Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas Ciências Sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017) (resenha)
Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas Ciências Sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017) é um artigo publicado pela Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB) em abril de 2018.
Autoria: Thaís Cruz.
Sobre[editar | editar código-fonte]
O artigo foi publicado pela Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB) em abril de 2018. A revista destina-se fundamentalmente à publicação de artigos cujo foco é realizar um balanço bibliográfico especializado, baseado na discussão e revisão de conceitos e de paradigmas teóricos. O presente artigo tem como autoria os professores Luiz Claudio Lourenço e Marcos César Alvarez.
Lourenço possui bacharelado e mestrado em ciências sociais pela Universidade de São Carlos (UFSCar), doutorado em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) e pós-doutorado em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor do Departamento de Sociologia e pesquisador no Laboratório de Estudos sobre Crime e Sociedade (Lassos) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Alvarez é bacharel em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em sociologia pela mesma instituição. Atualmente é professor Livre Docente do Departamento de sociologia da USP, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência, NEV-USP.
Resumo dos principais argumentos[editar | editar código-fonte]
O objetivo dos autores é fazer um mapeamento das dissertações e teses sobre prisões que vêm sendo produzidas durante os últimos vinte anos (1997-2017) na área de ciências sociais do Brasil. Além disso, o artigo também propõe discutir as características gerais dos trabalhos encontrados. Para isso, o primeiro passo adotado foi a seleção de palavras-chave para serem inseridas nas buscas em repositórios on-line, as quais foram: encarceramento, prisões, cárcere, sistema prisional, estudos prisionais, presídio, penitenciária, unidade(s) prisional(is), hospital(is) de custódia, HCT, manicômio(s) judiciário(s), agente(s) penitenciário(s), gestor(es) prisional(is), facções, gangues prisionais, comandos, apenados, sentenciados, presos, internos, presidiário(s), privação de liberdade, reeducando(s), ressocialização, reabilitação, reeducação. A busca se deu nos repositórios institucionais de cada programa de pós-graduação avaliado pelo Capes nas seguintes áreas: antropologia, ciência política, ciências sociais e sociologia. Ao todo foram investigados 56 repositórios institucionais.
O número de produções acadêmicas encontradas foi de 139 trabalhos, sendo 93 dissertações e 46 teses. Esse número é expressivo, pois mostra, segundo os autores, a expansão do tema prisões na agenda de pesquisa de mestrandos e doutorandos. Outro resultado importante foi a constatação de que em 67,9% dos repositórios foram encontrados teses e/ou dissertações com os termos de busca selecionados. Os autores observaram ainda a distribuição regional das produções científicas. Ainda que boa parte dos trabalhos (48,9%) sejam produzidos na região Sudeste, já há uma expressiva produção no Nordeste (24,5%). Lourenço e Alvarez interpretam esse resultado como uma indicação de que há nacionalização temática, embora ainda tenha grandes assimetrias regionais.
Outro achado dos autores é referente ao volume de trabalhos por período. Nos primeiros cinco anos do período analisado (1997-2001) a média de trabalhos não chegou a um por ano. Já nos últimos cinco anos (2013-2017), a média anual foi de 11,6 de trabalhos, o que mostra um incremento significativo de produções mais recentemente. Em relação à distribuição por área de conhecimento, os programas de pós-graduação em sociologia concentram o maior número de dissertações (41,9%) e de teses (50%). Em contrapartida, a ciência política foi a área com a menor concentração de trabalhos, o que pode significar, segundo os autores, que há um grande potencial de estudos a serem desenvolvidos com suporte teórico e abordagens nesse campo. Acerca da distribuição por instituição, quem lidera o ranking das dissertações é a UFSCar (10,8%) e a USP liderando o ranking das teses (15,2%). Após essa análise inicial, a pesquisa caminha para uma análise mais substantiva do conteúdo dos trabalhos, ainda que preliminar, para isso recorreu-se para a leitura dos resumos dos trabalhos encontrados. A partir disso puderam identificar os temas mais recorrentes, sendo eles os seguintes: mulheres nas prisões (18%), ressocialização, trabalho e educação no cárcere (10,8%), grupos criminosos nas prisões (9,4%), discursivo punitivo, política penal e prisional (9,4%), religião nas prisões (7,9%), cotidiano, dinâmica e cultura prisional (5%) e agentes penitenciários (3,6%). No que se refere aos aspectos metodológicos, a maior parte empregou técnicas de pesquisa qualitativa (57,6%). Destaca-se ainda o grande número de trabalhos que não mencionaram a estratégia metodológica usada, um total de 35 trabalhos (25,2%). Dentre as técnicas de pesquisa, os autores apontam que a entrevista foi a mais realizada, sendo encontrada em pelo menos 41 trabalhos. Outras técnicas utilizadas são: a etnografia, mencionada em 18 trabalhos, análise documental (14), história de vida (12), observação (direta ou participante) em 8 trabalhos, análises qualitativas aliadas com descrições quantitativas (8). Apenas uma produção usou análises estatísticas mais densas [1] .
Por fim, os autores retomam o balanço realizado por Fernando Salla em 2006 com dissertações e teses disponíveis no Banco de Teses da Capes. Salla (2006) aponta sete limitações da produção acadêmica nesse campo. O primeiro desafio, considerado mais fundamental, consiste no tratamento teórico dado ao tema no que diz respeito aos estudos realizados no Brasil. Para Salla, havia naquele momento uma reprodução das teorias consideradas clássicas na área e seus desdobramentos (como os trabalhos de Erving Goffman e Michel Foucault), ou seja, não havia inovações e formulações próprias do contexto brasileiro. Em termos comparativos com os achados de Lourenço e Alvarez, não foi possível verificar se houve essa preocupação por parte dos pesquisadores, mas há outros indícios que demonstram esse desafio com a literatura. Como apontam os autores, há inúmeros trabalhos baseados em perspectivas indutivas, sendo assim, valorizam mais os achados do que a teoria mais aprofundada, além disso, a falta de rigor metodológico pode indicar que área tem muito que avançar nesse aspecto, tal como afirma Salla. Um segundo desafio diz respeito ao “divórcido entre estudos acadêmicos na área de políticas públicas, com pouco interesse com relação à área de segurança pública e mais especificamente, das políticas para as prisões”. Nesse desafio, os novos resultados mostram que houve um crescimento de pesquisas voltadas para as políticas prisionais, mas trata-se de um campo a ser igualmente explorado. Inclusive, a baixa produção na ciência política sobre esse tema indica que o setor de políticas públicas não tem sido incorporado. Outro desafio seria a segmentação da produção acadêmica sobre prisões. Para Salla, haveria necessidade de aglutinar os estudos nas esferas do Executivo, do Ministério Público e do Legislativo. Como também, aprofundar os efeitos das políticas na área prisional nas três esferas do poder (Federal, Estadual e Municipal), destacando, por exemplo, o impacto da implantação de unidades prisionais nos municípios.
O quarto desafio consistiria no caráter provinciano dos estudos sobre prisões, devido à ausência de pesquisas comparativas com outros países latino-americanos e de outras partes do mundo. De acordo com os novos resultados, a grande maioria das produções permaneceram ainda limitadas aos contextos nacionais. Outro desafio refere-se à ênfase dada nos trabalhos até então realizados no viés monográfico, isso porque os estudos estavam voltados sempre para os mesmos temas específicos (educação, trabalho, saúde no interior das prisões). Nesse aspecto os estudos avançaram, segundo os resultados de Lourenço e Alvarez a temática das prisões ganhou novos contornos, como a pesquisa sobre as mulheres nas prisões, grupos no intra e extramuros, religião e agentes penitenciários. O sexto desafio consiste, sempre de acordo com Salla, na presença de uma agenda circunscrita no campo mais “tradicional”, sem incluir estudos sobre as relações e dinâmicas de poder dentro das prisões e seus impactos para o mundo exterior. Aqui também foi possível ver que os estudos avançaram muito, transbordando a agenda considerada tradicional. O último desafio deve-se à ausência ou inexistência de fontes de informação de boa qualidade na área de segurança pública e das prisões no Brasil. Segundo Lourenço e Alvarez esse é provavelmente o aspecto que menos avançou nos últimos anos e pelos achados dos autores acerca da predominância de estudos qualitativos sobre o tema, esse ainda permanecerá sendo um desafio.
Apreciação crítica[editar | editar código-fonte]
O balanço e revisão dos estudos sobre prisões na área de ciências sociais produzido pelos autores é uma importante ferramenta, por um lado, para jovens pesquisadores como forma de se situarem num campo dinâmico e em crescimento que acompanha, criticamente, a expansão do encarceramento no país. Por outro lado, também é benéfico para os pesquisadores mais experientes como forma de atualizar e reconhecer os desafios, limitações e lacunas dos estudos já produzidos.
Ver também[editar | editar código-fonte]
Referências[editar | editar código-fonte]
ALVES, T. M., & CRUZ, T. G. (2021). Seletividade, punitividade e o novo arranjo criminal: o padrão de comportamento das instituições penais como elemento propulsor do PCC. Simbiótica. Revista Eletrônica, 8(1), 21–52.
DIAS, Camila Nunes; PAIVA, Luiz Fábio S. (2019). Violência dentro e fora das prisões: a dinâmica criminal das facções. O público e o privado, v. 33, p. 9-18.
GODOI, Rafael; ARAUJO, Fábio; MALLART, Fábio (2019). Espacializando a prisão: a conformação dos parques penitenciários em São Paulo e no Rio de Janeiro. Novos Estudos. CEBRAP, v. 38, p. 591-611.
SALLA, F. (2006). A pesquisa sobre prisões: um balanço preliminar. In KOERNER, A. (Org.). História da justiça penal no Brasil: pesquisas e análises. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p. 107-127
- ↑ BASEGIO, L. J. A transição criminológica na RMPA entre 1991 e 2000: a sua manifestação através da análise dos apenados e dos delitos entre os municípios da região metropolitana de Porto Alegre (RMPA). 2009. 105f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.