Afetividade LGBTQIA Periférica: Atravessamento e Estigmas.

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Nossas relações são repletas de escolhas, desejos, afetos e outras singularidades tem reflexo direto da cultura que estamos inseridos, a realidade irá estruturar muitas vezes em qual direção essas questões irão seguir com o outro e com nós mesmos. Dentro de uma sociedade dominada pela religiosidade cristã e católica teremos o elemento pecado como um dos condutores desses atos, partindo do lugar que algo só pode ser feito caso não quebre as regras impostas por estas instituições

feto e o amor tem forte relação com a religiosidade na cultura nacional, se posicionando em um lugar sagrado. Esta dinâmica é reproduzida através das mídias de entretenimento como novelas, filmes e series em momentos que temos noivas se casando apenas com a cor branca pois simboliza a pureza, a negação de possibilidade de pessoas do mesmo sexo se casarem no religioso, a formação de familias bem sucedidades serem formadas por casais cis, heteros e em sua grande maioria brancos. Este dispositivo não é usado apenas dentro das instituições, mas é disseminado culturalmente de forma natural.

A periferia que é retratada culturalmente em um espaço disfuncional, solitário e violento começa a entender a afetividade como espaço negativo. Quando alongamento para gemer e sexualidade nesse espaço percebemos uma anulação tanto na vivencia de LGBTQIAS crias heteronormativos ou afeminados, resumidos ou a sexualização ou a estigmatização de perigo.

A partir disto, poderemos refletir sobre o processo de repressão que irá se desenvolver ao decorrer da vida, se mesclando com o moralismo cultural. Se apoiará no ideal do eu que irá estruturar essas pulsões como gostos, desejos, personalidade ou preferências. Podemos posicionar estas repressões no mesmo núcleo que a homofobia internalizada, que irá produzir uma rejeição no sujeito sobre vivências afetivas que não estejam de acordo com o padrão estruturado em cima desta repressão (Demingos & Stona 2020). Estes desejos são costurados em outras opressões, como racismo, gordofobia, capacitismo, xenofobia e misoginia, qualquer corpo que esteja dentro desse espaço não normativo irá despertar um lugar de nojo.


Este indivíduo que não tem possibilidade de atender completamente as exigencias do Supereu para chegar no ideal do eu, afinal este sujeito nunca será heterossexual ou cis, constrói a relação amorosa e afetiva como espaço de performar ou de se aproximar deste lugar. Se o LGBTTQIA+ é considerado como sujo e promíscuo, o Eu irá se esforçar, a partir das exigências ideais superegóicas, para se afastar ao máximo de sujeitos abertamente orgulhosos que fazem parte desta comunidade. Por outro lado, há a aproximação de sujeitos com corpos que estejam de acordo com os padrões sociais, e como condição moral terão que exercer sua sexualidade ou gênero abertamente apenas na sua intimidade, evitando homens afeminados, mulheres másculas ou pessoas transexuais e travestis.

Um outro caminho que pode ser adotado para sujeitos LGBTTQIA+ é a concentração total no eu, se privando do externo, apoiado na homofobia internalizada. A solidão se apresenta como solução para estas repressões, para não pecar. A solidão não é posta sozinha como a palavra indica, em muitos desses casos surge a ideação, drogas como auxilio principal para sentir prazer e consequentemente se tornando um vício (ANTUNES, 2017) apud (Demingos & Stona, 2020)

O afeto nesta comunidade é construído a partir de violências, estigmas e outras questões que se apresentam como normatizador, como ideal. Entretanto ao estagiar na SIRDH foi possível perceber como estes sujeitos se reestruturam para entender onde poderão achar afeto, onde poderão encontrar pertencimento e em muitos dos casos este lugar é posicionado dentro da própria comunidade. Apesar de todos os poréns que surgem dependendo dos corpos que estamos trabalhando ao dizer afeto, ou ao escrever sobre romance, ainda sim, em algum canto da comunidade tem um grupo preparado para se tornar família para estes sujeitos.

A tendência, quando se narra a experiência LGBTTQIA+, é seguir um roteiro de desastres, assim como os clichês midiáticos do entretenimento nos servem com finais trágicos e solitários. Até aqui podem ter surgido questionamentos sobre a permanência deste ideal do eu nos moldes cis e heteronormativo, sobre as possibilidades de afastar as exigências do Supereu deste destino vazio ou sobre atender desejos produzidos pelo isso.

Neusa Santos Souza (1983) pontua que a experiencização desta situação não é exclusiva do negro, assim como não é exclusiva da população LGBTTQIA+. Na estruturação psíquica é consequência da relação conflituosa entre as exigências do rígido Supereu e dos desejos abertos do isso, fruto de uma sociedade que irá produzir um ideal a ser alcançado, A autora dispõe alternativas que se apresentaram para estes sujeitos, mesmo que de forma genérica, sendo a primeira dela a possibilidade de sucumbir às punições do Supereu. Acerca da temática, a autora afirma:

A primeira alternativa genérica – sucumbir às punições do superego - é representada pela melancolia, em seus diferentes matizes e gradações. Aqui o sentimento de perda da autoestima é dado como constante que nos permite unificar em uma categoria – melancolia. (SOUZA, 1983, p.40)

Importante não individualizar totalmente este processo, beirar a meritocracia ao deixar margem para entender-se que o sujeito está neste processo por escolha própria e de forma consciente. Com isso, DEMINGOS & STONA. (2020, p248.) define que: “O armário é algo que pode ser manejado de uma forma menos sofrida, mas nunca superado/elaborado totalmente. Enquanto os arranjos políticos se articularem a favor de um regime cisheterossexista compulsório, haverá armário.” Fato mais acentuado em corpos negros que acabam sendo estigmatizados por dois, ouvindo frases como "já é negro, ainda será gay."


A conservação deste ideal do eu cis heteronormativo não se mantém do nada, quando estamos inseridos em um país com viés religioso protestante e inseridos em um sistema capitalista que visa a manutenção dessas opressões para normatizar as massas. A falta de autenticidade, a submissão, a angústia é fruto de violências psicológicas e físicas, da exclusão direta de grande parte desta comunidade do mercado de trabalho, o isolamento social e outras políticas que afasta possibilidades de singularidade fora deste campo binário heterossexual.

Ainda os que permanecem nesta área são levados a uma manutenção diária de trejeitos, traços, hábitos e vestimentas para que não seja lembrada do distanciamento do eu e do ideal do eu que está sendo perseguido. Outra possibilidade apresentada pela psicanalista Neusa Santos Souza em em Torna-se Negro é a construção, estruturação de um outro ideal do eu. Modular um ponto de chegada que seja singular, baseado nas redes que percorrem e percorreram a vida deste sujeito, a viabilidade de valores e interesses autênticos.

Este novo rosto irá exigir que o corpo não esteja em uma inércia, um deslocamento, muitas vezes doloroso, será indeclinável. Este ideal será construído sobre a militância política, posição que viabiliza a transformação desta história (Souza 1983). O percurso de produção de um novo ideal, de uma recuperação do narcísico que está em desgraça, é a formação política, formação política esta que não está ligado a faculdade ou estritamente a um partido político, mas o entendimento da história, dos processos e do que te estrutura enquanto sujeito em uma sociedade, na sociedade brasileira. Consciência que necessita de uma imersão da vivência, de um encontro e de consumo de indivíduos que estejam aliados minimamente com sua vivência, mesmo dentro das suas singularidades e da amplitude que é ser LGBTTQIA+, Periférico e Favelado.


FREUD, Sigmund. (1923). O Ego e o Id. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 11-83.

DEMINGOS, Lucas. STONA, José. A Vida Psíquica do Armário. Relações de Gênero e Escutas Clínicas. 1ª edição/Salvador: Editora Devires, 2020.

SOUZA, Neusa Santos. (1983). Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar. p.1-171.