Acumulação social da violência
Estudo relacionado ao curso Clássicos e contemporâneos sobre favelas, realizado no âmbito do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O curso teve objetivo de debater o lugar das favelas no Rio de Janeiro, estabelecendo diálogos entre estudos clássicos e contemporâneos.
Autoria: Victor Toscano; Matheus de Moura; Luísa Carneiro.
Sobre[editar | editar código-fonte]
A sociologia da violência é um campo de pesquisa que, no Brasil, por inúmeros motivos, cruza com frequência com a sociologia sobre favelas, por vezes analisando o estado como algoz, por outras tomando o local em si como perigoso em decorrência dos jovens envolvidos com tráfico ou os coroas das milícias. Independente da forma como isso é angulado, a relação entre violência e favela sofre de uma dualidade na voz dos autores clássicos: de um lado, há uma historicidade que, na perspectiva deles, explica a presença da violência nesses territórios; do outro, a conexão entre tráfico, milícia e extermínio com as favelas é quase natural, novamente, na perspectivas deles. A explicação quanto a como essa relação social chamada por "violência" se constrói raramente é devidamente detalhada de modo a desnaturalizar a conexão entre tais fatores sociais. Isso pode ser dito especificamente sobre os clássicos da sociologia da violência brasileira: Alba Zaluar, Sérgio Adorno, Michel Misse, Ignácio Cano etc. A ambiguidade de suas análises ora alavanca a discussão para uma percepção atenta e crítica aos fatores que produzem violência, ora aceita como dado que a favela é o lugar onde reside o confronto, o crime e o malandro, pensando nos termos analisado por Michel Misse em sua tese.
Nessa aula em particular, discutimos as obras de Michel Misse, Alba Zaluar e José Cláudio Alves, o que mais se distancia do clássico acima problematizado. Longe de ser eliminarmos da obra dele a crítica, estamos apenas reconhecendo que há, por parte do autor, uma busca mais intensa por entender a historicidade da chegada da violência urbana como a conhecemos às periferias da Baixada e uma maior compaixão pelos próprio moradores envolvidos com crime, algo que ocorre de forma volátil com Michel e de forma mais rara com Alba. Isso talvez se deva ao fato de que Alves é ele mesmo morador da região que analise e o único homem negro na bibliografia citada e também na complementar. Nenhuma das críticas diminui a contribuição dos autores às ciências sociais que analisam a construção do crime, do criminoso e da violência; todavia a relevância em por um tijolo a mais na arquitetura do nosso pensamento científico, temos de sustentar que há falhas e miopias propositais nas obras dos clássicos da sociologia da violência no Brasil, como a constante ignorância quanto ao fator racismo.
Michel Misse[editar | editar código-fonte]
Misturando Marx, Weber e Foucault para construir sua linha teórica própria, o sociólogo da UFRJ desenvolve neste texto a ideia de que a violência urbana só passa a se tornar uma questão nas grandes capitais a partir da transição entre as décadas de 1950 e 1960, quando, segundo ele, o movimento social fica mais forte, o jogo do bicho ganha mais poder, as drogas viram uma questão mais presente no cotidiano, os grupos de extermínio se tornam preponderantes etc. O problema de sua análise está em inúmeros lugares: primeiro em desconsiderar como violência urbana a eterna perseguição a escravizados e ex-escravizados desde o surgimento da Guarda Real; segundo em desconsiderar todos os movimentos sociais por moradia que vinham desde o fim do século XIX, como descrito por Sidney Chauloub; por fim em não descrever de modo mais detalhado quais foram os fatores centrais para que ocorresse o que ele chama de uma "acumulação social da violência", dando a impressão de que, ao menos para o artigo, faltou reflexão sistematizada sobre o assunto. O grande avanço desse artigo, que é uma derivação de sua tese, foi a reflexão explícita sobre haver de certa forma uma acumulação social da violência; digo isso porque é, de fato, necessário fazer o esforço de pensar quais são os inúmeros fatores contabilizáveis ou não que constroem as relações sociais representadas por nós como violentas. É um apelo pela historicização e pela observação da materialidade do mundo social como passível de produzir acúmulos que geram ebulições constantes. As falhas do artigo não anulam que ele abre um caminho possível para todos nós pesquisadores possamos superá-lo de vez.
José Cláudio Alves[editar | editar código-fonte]
A formulação de uma história da Baixada Fluminense atentando para as relações de poder, sobretudo na construção do Estado. No caso da Baixada, essa violência específica es concretizará a partir do final dos anos 60 até os dias de hoje, através das execuções sumárias realizadas por grupos de extermínio. As execuções sumárias correspondem à base de um modelo de dominação política estabelecida pelo poder local e relacionada com os interesses "supra locais" de outros grupos políticos, Estado, sistema de justiça, setores econômicos e processos eleitorais associam-se na construção dessa forma de poder extremamente permeável ao uso da violência e àqueles que a empregam. A persistência dos elevados índices de homicídios na Baixada Fluminense, apesar das inúmeras políticas de segurança adotadas ao longo de mais de 30 anos, confirmam não a incapacidade ou ineficiência do Estado, mas sua permeabilidade aos interesses que o constituem e que encontram nesse padrão de violência uma de suas bases de sustentação.
Alba Zaluar[editar | editar código-fonte]
Alba Zaluar mobiliza diferentes personagens para discutir a violência no Rio de Janeiro e, em especial, nas favelas, especificamente o trabalhador, o bandido, e o malandro. Enquanto o malandro se refere ao modelo antigo da criminalidade no Rio de Janeiro, que seria bem-sucedido pela astúcia e pelo subterfúgio, o bandido obtém sucesso pelo emprego da violência, particularmente da violência armada, que, como Misse discute, emerge e se prolifera nos grandes centros urbanos do Brasil a partir da década de 1950. O trabalhador, por sua vez, figura central e perene das relações sociais que concernem ao trabalho de Zaluar, que é apresentado ora em tensão, ora em harmonia com as figuras do bandido e, antigamente, do malandro. Uma quarta figura é introduzida à discussão quando os trabalhadores parecem harmonizar com bandidos: “o injustiçado, o ‘revoltado’, o morto de vida trágica e morte sem sentido” (p. 136). Nessa posição, o bandido é visto não como um problema, mas como uma figura dotada de importância social e muitas vezes equiparado ao trabalhador pobre, que, assim como o bandido/revoltado, frequentemente sofre pela violência de Estado e pelas violências que, a eles, o Estado não oferece proteção.
Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]
- Misse, Michel. Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Civitas (Porto Alegre), v. 8, p. 371-385, 2008.
- Zaluar, Alba. A máquina e a revolta. São Paulo: Brasiliense, 1985.
- Alves J. C. Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense. Rio de Janeiro: Apph - Clio, 2003.
Bibliografia complementar[editar | editar código-fonte]
- Zaluar, Alba e Alvito, Marcos (orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
- Perlman, Janice. O mito da marginalidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
- Perlman, Janice. Favela – four decades of living on the edge in Rio de Janeiro. New York: Oxford University Press, 2010.
- Misse, Michel. Malandros, Marginais e Vagabundos. A Acumulação Social da Violência no Rio de Janeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Lamparina/Faperj, 2022.
- Teixeira, Cesar Pinheiro. Matar, converter, incluir: a trama da violência urbana no Rio de Janeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2023.
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)