Chacina da Rocinha - 24 de março de 2018
Na manhã de sábado de 24 de março de 2018, policiais militares do Batalhão de Choque realizaram mais uma chacina na Rocinha, zona sul do Rio. Foram oito pessoas assassinadas, a maioria com tiros nas costas. Diferente do que tem sido divulgado pela corporação, áudios vazados e postagens em redes sociais revelam que o massacre foi premeditado. Fotos divulgadas sugerem execuções. Moradores denunciam que os agentes entraram na favela por volta das 6 horas da manhã, atirando e gritando “quem manda aqui é a polícia!”.
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI/UFF, Radar Saúde Favela e CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
História[editar | editar código-fonte]
A polícia busca ao máximo a sua justificativa para a chacina: “de que todos tinham envolvimento com o tráfico”, o que obviamente não justifica. Não importa se os rapazes eram ou não trabalhadores varejistas do tráfico. Não há pena de morte no Brasil. A polícia não pode e nem deve decidir quem morre e quem vive. Moradores relataram intenso tiroteio, que teve início logo de manhã. Parentes afirmam que não houve reação e as vítimas não tinham ligação com o tráfico de drogas. A operação parece mais uma “operação vingança” da polícia militar, já que na última quarta-feira um policial morreu em confrontos na favela.
Além das balas de munição letal, a tropa também lançou mão de gás de pimenta e distribuiu socos e chutes em transeuntes, inclusive mulheres. As mortes aconteceram nas localidades conhecidas como Rua 2 e Roupa Suja, onde minutos antes era realizado um baile funk. Áudios vazados de grupos de policiais no aplicativo WhatsApp e atualizações publicadas pelo Major da PM Elitusalem Freitas em sua página do Facebook dão conta de um massacre premeditado que tinha até mesmo um placar de mortes por batalhão. Os áudios indicam que a chacina foi resultado de uma “operação vingança”, em retaliação pela morte do soldado da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha Felipe Santos Mesquita. Felipe foi alvejado no abdômen durante uma operação na favela na última quarta-feira, a mesma que tirou a vida do catador de ferro velho Antonio Ferreira da Silva, de 70 anos, conhecido como “Marechal”.
A chacina aconteceu na manhã em que Marechal era enterrado, no Cemitério do Caju, zona portuária. Muitos moradores que quiseram se despedir do antigo vizinho foram impedidos pelo tiroteio. No Instituto Médico Legal (IML), parentes das vítimas enfrentavam uma enorme burocracia para liberar os corpos.
Vítimas[editar | editar código-fonte]
O auxiliar de serviços gerais Júlio Morais de Lima, de 22 anos, foi um dos assassinados, baleado nas costas quando saía para trabalhar.
“Que mundo é esse? A polícia chega, mata um monte de gente dando tiro pelas costas, atirando em todo mundo que está na rua, mostra lá umas armas, diz que era todo mundo bandido e pronto. E a gente? Como fica?”, questiona um tio de Júlio.
O adolescente Matheus da Silva do Duarte, de 18 anos, foi outra das vítimas.
O pai de Matheus da Silva Duarte de Oliveira (foto), de 18 anos, contou que o filho foi assassinado pelas costas. Ele afirmou que o rapaz não tinha qualquer envolvimento com o tráfico de drogas e que participava de um baile funk na localidade quando os policiais militares chegaram no local, por volta das 6 horas da manhã.
Matheus participava de um projeto que se apresentava em festas de 15 anos, dançando valsa. Na sexta, o jovem havia se apresentando com um grupo em São Gonçalo. Ao voltar para a Rocinha, por volta de 2 h, recebeu o cachê de R$ 50 e decidiu ir com alguns amigos se divertir no baile. Seu pai, o cobrador de van Marcio Duarte de Oliveira, de 45 anos, também desmentem a explicação oficial de que as mortes teriam sido decorrentes de um suposto “confronto” entre policiais e traficantes:
“Tem que ter justiça. Como a gente vai viver agora sem nosso filho e ainda com as pessoas insinuando que ele era traficante?”, se indignou Márcio.
“Mataram meu filho. Tinha 19 anos. Sou trabalhador, sou cobrador de van. Eles já chegaram esculachando morador, dando tapa na cara. Mataram meu filho com um tiro nas costas”, disse Márcio Duarte de Oliveira. Ele acrescentou que o filho estava procurando emprego e que ele sempre dava dinheiro para o filho se divertir no baile funk.
No relato inicial da polícia, o jovem dançarino sofre a absurda acusação de que teria atirado contra os agentes com uma pistola 9 mm.
Além de Júlio e Matheus, também foram identificados os cadáveres de Osmar Venâncio do Nascimento, 45 anos, Bruno Ferreira Barbosa, 24, Hércules de Souza Marques, 26, Magno Marinho de Rezende, 28 e Wanderson Teodoro de Souza, 21.
Como de costume, o Estado tenta justificar a carnificina criminalizando as vítimas.
A informação inicial divulgada pela polícia militar dava conta de que todos os oito mortos teriam envolvimento com o narcotráfico. Narrativa reproduzida por toda a grande imprensa antes mesmo de qualquer investigação ser realizada. As contradições, no entanto, não demoraram a aparecer. Dois dias depois, a versão dada pelo porta-voz da corporação, o major Ivan Blaz, já é a de que “quatro deles tinham antecedentes criminais”. Como se o fato de ter antecedente justificasse uma execução.
Intervenção Federal[editar | editar código-fonte]
O Rio sob intervenção federal.
Procurado, o gabinete dos interventores não havia comentado a ação até o começo daquela noite. INTERVENÇÃO FEDERAL, inédita, foi anunciada pelo presidente Michel Temer (MDB) em 16 de fevereiro, com o apoio do governador Luiz Fernando Pezão, também do MDB.
Temer nomeou como interventor o general do Exército Walter Braga Netto. Ele, na prática, é o chefe das forças de segurança do estado, como se acumulasse a Secretaria da Segurança Pública e a de Administração Penitenciária, com PM, Civil, bombeiros e agentes carcerários sob o seu comando. O Rio de Janeiro passa por uma grave crise política e econômica, com reflexos diretos na segurança pública.
Atlas da Violência
Desde junho de 2016, o estado está em situação de calamidade pública e conta com o auxílio das Forças Armadas desde setembro do ano passado. Não há recursos para pagar servidores e para contratar PMs aprovados em concurso. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem combustível para o carro das corporações. Faltam equipamentos como coletes e munição. A falta de estrutura atinge em cheio a moral da tropa policial e torna os agentes vítimas da criminalidade. Somente no ano passado 134 policiais militares foram assassinados no estado, neste ano já são 31.
Policiais, porém, também estão matando mais. Após uma queda de 2007 a 2013, o número de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial está de volta a patamares anteriores à gestão de José Mariano Beltrame na Secretaria de Segurança (2007-2016).
Em 2017, 1.124 pessoas foram mortas pela polícia. Em meio à crise, a política de Unidades de Polícia Pacificadora ruiu. Um estudo da PM cita 13 confrontos em áreas com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016. Nesse vácuo, o número de confrontos entre grupos criminosos aumentou. Apesar da escalada de violência no Rio, que atingiu uma taxa de mortes violentas de 40 por 100 mil habitantes no ano passado, há outros estados com patamares ainda piores. No Atlas da Violência 2017, com dados até 2015, Rio tinha taxa de 30,6 homicídios para cada 100 mil habitantes, contra 58,1 de Sergipe, 52,3 de Alagoas e 46,7 do Ceará, por exemplo.
Genocídio da juventude negra no Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]
“A gente vive assustado, acuado dentro de casa, somos feitos de refém e não mudou nada. Em lugar nenhum está morrendo tanta gente quanto está morrendo na Rocinha. Isso está parecendo o que? Uma ditadura militar? Limpeza étnica? O que está acontecendo? Por que matam tanta gente e não prendem?”, desabafa.
Balanço: No último final de semana, 13 jovens negros e moradores da periferia foram mortos na região metropolitana do Rio.
No último final de semana, duas chacinas, uma na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro e outra no município de Maricá, na Região Metropolitana, deixaram um total de 13 mortos.
As vítimas: jovens, negros e moradores da periferia. O genocídio da população negra tem sido alvo frequente de denúncias por instituições que lutam em defesa dos Direitos Humanos. Porém, é na fala dos moradores das comunidades que fica evidente que essa parcela da população continua a ser executada no estado mesmo após a intervenção militar.
Depoimentos - Fala dos moradores[editar | editar código-fonte]
- “A gente vive assustado, acuado dentro de casa, somos feitos de refém e não mudou nada. Em lugar nenhum está morrendo tanta gente quanto está morrendo na Rocinha. Isso está parecendo o que? Uma ditadura militar? Limpeza étnica? O que está acontecendo? Por que matam tanta gente e não prendem?”, desabafa.
Um morador que vive na Rocinha há 40 anos e que por questões de segurança não pôde se identificar, contou que no sábado (24), quando ocorreu a chacina que deixou oito mortos na comunidade, o Batalhão de Choque da Polícia Militar desembarcou no túnel Zuzu Angel disparando tiros e causando medo e pânico nas pessoas que estavam na festa de um artista local. José ainda revelou que a população já fez denúncias para todos os órgãos responsáveis por apurar as violações de direito e violência policial, mas até o momento nada foi feito.
“Tem muita denúncia de morador no Ministério Público, muita investigação sobre violência policial na Corregedoria e não muda. Agora com a intervenção militar, implementaram uma lei em que qualquer coisa é desacato e ai você vai preso”, afirma.
O morador destacou ainda que já foi vítima de agressão por parte da polícia e que teme pela sua vida e de outras pessoas próximas que já sofreram ameaças. Para ele, a intervenção federal militar não trouxe nada de positivo para a Rocinha.
Um dia após a chacina da Rocinha, a 60 quilômetros do município do Rio de Janeiro, na cidade de Maricá, cinco jovens negros foram executados na área de lazer do condomínio popular Carlos Marighella, no bairro de Itaipuaçu. A principal suspeita da investigação é que os jovens foram assassinados por milicianos que cobram por segurança na região.
João Carlos Lima que coordena a Secretaria de Participação Popular, Direitos Humanos e Mulher conta que os jovens executados integravam rodas culturais de hip-hop na cidade e também, duas das vítimas, eram militantes da União da Juventude Socialista (UJS), ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
"Três desses jovens participaram ativamente de uma roda de rima, que tinha relação com a nossa Secretaria. Eles estavam fazendo o evento a cada quinze dias na Praça Central de Maricá e tinham começado também em Itaipuaçu”, ressalta.
Com relação a segurança do condomínio, construído a partir do financiamento do projeto Minha Casa, Minha Vida, onde ocorreu a chacina, o secretário destaca que a prefeitura não pode intervir dentro do conjunto habitacional, mas que está providenciando medidas para aprimorar a segurança no entorno, com a instalação de câmeras de segurança e guaritas na região.
Na segunda-feira (26), a Delegacia de Homicídios de Niterói divulgou a informação de que os cinco jovens assassinados não tinham qualquer envolvimento com o crime organizado. Segundo a investigação, os adolescentes foram executados no domingo (25) com tiros na cabeça.
Dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017, publicado pela Unesco, apontam que em 24 unidades da federação, a chance de um jovem negro morrer assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco.
Edição: Mariana Pitasse
Fontes[editar | editar código-fonte]
http://www.midia1508.org/2018/03/24/mais-uma-chacina-no-rio-de-janeiro-agora-na-rocinha/