De Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde 2023, está promovendo uma alteração significativa na denominação dos "Aglomerados Subnormais", termo utilizado pelo instituto em seus censos e pesquisas desde 1991. Após extensas discussões com movimentos sociais, a comunidade acadêmica e diversos órgãos governamentais, foi decidido adotar a nova denominação de "Favelas e Comunidades Urbanas".
Autoria: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1]
O que mudou?[editar | editar código-fonte]
O IBGE, atendendo a preceitos constitucionais e mantendo o rigor técnico e a observância dos Princípios Fundamentais das Estatísticas Oficiais, após ampla consulta a diferentes segmentos da sociedade, promoveu a mudança da nomenclatura e da redação dos critérios que orientam a produção, análise e disseminação de informações sobre as favelas e comunidades urbanas brasileiras.
Por que mudou?[editar | editar código-fonte]
Histórico[editar | editar código-fonte]
Censo 1950 (Distrito Federal) Favelas:[editar | editar código-fonte]
1. Proporções mínimas: agrupamentos prediais ou residenciais formados por unidades de número geralmente superior a 50;
2. Tipo de habitação: predominância, no agrupamento, de barracos ou casebres de aspecto rústico típico, construídos principalmente de folhas de Flandres, chapas zincadas, tábuas ou materiais semelhantes;
3. Condição jurídica da ocupação: construções sem licenciamento e sem fiscalização, em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida;
4. Melhoramentos públicos: ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz, telefone e água encanada;
5. Urbanização: área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração e emplacamento. (IBGE, 1953, p.18)
Censo 2010: Aglomerados subnormais[editar | editar código-fonte]
Um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e/ou densa. A identificação dos aglomerados subnormais é feita com base nos seguintes critérios:
1. Ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) no momento atual ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou menos);
2. Precariedade de serviços públicos essenciais, tais quais energia elétrica, coleta de lixo e redes de água e esgoto;
3. Urbanização fora dos padrões vigentes, refletido por vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais e construções não regularizadas por órgãos públicos.
Como mudou?[editar | editar código-fonte]
Encaminhamentos[editar | editar código-fonte]
• A urgência da alteração da nomenclatura aglomerado subnormal, constituindo-se como uma demanda represada da sociedade nos últimos anos;
• A aceitação unânime do termo favela, estando vinculado à reivindicação histórica por reconhecimento e identidade de movimentos populares;
• O consenso em torno da necessidade de que o termo estivesse acompanhado de um complemento;
• A necessidade de que o conceito fosse pensado a partir da positivação e não da negação, invertendo a equação e tornando as favelas um elemento de afirmação e não de estigmas;
• A necessidade de incorporação de elementos associados à sociabilidade, identidade e formas próprias de organização da vida e do espaço às pesquisas estatísticas sobre esses territórios;
• A importância de que o conceito se refira a territórios com direitos não atendidos ao invés de territórios em desacordo com a legislação;
• Embora seja central evidenciar a potência desses territórios, foi reforçado o desafio de que a desassistência de direitos seja também evidenciada pelas estatísticas públicas.
Consultas[editar | editar código-fonte]
• 55 formulários respondidos;
• Boa aceitação geral da proposta inicial disponibilizada para consulta;
• Comentários com referência a outros territórios que não estariam sendo abarcados pelo conceito proposto, principalmente os conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado que se degradaram com o decorrer do tempo;
• A questão fundiária aparece como outra questão central no debate sobre o conceito, indicando a necessidade de que, futuramente, o IBGE se dedique a estudos que possam subsidiar mudanças em relação a esse quesito;
• Inclusão de quesitos que atualmente não são considerados nas pesquisas realizadas pelo IBGE para esses territórios, como segurança pública, mobilidade, lazer, saúde, entre outros.
De Aglomerados Subnormais para Favelas e Comunidades Urbanas[editar | editar código-fonte]
Aglomerados subnormais[editar | editar código-fonte]
Formas de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia (públicos ou privados) para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas que apresentam restrições à ocupação.
A identificação de aglomerados subnormais deve ser feita com base nos seguintes critérios:
1. Caso haja ocupação irregular da terra, ou seja, quando os domicílios estão em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular),agora ou em período recente (obtenção do título de propriedade do terreno há dez anos ou menos) e quando se soma à ocupação irregular da terra uma ou mais das características a seguir:
2. Precariedade de serviços públicos essenciais, como iluminação elétrica domiciliar, abastecimento de água, esgoto sanitário e coleta de lixo regular e/ou
3. Urbanização fora dos padrões vigentes, refletida pela presença de vias de circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e formas desiguais, ausência de calçadas ou de largura irregular e construções não regularizadas por órgãos públicos e/ou
4. Restrição de ocupação, quando os domicílios se encontram em área ocupada em desacordo com legislação que visa à proteção ou restrição à ocupação com fins de moradia como, por exemplo, faixas de domínio de rodovias, ferrovias, áreas ambientais protegidas e áreas contaminadas.
Favelas e comunidades urbanas[editar | editar código-fonte]
Territórios populares originados das diversas estratégias utilizadas pela população para atender, geralmente de forma autônoma e coletiva, às suas necessidades de moradia e usos associados (comércio, serviços, lazer, cultura, entre outros), diante da insuficiência e inadequação das políticas públicas e investimentos privados dirigidos à garantia do direito à cidade. Em muitos casos, devido à sua origem compartilhada, relações de vizinhança, engajamento comunitário e intenso uso de espaços comuns, constituem identidade e representação comunitária. No Brasil, esses espaços se manifestam em diferentes formas e nomenclaturas, como favelas, ocupações, comunidades, quebradas, grotas, baixadas, alagados, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, loteamentos informais, vilas de malocas, entre outros, expressando diferenças geográficas, históricas e culturais na sua formação. Favelas e comunidades urbanas expressam a desigualdade socioespacial da urbanização brasileira. Retratam a incompletude - no limite, a precariedade das políticas governamentais e investimentos privados de dotação de infraestrutura urbana, serviços públicos, equipamentos coletivos e proteção ambiental aos sítios onde se localizam, reproduzindo condições de vulnerabilidade. Estas se tornam agravadas com a insegurança jurídica da posse, que também compromete a garantia do direito à moradia e a proteção legal contra despejos forçados e remoções.
Para identificação das favelas e comunidades urbanas o IBGE utiliza os seguintes critérios:
1. Predominância de domicílios com graus diferenciados de insegurança jurídica da posse; e, pelo menos, um dos demais critérios abaixo:
Comentário: A nova redação parte do princípio do direito à moradia adequada, respaldado pelo Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e pela legislação brasileira pós-Constituição Federal de 1988, especialmente o Estatuto da Cidade. Destaca a função social da propriedade urbana. A segurança da posse é crucial, sendo responsabilidade do Estado proteger contra despejos arbitrários. Ressalta-se que há diferentes níveis de insegurança jurídica em uma mesma favela ou comunidade urbana.
2. Ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos (iluminação elétrica pública e domiciliar, abastecimento de água, esgotamento sanitário, sistemas de drenagem e coleta de lixo regular) por parte das instituições competentes; e/ou
Comentário: A mudança proposta destaca o direito à moradia adequada como fundamental, enfatizando a responsabilidade dos Estados e instituições em promovê-lo. Evita rotular favelas como intrinsecamente carentes, alertando para a necessidade de focar na oferta precária de serviços públicos essenciais, em vez de qualificar as comunidades como deficientes por si mesmas. Trata-se de uma mudança de perspectiva, portanto.
3. Predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura que usualmente são autoproduzidos e/ou se orientam por parâmetros urbanísticos e construtivos distintos dos definidos pelos órgãos públicos; e/ou
Comentário: Buscou-se evitar a estigmatização das favelas e comunidades urbanas com essa mudança. Diante da falta de iniciativas eficazes por parte dos órgãos competentes para garantir o direito à moradia, essas populações desenvolveram lógicas próprias de organização espacial, que exigem reconhecimento de suas especificidades. Além de demandarem investimentos específicos, muitas vezes apresentam soluções autônomas e comunitárias. O reconhecimento deve ir além de qualificar essa urbanização como "irregular".
4. Localização em áreas com restrição à ocupação definidas pela legislação ambiental ou urbanística, tais como faixas de domínio de rodovias e ferrovias, linhas de transmissão de energia e áreas protegidas, entre outras; ou em sítios urbanos caracterizados como áreas de risco ambiental (geológico, geomorfológico, climático, hidrológico e de contaminação).
Comentário: A principal mudança na redação deste critério se refere à incorporação da dimensão do risco ambiental, que está intimamente relacionado a processos de vulnerabilização de determinadas populações. Este critério para a identificação e mapeamento das favelas e comunidades torna-se fundamental frente ao aguçamento de eventos ambientais que resultam em desastres, impactando profundamente esses territórios, como as cheias, inundações e deslizamentos.
IMPORTANTE! A mudança de nomenclatura e de redação dos critérios não afeta o mapeamento produzido para a pesquisa censitária de 2022. As mudanças dizem respeito à forma como o IBGE se refere a esses territórios e seus habitantes em seus materiais e em suas bases de divulgação, evitando estigmatizações e homogeneizações que possam afetá-los negativamente. O conteúdo essencial dos critérios utilizados para identificação e classificação dos então chamados aglomerados subnormais foi mantido.
ACESSE A NOTA METODOLÓGICA COMPLETA AQUI!
- ↑ Nota metodológica divulgada oficialmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em janeiro de 2024.