A formação do Território do Morro do Estado

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O texto aborda a história de ocupação do Morro do Estado, em Niterói, Rio de Janeiro. Inicialmente, o território foi ocupado por grupos de cativos, formando um quilombo devido ao relevo. Posteriormente, houve uma ocupação consolidada, principalmente na década de 1970, com a construção de moradias. A falta de infraestrutura, como energia elétrica e abastecimento de água, marcou o início da ocupação. Políticas públicas e interesses do capital também impactaram a comunidade, com planos de valorização imobiliária e gentrificação. No entanto, projetos sociais e culturais, como a Casa Reviver e o Rap School, surgiram como iniciativas de educação popular para atender à comunidade.

Autoria: Lia Castanho de Figueiredo Guimarães

Ocupação e Memória[editar | editar código-fonte]

A primeira ocupação significativa no território teria sido por grupos de cativos, que ali constituíram um quilombo devido ao relevo do local. No início do século XX havia uma preocupação com a invasão de propriedades privadas por uma parcela da classe trabalhadora. Deste modo, para sanar essa tensão urbana o Estado permitiu ocupação de alguns morros na cidade, entre eles o Morro do Estado. A apropriação consolidada do território deu-se pela construção de moradias e realizou-se no pós- primeira guerra, principalmente na década de 1970. A política econômica da época traduzia-se em um alto custo de vida e concentração de renda, o que contribuiu para o crescimento de ocupações ilegais. Entre outros fatores, a construção da ponte Rio-Niterói (1968), que significou mais facilidade de locomoção e ofertas de empregos, e a migração do povo nordestino para o sudeste propiciou a acomodação da classe trabalhadora nesta área. A soma desses processos fomentou a ocupação em massa do local que hoje corresponde ao do Morro do Estado localizado em bairros estratégicos para economia da cidade de Niterói.

A comunidade surge com barracos de madeira, pau a pique e papelão, a ocupação é feita de baixo para cima. Segundo relatos de antigos moradores, o Morro era perpassado por trilhas, não havia asfalto e muito menos distribuição de energia elétrica por isso era denominado de “ Morro uma Luz na Escuridão”. Outro fator presente na memória e que perdura até os dias de hoje é a falta de abastecimento hídrico. No início da ocupação, os moradores tinham que buscar água no bairro de Icaraí e no local onde hoje encontra-se o campus do Valonguinho pertencente a Universidade Federal Fluminense. Eram utilizadas latas que eram transportadas por um sistema de balança, o relato desta prática vem acompanhado de uma forte sensação de cansaço, pois exigia-se muita força e o caminho era considerado longo.

A ocupação concedida e assegurada pelo Poder Público fez com que os moradores investissem na sua fixação no território logo os barracos foram substituídos por alvenaria. Promovida à bairro no ano de 1986, a comunidade a localiza-se nos bairros do Ingá, Centro e Icaraí e, de acordo com o censo de 2000 realizado pelo IBGE e disponibilizado pelo site da prefeitura, conta com 3811 habitantes. Já observando o censo de 2010, é possível perceber um crescimento: 4.073 habitantes. Entretanto, o processo de ocupação desenvolve-se até hoje e o Morro do Estado transformou-se em um complexo composto pelos morros do Arroz, Chácara e Estado, estes compostos por sub-regiões: C.P, C.D, Cocozal, Retão, Reta, Mangueira, Campo, Barreira, Trinta, Bomba, 24, entre outras. 

Hoje o território dispõe de serviços oferecidos pelo poder público, como a UBS (Unidade Básica de Saúde) Dr. Mário Pardal, duas escolas e uma creche. Apresenta um forte comércio local, onde é possível encontrar uma área alimentícia bastante desenvolvida. O saneamento básico, a iluminação pública e a coleta de lixo, mesmo fornecidos, são precários. Distante da ação do Estado e sobrevivendo com a ausência de políticas públicas, a comunidade foi construída através da ação conjunta de moradores.  

Políticas Públicas e Interesses do Capital[editar | editar código-fonte]

A ocupação pela população de baixa renda devido a lógica urbana capitalista gerou tensões. A desvalorização do centro da cidade, iniciada em 1975 pela fusão dos Estado do Rio de Janeiro da Guanabara, foi associada aos moradores e a formação do Morro do Estado. Além disso, a região foi é considerada uma Área de Especial Interesse Social (AEIS) que corresponde a um local precário, porém com densa ocupação. Sendo assim, ao se tornar AEIS a comunidade é enxergada pelo Estado que tem como objetivo regularizar e mapear a expansão da ocupação além de iniciar o processo de urbanização através de políticas públicas.

O bairro também foi cogitado em outro plano pela prefeitura: Operação Urbano Consorciada (OUC) que tinha objetivo revitalizar o centro e conecta-lo a outras partes da cidade com a valorização do Caminho Niemeyer o que acarretaria na sua valorização. Com o discurso de reestruturação urbana local a fim de melhorar a qualidade de vida dos moradores da região, a OUC levaria o aumento do custo de vida e especulação imobiliária gerando consequências na vida dos moradores da comunidade podendo ocorrer remoções e o início do processo de gentrificação. O território do Morro do Estado e sua população não eram os alvos dessa política pública, na verdade, era somente o Estado servindo ao interesse do capital.

A Presença da Educação Popular[editar | editar código-fonte]

Dentro deste contexto de exclusão e segregação espacial, desenvolveram-se projetos sociais e culturais, como a Casa Reviver e o Rap School, que tecem uma narrativa contrária ao discurso hegemônico da favela como espaço da violência e tráfico de drogas. As ações destacam-se por se constituírem em iniciativas de moradores da própria comunidade e por se adequarem ao setor de educação popular. O Coletivo Rap School tem como objetivo trabalhar a cultura do Hip Hop nas favelas, possui caráter itinerante e ocupa diversos espaços da cidade, entretanto, se origina e se organiza no Morro do Estado.  A Casa Reviver é um projeto com bases cristãs e atua no território a 14 anos, atende e acompanha diversas famílias promovendo ações educativas e atendimento social, além de eventos que englobam toda comunidade. Ambos executam o papel do Estado, contudo, não conseguem atender todos os moradores e nem promover uma mudança estrutural que de fato transforme o território e dê fim a esse sistema desigual.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

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