Desigualdade nas metrópoles (boletim)
O Boletim "Desigualdade nas Metrópoles" revela que, após cinco trimestres de crescimento, a renda dos 40% mais pobres caiu para R$240,79 per capita no início de 2022, indicando um empobrecimento prolongado. A inflação, estagnação no mercado de trabalho e recuperação em ocupações de baixo status contribuíram para esse declínio, resultando em graves consequências, como aumento da vulnerabilidade social e crescimento da extrema pobreza. O cenário futuro permanece incerto, dependendo da estabilização da inflação e do crescimento econômico.
Autoria: Observatório das Metrópoles.
Sobre[editar | editar código-fonte]
Dados da oitava edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles[1] mostram que a recuperação da renda dos mais pobres perdeu força nas metrópoles brasileiras no início de 2022. Após cinco trimestres consecutivos de crescimento, a média da renda do trabalho dos 40% mais pobres no conjunto das metrópoles do país caiu, chegando a R$240,79 per capita. “É um empobrecimento de longa duração e isso traz consequências sociais terríveis. As famílias vão ‘queimando’ as reservas que tinham para poder sobreviver nesse período e essa agonia não passa, vai perdurando trimestre a trimestre”, ressalta o professor da PUCRS e um dos coordenadores do estudo, Andre Salata.
Entre o período anterior à pandemia (primeiro trimestre de 2020) e o terceiro trimestre de 2020, a renda do estrato mais pobre das metrópoles sofreu uma brusca queda de 31,9%, chegando ao menor valor da série histórica: R$183,61. Desde então, o que se apresentava era um lento processo de recuperação, fazendo a renda média daquela parcela da população alcançar o valor de R$245,55 no último trimestre de 2021 – uma cifra ainda 8,9% menor do que a encontrada antes da pandemia. Agora no início de 2022, no entanto, a trajetória de recuperação foi interrompida e a renda dos mais pobres caiu, sendo reduzida para o valor de R$240,79.
De acordo com o também coordenador do estudo e professor do IPPUR/UFRJ, Marcelo Ribeiro, o rendimento do trabalho corresponde a 70% do rendimento domiciliar. “Evidentemente, quando se trata de famílias que têm baixos rendimentos, esses rendimentos são tanto oriundos do trabalho, como também de políticas de transferências governamentais. Então, pode se aproximar da situação de pobreza, mas expressa uma situação de vulnerabilidade social. Até porque o rendimento do trabalho é decisivo para as famílias em geral. Se esse rendimento se reduz, isso aponta um aumento da vulnerabilidade social”, explica o pesquisador.
A média geral de rendimentos para todos os estratos também seguiu em queda, alcançando no primeiro trimestre de 2022, pelo segundo trimestre consecutivo, o pior nível de toda a série histórica iniciada em 2012, com o valor de R$ 1.405,73 – no quarto trimestre de 2021 essa média era de R$1.414,07. Quando comparada com a situação no último trimestre antes da pandemia, momento em que a renda média nas metrópoles era de R$1.575,51, a redução foi de 10,7%. Desde 2020, já são oito trimestres de renda média atingindo os menores valores de toda a série histórica nas metrópoles brasileiras.
“Um dos fatores que podem explicar a queda é a inflação, que está corroendo a renda de todos, e que está interrompendo esse processo de recuperação dos mais pobres e faz a gente ver esse resultado”, avalia Salata. Mas, segundo ele, também existem outros elementos, como a própria recuperação do mercado de trabalho, onde se teve uma manutenção da taxa de desocupação do quarto trimestre de 2021. “A taxa de desocupação vinha caindo e a tendência é de uma certa estabilidade nesse último trimestre que analisamos”, pontua. Além disso, os pesquisadores afirmam que essa recuperação está muito baseada em ocupações de baixo status e de baixa remuneração. Então, esses fatores juntos, mas principalmente a inflação, explicam o motivo da queda da renda dos mais pobres depois de uma sequência de trimestres em recuperação.
Uma grave consequência é que após cinco trimestres de queda, voltou a aumentar o percentual de moradores do conjunto das metrópoles que vivem em domicílios cuja renda média per capita do trabalho era de até ¼ do salário-mínimo. Em termos absolutos, no primeiro trimestre de 2022 foram registradas 21,1 milhões de pessoas nessa situação.
E o mesmo crescimento foi observado também para a taxa de crianças de até cinco anos de idade que vivem em lares com rendimentos do trabalho inferiores a ¼ do salário-mínimo per capita nas metrópoles brasileiras. Essa taxa alcançou 29,2% da população de crianças, patamar próximo ao registrado no auge da pandemia: 32,2%. Em termos absolutos, no 1º trimestre de 2022 havia 1,8 milhões de crianças nessa situação, o que é um número maior que o da população total de Regiões Metropolitanas como Natal, João Pessoa, Maceió ou Florianópolis, entre outras.
Conforme Marcelo Ribeiro, o quadro explicita o drama social existente nas metrópoles brasileiras. “Essa situação de pobreza, ao atingir quase 30% das crianças de até cinco anos de idade, na medida em que renda é fundamental para garantir as condições de alimentação e nutrição, numa faixa etária em que as pessoas estão passando pelo desenvolvimento humano, psíquico e cognitivo, estamos comprometendo toda uma geração”, alerta Ribeiro.
O boletim também apresenta os resultados da desigualdade de renda mensurada pelo coeficiente de Gini. No primeiro trimestre de 2022, o coeficiente de Gini do conjunto das metrópoles brasileiras foi de 0,595, comportamento de redução desde o quarto trimestre de 2020. Ribeiro explica que a redução do Gini, que expressa diminuição das desigualdades de renda em toda a população, se deu pela redução dos rendimentos de todos os estratos de rendimento, sendo que os estratos de maior renda (os 10% do topo da distribuição), reduziu proporcionalmente mais do que os estratos de menor renda (os 40% da base da distribuição). Para ele, uma redução das desigualdades onde todos perdem não pode ser comemorada como aumento da equidade social.
Tendências futuras[editar | editar código-fonte]
Para Andre Salata, com a queda da inflação é possível uma certa estabilização, mas o cenário é incerto. “Se a inflação cair e a atividade econômica mantiver nesse processo, ainda que lento, de recuperação, a tendência é de uma certa melhora”, aponta. Já Marcelo Ribeiro explica que há, também, uma situação de elevação da taxa de juros pelo Banco Central, que acaba inibindo um processo de recuperação do crescimento econômico. “Então, o fato de não crescer, inviabiliza a possibilidade de haver um aumento no nível de remuneração geral do mercado de trabalho. Pode ser mais no sentido de uma estabilização em função desses efeitos contrários da inflação e do crescimento econômico, do que de uma continuada queda como estamos vendo até agora”, analisa.
Boletim "Desigualdade nas metrópoles", número 8, 2022.[editar | editar código-fonte]
O Boletim Desigualdade nas Metrópoles é produzido trimestralmente pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). A fonte de dados é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e dizem respeito à renda domiciliar per capita do trabalho, incluindo o setor informal. O recorte utilizado é o das 22 principais áreas metropolitanas do país, de acordo com as definições do IBGE. Todos os dados estão deflacionados para o primeiro trimestre de 2022, de acordo com o IPCA.
- ↑ Desigualdade nas metrópoles: renda dos mais pobres cai e chega a R$240 per capita. Publicada em 16 de junho de 2022.