Chacina da Nova Holanda - 24 de junho de 2013

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Em junho de 2013, os moradores da favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro passaram por uma noite de terror durante uma operação do Bope que resultou em dez pessoas mortas, além de oito pessoas detidas e uma pessoa menor de idade apreendida.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI/UFF, Radar saúde favela e CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Em 2 de julho, milhares de pessoas fecharam a Avenida Brasil em repúdio aos assassinatos cometidos pelo Bope na Maré.
Em 2 de julho, milhares de pessoas fecharam a Avenida Brasil em repúdio aos assassinatos cometidos pelo Bope na Maré.

A operação[editar | editar código-fonte]

Autoria: Eliana Sousa Silva[1].

A noite de 24 e a madrugada de 25 de junho de 2013 ficarão assinaladas na memória dos moradores da Maré e da cidade do Rio de Janeiro pela tristeza.  Durante uma operação do Bope, dez pessoas foram mortas em um episódio que deu visibilidade à violência que na época caracterizava os conflitos entre os grupos criminosos armados e as polícias. Marcado pela dor e perda de vidas como tantos outros, o evento foi, no entanto, singular pela forma como a população local se mobilizou para impedir uma tragédia maior e garantir alguma repercussão dos eventos ocorridos. O episódio também foi peculiar pela forma – claramente, em consequência da mobilização dos moradores – como se iniciaram as investigações realizadas pela Polícia Civil, através da Divisão de Homicídios, DH.

No bojo das manifestações que marcaram o mês de junho de 2013 no Brasil, instituições e indivíduos atuantes na Maré realizaram um protesto no dia 2 de julho daquele ano, sete dias após as mortes. Moradores do Complexo e de vários cantos da cidade, num misto de revolta e busca por justiça, se reuniram e tornaram as mortes na Maré parte da pauta das reflexões sobre a ação das polícias do Rio de Janeiro.

A repercussão mundial da tragédia nas mídias sociais e imprensa, após aquela  madrugada sangrenta, gerou uma reação das autoridades, que deram agilidade à investigação.  No mesmo dia das mortes, foram iniciadas as perícias pela Polícia Civil, que acompanhei, juntamente com integrantes das Comissão de Direitos Humanos, da Assembleia  Legislativa do Estado, de instituições que trabalham na Maré e representante do Ministério Público estadual.

Foram necessários muitos dias para identificar as vítimas e convencer seus familiares a contribuir com depoimentos e pistas para as investigações da Divisão de Homicídios. Um número significativo de testemunhas se dispôs a vencer o medo de falar – fato incomum no contexto das favelas cariocas. A participação dos familiares, apesar das dificuldades históricas inerentes a esse processo, foi determinante para o que se acumulou sobre os possíveis esclarecimentos dos fatos  até o momento.

Infelizmente, não houve, ainda, o anúncio final pela DH dos resultados das investigações dos homicídios ocorridos na Maré a partir das dez mortes identificadas. Dos atingidos, um era policial sargento do Batalhão de Operações Policiais Especiais –BOPE.  As operações, no Parque Maré, na Nova Holanda e no Parque União, três  das 16 favelas da Maré,  foram motivadas por furtos a transeuntes na  Avenida Brasil, filmados e apresentados, ao vivo, em um canal de TV. Um grupo de agentes da segurança pública entrou na Maré; logo de início, foi morto um dos policiais. A partir dali, segundo os depoimentos dos moradores, houve uma sequência de ações brutais em diferentes locais, aparentemente como forma de vingar o policial. Além disso, as cenas das distintas violências estavam em diferentes locais da Maré, deixando de forma explícita o embate ocorrido.

Após um ano desses tristes acontecimentos, o responsável pelas investigações, o delegado Rivaldo Barbosa, informa que o trabalho será concluído em breve e apresentado à sociedade. As perícias realizadas indicam que uma das mortes – a do policial – ocorreu no confronto com integrantes de grupos locais armados. Outras oito foram decorrentes de resistências seguidas de morte; uma última vítima trabalhava em um bar no momento em que a polícia, avançando para os fundos da favela Parque União, atirou na direção do estabelecimento comercial.  É importante frisar que, após a entrada das Forças Militares na Maré, recentemente, foram feitas novas perícias em locais onde ocorreram as mortes.

As informações preliminares acerca das investigações sobre as mortes na Maré em junho de 2013 já são suficientes para instigar a reflexão sobre mortes em favelas e periferias e sobre o esclarecimento de crimes em nosso país. Dos dez vitimados, presume-se – já que ainda não foram finalizados os inquéritos – que oito serão caracterizados como mortos ao resistir à ação policial. Isso significa dizer que essas pessoas serão apontadas não como vítimas, mas como autores das próprias mortes, num contexto de confronto com a polícia.

Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei número 4471/2012, que propõe o fim da caracterização dos homicídios que acontecem em confronto com as polícias como “autos de resistência” seguidos de morte.  Essa expressão, que se tornou corriqueira, vem servindo para justificar, historicamente, a falta de esclarecimentos sobre muitas ações criminosas envolvendo profissionais da segurança pública e integrantes de grupos criminosos armados. O texto do projeto sugere uma série de medidas para que estes delitos sejam, de verdade, investigados e punidos. Seria a chance de reduzir o número de processos investigativos policiais nunca esclarecidos, gerando impunidade, abuso de autoridade e fraudes e atingindo diretamente, de maneira perversa, pessoas que não têm força para se contrapor na Justiça à ação equivocada do Estado .

Apesar do esforço de registro e esclarecimento dos homicídios ocorridos na Maré em junho de 2013, será necessário muito mais tempo e determinação por parte das autoridades de segurança pública para que as populações de áreas de favela desenvolvam a confiança nas forças policiais. Os confrontos entre os grupos criminosos armados e as polícias são quase sempre caracterizados por abusos, falta de identificação dos agentes e pela ausência de procedimentos legais no trato com a população das favelas. Tudo isso, sem dúvida, tem gerado descrédito e dificultado as investigações desses casos.

Em outro aspecto, a população de favelas e periferias não reconhece e não confia nos procedimentos e formas de registro dos órgãos investigativos no caso das violações, abusos e homicídios no contexto desses territórios.  O medo impera e paralisa muitas famílias que perderam seus entes queridos, sejam eles policiais ou civis, no sentido de investigar  sobre como os fatos aconteceram e em que condições. Reconstituir as cenas desses crimes requer muito empenho e disposição das partes envolvidas. Acima de tudo, deve ter como pressuposto o fato de que é inaceitável que tantas pessoas sejam mortas e não haja esclarecimento e punição dos responsáveis.

Na Maré, os moradores ainda carregam as marcas das violências ocorridas naquela noite de junho, em que os tiros não paravam de soar. Além dos mortos nas ruas, que geraram perplexidade e revolta, foram muitas as violações ocorridas. Casas foram invadidas; portas, quebradas; pertences, revirados. Os moradores sofreram abordagens truculentas e ameaçadoras e o medo se instaurou de maneira generalizada.

A comprovação de que as mortes resultaram de uma vingança pela morte do sargento do Bope coloca o Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública, numa situação que exige atenção e resposta das autoridades. É incompreensível e inaceitável que profissionais da segurança pública, que deveriam atuar na direção da proteção e do respeito à vida, sejam responsáveis por mortes brutais e injustificadas.

Notícias na mídia[editar | editar código-fonte]