvolveu com foco no edital da UERJ-FEBF, o que de certa forma ajudou a desenhar o perfil da localidade dos participantes. A maioria eram moradores do Rio de Janeiro e oriundos de universidades públicas, e 70% se autodeclararam como mulheres. Houve participantes de outros estados, como Minas Gerais.
A segunda oficina, nos dias 27 e 28 de setembro, também teve grande procura e as inscrições foram encerradas no mesmo dia. Sem o foco num edital específico, teve participantes de outros estados como Paraná, Bahia, São Paulo e Maranhão e uma presença considerável do Rio de Janeiro. Também teve 71,5% de autodeclaradas mulheres, dentre as 95 inscrições. A faixa etária abrangia de 21 a 59 anos advindos de diversas áreas de formação/profissional como: pedagogos/as, professores/as, advogados/as, administradores/as, psicólogos/as, farmacêuticos/as, dentre outros.
Segundo Aryanne Paiva, mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas (FEBF/UFRJ), e pesquisadora do NEPS:
“Nós atingimos um número grande de mulheres, trabalhadoras, estudantes, então conseguimos perceber que estamos de alguma forma contribuindo para que acessem e possam refletir sobre seu papel nesse espaço, o espaço das discussões em relação à pós. (...) Uma das participantes da oficina se inspirou a modificar seu projeto de pesquisa para fazer algo parecido, focar em apoiar pessoas que são trabalhadoras, não têm tempo para investir em cursos preparatórios ou passar horas do dia estudando”
Segundo o pesquisador do NEPS e Doutor em Estudos do Lazer (UFMG), Diogo Nascimento:
“Durante a oficina percebemos que o mestrado é um grande sonho para muitos professores(as) que estão há muitos anos na educação básica. Tivemos participantes de diferentes idades, em sua maioria entre 30 e 40 anos, que apontam a importância da oficina para essas pessoas que, mesmo fora do meio acadêmico, trazem inúmeras vivências e narrativas do ‘chão da escola’. Além disso, os encontros puderam fomentar debates importantes sobre a relação afetiva com o objeto de pesquisa, a relevância social dos territórios periféricos e os desafios que as seleções impõem, principalmente para os grupos de mães que enfrentam um histórico preconceito acadêmico.”
Redes sociais[editar | editar código-fonte]
Conheça um pouco mais sobre o NEPS-Ceasm nas redes sociais: