Carnaval Popular de Santana de Parnaíba (SP)
Em Santana de Parnaíba, carnaval é uma festa de rua. Tradicionalmente, os moradores e visitantes caem na folia no Centro Histórico. O Grito da Noite, manifestação secular, marca a abertura oficial do Carnaval Parnaibano. Na sexta-feira, a cidade, às escuras, espera pelo batuque dos tambores ao som do samba de bumbo (tradição de origem afro-brasileira). Os cabeções, que acompanham o cortejo são uma das mais legítimas representações da arte popular, que resistem em Santana de Parnaíba. Nos demais dias, a festa é completada pelo desfile de animados grupos de samba que seguem no embalo da tradição carnavalesta.
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco a partir de outras fontes[1][2][3]
Cultura quilombola e o samba de bumbo[editar | editar código-fonte]
Um registro histórico de 1775, preservado no Arquivo Público do Estado, mostra que o governador da capitania de São Paulo, Martim Lopes Lobo de Saldanha, demonstrava preocupação com o surgimento de um quilombo na região de Santana de Parnaíba. Após 248 anos, descendentes quilombolas ainda mantêm sua presença na área, conservando práticas culturais como o samba de bumbo, reconhecido como Patrimônio Imaterial da Cultura Paulista e destacado pelo escritor Mário de Andrade em 1937.
Naquele período, a região de São Paulo e Parnaíba tinha pouca expressão econômica no contexto colonial, com um número reduzido de escravizados, o que atrasou o aparecimento de quilombos. O de Santana de Parnaíba foi um dos primeiros a ser documentado no século XVIII. Mesmo enfrentando repressão, a comunidade conseguiu sobreviver, migrando para diferentes locais ao longo dos anos. Atualmente, os descendentes têm raízes nos antigos quilombos do Carmo, São Roque e Cururuquara, mas foram realocados para zonas urbanas devido à pressão da especulação imobiliária.
Carmelino Eusébio de Jesus, de 102 anos, e Luíza Camargo de Jesus, de 89, são exemplos vivos dessa resistência. Carmelino nasceu no quilombo do Carmo e posteriormente se estabeleceu no Cururuquara, onde participava de festividades anuais no dia 13 de maio, marcando a abolição da escravidão com samba de bumbo e orações em uma capela erguida por ex-escravizados. Luíza, neta de um dos fundadores do Cururuquara, conta que seu avô recebeu terras após a abolição, o que deu origem à comunidade e à tradição cultural.
O samba de bumbo despertou o interesse de Mário de Andrade em 1937, que o descreveu em seu ensaio "Samba Rural Paulista". Ele observou que as letras das músicas faziam referência a histórias ligadas à escravidão, mas a repressão tanto policial quanto religiosa contribuía para o enfraquecimento dessa manifestação cultural. Atualmente, os quilombolas ainda enfrentam discriminação, com alguns moradores locais tentando impedir a prática da dança, argumentando que ela afasta visitantes.
A resistência dos quilombolas de Santana de Parnaíba permanece viva, mantendo tradições afro-brasileiras e lutando contra o apagamento de sua história. O projeto Quilombos do Brasil, em parceria com a Fundação Ford, tem como objetivo documentar e valorizar essas comunidades, garantindo que suas histórias e culturas sejam preservadas para as futuras gerações.
Santana de Parnaíba[editar | editar código-fonte]
Santana de Parnaíba foi o primeiro município do Estado de São Paulo a receber um número significativo de escravizados, devido à descoberta de ouro em seu território no século XVII. Hoje, é também uma das cidades que mais recebe apoio de instituições oficiais para a preservação e promoção de práticas culturais associadas ao samba de bumbo. Na região metropolitana da capital paulista, as expressões culturais afro-brasileiras tiveram um desenvolvimento mais dinâmico. Assim, a concentração de grupos culturais negros em grande escala favoreceu o florescimento do samba, mesmo que essa manifestação tenha enfrentado forte repressão por parte das autoridades locais onde era realizada.
Grito da Noite[editar | editar código-fonte]
O Grito da Noite é uma manifestação do carnaval e folclore de Santana de Parnaíba, um bloco centenário que através do Samba de Bumbo Paulista se manifesta com sua música e ritmos próprios
Essa tradição se iniciou há muitos anos no carnaval, como alteranativa para que o povo pudesse dançar e cantar livremente usando os instrumentos e vestes que dispunham para se divertir e alegrar a população e os participantes.
Grupo Treze de Maio do Cururuquara[editar | editar código-fonte]
A Festa do Cururuquara, realizada no bairro de Santana de Parnaíba (SP), que já foi tema de documentários e reportagens, remonta a 13 de maio de 1888, quando os escravizados libertos de Nhô Bueno receberam terras e decidiram comemorar sua liberdade com quatro dias de festejos, incluindo danças, cantos e samba de bumbo em frente à Capela de São Benedito. Quatro palmeiras plantadas na época ainda marcam o local.
A celebração começa com uma procissão pelas ruas, onde os fiéis carregam o andor de São Benedito e se encontram com a imagem de Nossa Senhora do Carmo, doada nos anos 1960. O evento inclui orações na Capela de São Benedito e festividades organizadas pelo Grupo 13 de Maio, mantendo viva a tradição iniciada pelos descendentes dos escravizados. Seu Carmelino e sua esposa Dona Luíza foram por muitos anos os símbolos vivos dessa festa, que representa resistência e cultura negra.
Apesar dos desafios, como a desapropriação de terras durante a construção da Rodovia Castelo Branco, a comunidade mantém viva a tradição, com o apoio da Prefeitura de Santana de Parnaíba, que busca preservar a originalidade da festa.
Casa do Samba Parnaibano[editar | editar código-fonte]
A "Casa do Samba Parnaibano" foi inaugurada em Santana de Parnaíba no dia 30 de setembro de 2021, com o objetivo de valorizar o patrimônio imaterial e cultural da cidade. Localizada no Centro Histórico, na rua André Fernandes, 51, o espaço terá um enfoque educacional, artístico, histórico e cultural, oferecendo oficinas, cursos e exposições. O horário de funcionamento será de segunda a sexta, das 8h às 17h, e aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 17h. A inauguração contou com a exposição "100 anos de mestre Carmelino — Memória viva do samba parnaibano", em homenagem a Carmelino Euzébio de Jesus, que completou 100 anos em 1º de setembro e é reconhecido como um dos grandes nomes do Samba de Bumbo em São Paulo.
Cabeções de Parnaíba[editar | editar código-fonte]
Os cabeções de Santana de Parnaíba são uma das tradições mais representativas do Carnaval da cidade, especialmente no bloco Grito da Noite, uma manifestação cultural que faz parte do patrimônio imaterial do Estado de São Paulo. Esses adereços carnavalescos são grandes estruturas que representam cabeças humanas ou figuras caricatas, confeccionadas artesanalmente com técnicas de papel sobreposto, uma herança cultural que remonta ao século XX.
Os cabeções têm raízes profundas na cultura popular de Santana de Parnaíba. Eram comuns nas décadas de 70 e 80, mas seu uso diminuiu ao longo do tempo. A tradição foi mantida graças ao trabalho de artesãos como Mestre Tito (Hormes Villar Filho) e, posteriormente, seu irmão Miguel Villar, que continuaram a confeccionar essas peças no Ateliê Coisa Nossa. A técnica envolve a criação de estruturas de madeira, revestidas com papel e tecido, resultando em peças que podem pesar entre 3 kg e 4 kg, enquanto a estrutura completa chega a 30 kg.
Os cabeções são elementos centrais do Grito da Noite, único grupo de Samba de Bumbo do Estado de São Paulo que utiliza esses adereços em suas apresentações. Eles não apenas enriquecem visualmente o desfile, mas também carregam um simbolismo ligado à identidade cultural da cidade. Nos últimos anos, houve um esforço para resgatar e valorizar o uso dos cabeções no Carnaval de Santana de Parnaíba. Iniciativas como as do ponto de cultura Sufruto têm incentivado blocos a incorporar essas peças em seus desfiles, promovendo oficinas e ações educativas para manter viva a técnica de confecção.
Mestre Tito[editar | editar código-fonte]
No dia 26 de março de 2022, Santana de Parnaíba perdeu uma figura essencial para sua cultura: Hormes Villar Filho, conhecido como Mestre Tito. Nascido em 1950, ele foi o principal responsável por manter viva a tradição carnavalesca dos bonecões e cabeções, elementos centrais do Grito da Noite, manifestação cultural reconhecida como patrimônio imaterial do Estado de São Paulo. Filho de Holmes Villar, Mestre Tito aprendeu desde cedo a técnica de confecção desses adereços, feitos com papel sobreposto, e assumiu o legado familiar após o falecimento do pai em 1982.
Além de preservar essa tradição única, Mestre Tito dedicou sua vida ao carnaval e à cultura local, trabalhando por 22 anos na prefeitura e tocando caixa na primeira escola de samba da cidade, os Pés Vermelhos, fundada por seu pai. Nos últimos anos, problemas de saúde limitaram suas atividades, mas seu irmão, Miguel Villar, assumiu a continuidade do trabalho. Mestre Tito faleceu aos 72 anos, deixando um legado de criatividade, humildade e dedicação à cultura parnaibana, sendo lembrado com carinho por familiares, amigos e admiradores.