Eugenia e Dissidência

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Por: Maria Julia Sena Machado

A eugenia é uma ideologia que emergiu no final do século XIX, formulada por Francis Galton, com o objetivo de promover o "aperfeiçoamento" da espécie humana por meio da manipulação genética e do controle populacional. O movimento eugenista não foi homogêneo e se adaptou às diferentes realidades socioculturais dos países ocidentais, incorporando aspectos de classe, raça e gênero em suas formulações. Na Inglaterra, o foco da eugenia de Galton estava na distinção de classe, considerando as camadas mais pobres como degeneradas e, portanto, alvo de políticas de controle reprodutivo. Em países escandinavos, como a Suécia, a eugenia foi adotada como uma estratégia de higienização racial, tendo como um dos ideais, a supremacia branca, o que levou a práticas sistemáticas de esterilização compulsória que perduraram por mais de 50 anos. Pessoas intersexuais, por exemplo, foram submetidas a cirurgias de reatribuição de sexo compulsórias como parte desse projeto de normalização corporal.

Nos Estados Unidos, a eugenia esteve diretamente associada à colonização e ao racismo científico. A segregação racial e a esterilização compulsória de pessoas não brancas, imigrantes do sul e leste da Europa, pessoas com deficiência e dissidentes sexuais foram justificados por uma ideologia que via a miscigenação como uma ameaça ao projeto de pureza racial estadunidense, o chamado veneno racial. A crença na superioridade dos brancos descendentes de nórdicos impulsionou políticas como o apartheid estadunidense e os programas de esterilização forçada de minorias étnicas. Já no Brasil, a eugenia teve grande influência nas políticas estatais, especialmente durante a Era Vargas (1930-1945). Inspirado em leis raciais estadunidenses, como o Johnson-Reed Act (1924), o governo brasileiro implementou a Lei de Cotas de Imigração (1934), que estabelecia um limite para a entrada de imigrantes com base em sua origem racial e nacional. Essa política favorecia a imigração europeia e restringia a da diáspora africana, reforçando um projeto de embranquecimento da população. Enquanto isso, a diáspora africana no Brasil continuava marginalizada, com acesso restrito a direitos básicos, como educação, moradia e emprego formal. Muitos sequer tinham acesso à carteira de trabalho, permanecendo em condições de extrema precariedade.

A relação entre eugenia e gênero também foi marcante. Algumas figuras do movimento feminista sufragista, como Victoria Woodhull e Margaret Sanger, apoiaram medidas eugênicas como um meio de promover o controle reprodutivo e a "melhoria da sociedade". Essa perspectiva excluía e marginalizava mulheres pobres, racializadas e dissidentes. O controle sobre os corpos femininos e LGBTQIAPN+ foi uma constante nesse movimento, reforçando normas heteronormativas e cisgêneras como pilares da sociedade. O determinismo biológico foi um dos principais instrumentos eugenistas para patologizar corpos dissidentes. Pensadores como Magnus Hirschfeld e Havelock Ellis classificaram a homossexualidade como um fator congênito, abrindo espaço para experimentos médicos como a castração química e as cirurgias corretivas. A crença de que a sexualidade poderia ser manipulada por meio de intervenções biológicas serviu como justificativa para práticas coercitivas contra pessoas LGBTQIAPN+, muitas das quais foram submetidas a procedimentos cirúrgicos e terapias de conversão. No início do século XX, a eugenia encontrou terreno fértil no discurso nacionalista e racialista. Harry Laughlin, um dos principais expoentes da eugenia nos Estados Unidos, elaborou um sistema de classificação de "inadequação social", no qual a "degeneração" transitava entre fatores como idade, deficiência, comportamento criminal e orientação sexual. A reprodução era vista como um elemento central para a preservação de uma nação "forte", e qualquer identidade dissidente era tratada como uma ameaça à integridade nacional.

Embora a eugenia tenha sido amplamente desacreditada após o Terceiro Reich, seus impactos ainda são visíveis em políticas contemporâneas de controle reprodutivo, na criminalização de corpos dissidentes e nas desigualdades estruturais que continuam a afetar populações marginalizadas. Movimentos sociais contemporâneos, especialmente aqueles ligados às lutas decoloniais e queer, têm questionado essas heranças eugenistas e promovido a valorização da diversidade corporal e identitária. O estudo da relação entre eugenia e corpos dissidentes evidencia como o conhecimento científico pode ser instrumentalizado para justificar violências institucionais e normativas sociais excludentes. A crítica a esse passado se faz essencial para construir sociedades mais justas e inclusivas, onde corpos antes considerados "desviantes" sejam plenamente reconhecidos em sua autonomia e legitimidade.

A eugenia, concebida no final do século XIX por Francis Galton, influenciou profundamente as políticas de Estado, especialmente no Brasil durante a Era Vargas. Inspirado no modelo estadunidense do Johnson-Reed Act, o governo brasileiro implementou a Lei de Cotas de Imigração, favorecendo imigrantes europeus enquanto marginalizava a diáspora africana, que permanecia sem direitos básicos como acesso à carteira de trabalho. A eugenia também impactou o controle de corpos dissidentes, promovendo a patologização da homossexualidade e justificando práticas de esterilização e terapias coercitivas. Embora desacreditada após o Terceiro Reich, sua influência persiste nas desigualdades estruturais e na exclusão social de grupos marginalizados.

Referências Bibliográficas

LAUGHLIN, Harry. 1922. Eugenical Sterilization in the United States. Published by the PSYCHOPATHIC LABORATORY OF THE MUNICIPAL COURT OF CHICAGO DECEMBER , 1922

ORDOVER, Nancy. 2003. American Eugenics: Race, Queer Anatomy, and the Science of Nationalism. University of Minnesota Press.

WOODHULL, Victoria. 1891. The Rapid Multiplication of the Unfit. https://www-jstor org.ep.fjernadgang.kb.dk/stable/pdf/j.ctt1dfnrv8.16.pdf?refreqid=excelsior%3A5620baa

ff787826be83937fecc816bb9

BLACK, Edwin. 2003. A Guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha dos Estados Unidos para criar uma raça dominante. Ed. A Girafa.