Caso Amarildo
Autor: Leandro Resende.
Amarildo Dias de Souza (Rio de Janeiro, 1965/1966 - Rio de Janeiro, 2013) foi um ajudante de pedreiro brasileiro que ficou conhecido nacionalmente por conta de seu desaparecimento, desde o dia 14 de julho de 2013, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Favela da Rocinha, em direção a sede da Unidade de Polícia Pacificadora do bairro. Seu desaparecimento tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade e violência policial. Os principais suspeitos no desaparecimento de Amarildo eram da própria polícia. Em 2016, 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados em primeiro grau, e no segundo grau, oito condenações foram mantidas, enquanto quatro foram absolvidos.
Amarildo[editar | editar código-fonte]
Morador desde que nasceu na favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, Amarildo era o sétimo de 12 irmãos e filho de uma empregada doméstica e de um pescador. Analfabeto, só escrevia o próprio nome e começou a trabalhar aos 12 anos vendendo limão. Casado com a dona de casa Elizabeth Gomes da Silva, Amarildo era pai de Romeu, e dividia um barraco de um único cômodo com toda a família. Conhecido como "Boi", trabalhava como pedreiro e fazia bicos na comunidade.
Desaparecimento[editar | editar código-fonte]
Era um domingo, 14 de julho de 2013, quando o pedreiro Amarildo Dias de Souza, então com 43 anos, foi visto com vida pela última vez. Foi detido para “averiguação” por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, torturado e morto. Seu nome entrou para o rol dos crimes cometidos pelo Estado graças à comoção que ensejou e às disputas de sentido e narrativa travadas em torno de sua memória desde então.
Amarildo tinha seis filhos, era casado e conhecido na Rocinha pelos serviços que prestava aos moradores. Sua força física lhe valeu o apelido de “Boi”. Naquele domingo, passara toda a manhã fora, pescando. Por volta das 20h, foi ao bar do Júlio, perto da casa onde vivia, para comprar limão. Sequer fez o pedido: policiais da UPP, ainda no rescaldo de uma operação policial realizada naquele final de semana, o levaram e o torturaram atrás de informações sobre um suposto paiol de armas.
Coube a família de Amarildo a denúncia pública do sumiço. Em pouco mais de uma semana, o grito “Cadê o Amarildo” desceu a favela e ganhou as ruas, nas bocas e cartazes de milhares das pessoas que protestaram Brasil afora em 2013. Iniciadas em junho daquele ano em virtude do aumento do preço das passagens de ônibus em diversas capitais, as manifestações também incorporaram o esclarecimento do sumiço do pedreiro como uma de suas múltiplas pautas.
As palavras de ordem também apareceram nas vozes dos governantes, sobretudo por intermédio do ex-governador fluminense Sérgio Cabral, instado a dar respostas e, por seu projeto político, tentar impedir que o episódio maculasse a imagem das UPPs. À época, o programa gozava do prestígio de parte da sociedade como uma suposta “novidade” na forma de o Estado policiar e lidar com moradores de favela.
Os meses sem resposta para a pergunta “Cadê o Amarildo?” demonstraram que as UPPs tiveram seus problemas negligenciados por parte da opinião pública. Desde o domingo em que o pedreiro sumiu, o programa de pacificação jamais voltou a ser o mesmo.
Investigação[editar | editar código-fonte]
Segundo a versão da polícia, os PMs teriam confundido Amarildo com um traficante de drogas com mandado de prisão expedido pela Justiça. A própria polícia da comunidade é suspeita do desaparecimento de Amarildo. Na noite em que foi detido, duas câmeras diante da UPP tiveram problemas e o GPS dos carros de polícia estavam desligados. Responsável pelas duas câmeras da UPP, a Emive constatou que elas estavam queimadas e alegou que falhas são frequentes em redes elétricas instáveis. No entanto, das 84 câmeras na Rocinha, apenas as da UPP apresentaram problemas naquela noite.
A polícia civil foi informada de que um corpo tinha sido encontrado na comunidade da Rocinha e os agentes foram procurá-lo, mas constataram que não era de Amarildo. Em uma Auditoria Militar para investigar o caso, foi confirmado que o ex-comandante da UPP da Rocinha, major Edson Santos, subornou uma moradora da comunidade, Lucia Helena da Silva Batista, para que a mesma mentisse em testemunho sobre o Caso Amarildo. Lucia, em sua primeira versão, incriminava o traficante Thiago da Silva Neris como autor do assassinato de Amarildo. Depois de voltar atrás em seu depoimento, Lucia disse ter sido orientada pelo major a dar falsas informações por temer represálias de policiais militares contra seu filho além de ter recebido um pagamento.
Em 2016, 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados em primeiro grau. Em 2019, a 8ª Câmara Criminal da Justiça do Rio de Janeiro absolveu quatro dos 12 policiais acusados, enquanto a condenação dos oito restantes foi mantida.
Indenização[editar | editar código-fonte]
Em junho de 2016, a Justiça condenou o governo do estado do Rio a pagar uma indenização à família do pedreiro Amarildo de Souza. A viúva e os seis filhos deverão receber R$ 500 mil cada um. Na sentença, a juíza determinou que os filhos recebam a pensão até completarem 25 anos. O estado deve ainda pagar à viúva um salário mínimo por mês. Pela decisão, uma mãe de criação e dois irmãos de Amarildo devem receber R$ 100 mil cada um.
Passados cinco anos do assassinato de Amarildo, no entanto, a família ainda não havia sido indenizada, em razão do processo estar em fase de recursos da defesa. O montante a receber é de 3,5 milhões de reais. Nas palavras do advogado da família, João Tancredo: “O estado desaparece, tortura e mata o Amarildo e depois aniquila a família não pagando, não fazendo o processo andar, não prestando justiça no tempo hábil. Isso também é uma grande perversidade.”
Repercussão[editar | editar código-fonte]
O caso de Amarildo virou um símbolo de desaparecimentos não esclarecidos pela polícia. A campanha “Onde está o Amarildo?” foi iniciada nas redes sociais, especialmente pelo Facebook, com o apoio de movimentos como o Rio de Paz, as Mães de Maio e da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência. Foram organizados atos por moradores da Rocinha, contando com a participação da sociedade civil. A repercussão aumentou, artistas como MV Bill, Wagner Moura e Caetano Veloso manifestaram-se publicamente, assim como a Comissão da Verdade fluminense O desaparecimento também passou a ser conhecido internacionalmente, desde a Anistia Internacional ao Financial Times.
O governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral recebeu a família de Amarildo e prometeu “mobilizar todo o governo” para encontrá-lo.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Desaparecimento forçado
- Mães de Acari: um legado histórico
- Desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense