Chacina do Fallet-Fogueteiro - 08 de fevereiro de 2019
No dia 08 de fevereiro de 2019, 13 jovens foram assassinados no Morro do Fallet-Fogueteiro, na região de Santa Teresa (Centro – Rio de Janeiro). As mortes foram operadas pelo BOPE e pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, durante uma operação no morro. Pelo menos 10 dos 15 mortos foram assassinados dentro da casa de uma moradora da região, com marcas de perfuração por faca em regiões do corpo como pulmões e coração. A perícia na região indicou a execução de pessoas que já estavam rendidas. Os policiais envolvidos na operação foram ouvidos na Delegacia de Homicídios do Rio e suas armas foram retiradas e encaminhadas à perícia. Essa foi a operação policial com maior número de mortos desde 2005.
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Este trabalho é uma pareceria entre os grupos GENI/UFF, Radar Saúde Favela e CASA (IESP/UERJ) juntamente com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
A chacina[editar | editar código-fonte]
Segundo relatos das famílias das vítimas, a operação começou logo de manhã e as tropas vieram para matar. Os policiais xingaram muito as pessoas nas ruas e agiram de forma muito truculenta, agredindo os meninos mesmo após de rendidos. Alguns dos meninos correram para dentro de uma casa, que foi arrombada pelos policiais que os mataram lá dentro.
O laudo de perícia de local encontrou 128 perfurações no imóvel. Na cena do crime, foram encontrados 198 cartuchos de fuzil e pistola deflagrados. Ao menos 40 disparos atingiram as vítimas.
Segundo as famílias, os meninos queriam se entregar, não morrer. A comunidade se mobilizou do lado de fora da casa pedindo que os policiais os prendesse, mas não os matasse ou torturasse. Os policiais jogaram bombas e gás de pimenta nos moradores e ameaçaram quem filmava tudo.
“Como eles dizem que houve tiroteio se meus sobrinhos xxxx e xxxx foram mortos com facadas na barriga? Tá aqui a certidão de óbito. Houve espancamento. Quebraram o pescoço de um dos meninos! Tá aqui o laudo do IML. Há um consenso entre nós de que houve tortura. Teve facada no coração, no pulmão!”, disse o tio, ainda jovem, de dois dos mortos.
“Os policiais pegaram os corpos rapidamente e botaram em cima das caminhonetes. Eles sentaram em cima dos corpos. Nem mesmo depois de mortos, os corpos foram respeitados. Os corpos foram levados para o hospital com policiais sentados em cima desses corpos”, esbravejou uma jovem, já chorando.
“Isso não é novidade, senhor. Eles vem com essas chaves mistas, que abrem qualquer porta. Foi assim que entraram em outras várias casas da comunidade naquela manhã. Em duas delas, mataram mais dois irmãos em cada! Mataram o filho da XXXX e da XXXX”, deixou escapar uma das moradoras.
“Foi isso, senhor. Sete foram mortos na casa. Depois, duas duplas de irmãos em duas casas diferentes. Teve ainda o Jefferson. Foram 12 mortos no Fallet. E ainda mais três, fomos saber depois, que foram mortos lá no Morro dos Prazeres (morro vizinho, onde havia uma operação do BOPE”, explicou um homem.
A chacina é resultado, segundo pesquisadores, de uma política de segurança que dá maior autonomia as polícias e desarticula suas ações. O fim da Secretaria de Estado de Segurança Pública que foi implementado pelo governador Wilson Witzel (PSC) no começo do ano de 2019 produziu uma maior violência nas operações policiais no Estado.
Vídeo sobre a chacina[editar | editar código-fonte]
Falhas na investigação[editar | editar código-fonte]
Desde o primeiro momento, a condução do caso prejudicou as investigações. Os PMs do Batalhão de Choque removeram os nove corpos do local, alegando estarem prestando socorro às vítimas. Todos chegaram mortos ao Hospital Municipal Souza Aguiar.
A tese de que as vítimas estavam vivas é pouco verossímil diante do tipo de ferimento encontrado nos corpos e da forma que foram transportados para o pronto-socorro. Grande parte das vítimas recebeu dois ou mais tiros de fuzil no tronco, tendo lesões em zonas letais como coração, pulmões e fígado. Há ao menos um caso de evisceração —quando os órgãos internos de uma pessoa saltam para fora do abdômen.
Desfazer a cena do crime com o subterfúgio de um falso socorro é uma estratégia comum adotada por policiais para atrapalharem investigações de mortes em supostos confrontos. No Hospital Souza Aguiar, vídeos feitos por parentes das vítimas revelam que os policiais orientaram os profissionais de saúde. As roupas das vítimas, que poderiam revelar indícios de execução, foram jogadas no lixo.
Já no Instituto Médico-Legal (IML), ocorreram nove falhas, como a realização dos exames para encontrar resíduos de pólvora nas mãos das vítimas, o que poderia detectar se elas haviam atirado. O Sindicato dos Peritos Oficiais do Rio de Janeiro, entidade representante dos legistas do IML, alegou que o estado não possui os equipamentos e insumos necessários para fazer esse tipo de análise. O sindicato apontou a falta de profissionais e de investimentos como causa dos problemas nos laudos da chacina do Fallet.
A organização não governamental Human Rights Watch, em março de 2020, já havia afirmado que em dois pareceres de peritos forenses internacionais havia o indicativo de possível destruição de evidências pela Polícia Militar no caso. As análises, encomendadas pela organização, também apontam para outras falhas na coleta e preservação de evidências importantes para o caso.
Investigações do Ministério Público[editar | editar código-fonte]
Foram realizadas duas investigações pelo Ministério Público do RJ, no caso Fallet-Fogueteiro. Uma delas foi arquivada e a outra deu origem à denúncia de 13 policiais militares por fraude processual em face de suas participações de operação na comunidade Fallet-Fogueteiro à Auditoria Militar, como explica o promotor de Justiça Paulo Roberto Mello, da 2ª Promotoria de Justiça Junto à Auditoria de Justiça Militar do MPRJ:
Fontes[editar | editar código-fonte]
The Intercept Brasil – A guerra prometida no Rio já começou: era uma casa como a sua, virou o cenário de um massacre
Jornalistas livres – Fallet-Foguereiro: “Deram facadas no coração de um, no pulmão de outro. Foi uma chacina a facadas”
Pragmatismo Político – As falhas na investigação da chacina de 15 jovens no Fallet