Dona Baía, a rezadeira que lavava
Maria José do Nascimento, conhecida como "a rezadeira da Maré", nasceu, no Ceará, em 19 de janeiro de 1928, e faleceu em 25 de novembro de 2016. Migrou para o município do Rio de Janeiro, em busca de melhores condições de vida, e foi morar, com a família, na região de favelas da Maré. Lá permaneceu ao longo da vida. Este verbete conta quem foi Dona Baía, como era chamada, e sua história de vida, a partir das lembranças de sua neta, também moradora da Maré.
Autoria: Roberta Alves, neta da Dona Baía, bibliotecária e artesã de costura criativa, moradora da Maré.
Maria José do Nascimento[editar | editar código-fonte]
Mulher nordestina, nascida no Ceará em 1928, trabalhadora do campo, veio para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor, depois de longo período de seca em sua terra natal.
Morou por anos em barraco sobre as palafitas na Comunidade da Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré. Depois foi selecionada para morar em uma das casas novas construídas na Vila do Pinheiro pelo programa do BNH.
Resgate da Memória[editar | editar código-fonte]
-Vó como a senhora começou a rezar?
-Minha fia, uma vizinha minha no Ceará perguntou se eu queria rezar para ajudar e eu disse que o dom eu recebia.
Foi assim, sem ligação de sangue que uma mulher passou para outra o seu conhecimento sobre as rezas e a minha avó, Maria José do Nascimento, carinhosamente chamada de Baía, passou a rezar as pessoas, pelo amor e com fé, era ela rezadeira na Comunidade da Maré.
Partiu desse plano e nenhum de seus filhos recebeu o dom compartilhado, com ela ficaram as rezas e os cuidados.
Como recuperar a memória de quem partiu?
Lembro de nossa casa ter sempre alguém com três raminhos de plantas nas mãos, solicitando uma reza para curar o quebrante, mau-olhado, “vento virado” e contusões.
No final das três sessões, ofereciam dinheiro a ela e a frase era a mesma, não cobro por reza, é a sua fé que cura com a benção de Deus.
Lembro da minha avó, a Dona Baía, com uma trouxa de roupas na cabeça, sujas para lavar ou limpas para entregar. Com essa profissão, ela foi o alicerce da casa, com essa profissão ela ensinou a filhas e filhos, netas e netos que toda atividade honesta é digna de orgulho.
Lembro de perguntar a minha avó, Dona Baía, por que ela não sorria, ou por que ela brigava tanto com a gente? E ela respondia, não tem motivo para rir, ou ao nos ver rindo uns com os outros falava sempre a mesma frase: essa alegria toda vai ser motivo de choro. E era mesmo.
Lembro de me deitar ao chão da sala com minha atividade da escola por fazer, aos pés da minha avó, passando roupas para entregar, lembro de perguntar, como fazer o dever e ela respondia, minha fia, a vovó só sabe o nome escrever e pouco ler.
Lembro de ouvir as histórias contadas sobre a minha avó, Dona Baía, era forrozeira no Ceará, rapazes vinham de outra cidade buscar por ela em carroças para ser seu par, ela trabalhava desde criança, tinha um pedacinho de terra, onde fazia seu roçado e sempre tinha seu dinheirinho conquistado, era uma filha dedicada, uma jovem arretada.
A fase de lavadeira passou, mas a rezadeira continuou, foram centenas de crianças levadas por suas mães para curar mau-olhado e “vento virado”, os raminhos de planta, sempre três, as idas para a reza, sempre três, transformavam as crianças cabisbaixas, com disenteria, em crianças alegres e nutridas.
De domingo a domingo ela rezava, de domingo a domingo pela fé de quem pedia ela curava.
Até que um dia ao chamá-la para rezar ela disse que não sabia, ela disse que não queria. Apenas nesse momento percebemos que ficou dentro dela uma imensidão de conhecimento, hoje sabemos o que ela tinha era depressão, mas ninguém da família percebeu tamanha aflição. Com essa doença ela partiu e o seu conhecimento ninguém adquiriu.
Essa falta de amparo e despreparo em resgatar a nossa história, aflige minha memória.
Essa é uma breve história, da Baía, lavadeira, rezadeira e guardiã da memória.
Amo você vó Baía, amo a nossa história.
Quem foi a Dona Baía[editar | editar código-fonte]
Maria José do Nascimento, (Ceará, 19 de janeiro de 1928 – Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2016). Casada com Francisco Raimundo de Sousa, mãe de 4 filhas e 1 filho, todos nascidos no Ceará.
Mudou para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida, com toda a família, instalaram-se na Baixa do Sapateiro, na Comunidade da Maré, nas palafitas. Anos depois, mudaram para a Vila do Pinheiro, para as casas novas, construídas pelo programa do BNH.
Nesse endereço, onde todos sabiam, lá vivia a Dana Baía, a rezadeira da Maré.
Sua casa era endereço certo de nordestinos que buscavam novo destino, sempre com um espaço para dormir ou um prato de comida para nutrir.
A nova casa conquistada, foi graças à ajuda doada a uma família que precisava, foi essa família que indicou o seu nome para conseguir a nova morada.
Trabalhou desde nova na roça, era o que sabia fazer, mas ao mudar para a Maré, passou a lavar e passar, para sobreviver, rezar era um dom e fazia com prazer.
Deixou de lavar e passar após se aposentar.
Deixou de rezar quando a depressão foi mais forte e lhe roubou a motivação.
Dizia esquecer o que um dia aprendeu com motivação.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Memória Viva
- História e Memórias das lutas pelo direito à terra no Estado do Rio de Janeiro - Entrevista com Emília
Referências[editar | editar código-fonte]
História de família contada por uma moradora da Maré
Contatos[editar | editar código-fonte]
@robertabiblioalves