Jornal Abaixo-assinado de Jacarepaguá
Fonte: Santiago, Claudia. Experiências em Comunicação Popular no Rio de Janeiro Ontem de Hoje. Rio de Janeiro. Ed. NPC, 2016.
Escrito por: Claudia Santiago / Entrevistas: Eric Fenelon e Daniel Climaco
Introdução[editar | editar código-fonte]
Almir Paulo tem 55 anos. É um veterano nas lutas populares no Rio de Janeiro. Foi presidente da Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro (Famerj) de 1987 a 1989.
A vida da Almir transcorreu na favela Ilha das Dragas, no Leblon, na década de 1960, e depois na Cidade de Deus. Uma vida marcada por problemas e dificuldades recorrentes nas comunidades mais pobres. Foram esses problemas, aliás, que aguçaram a sua sensibilidade e o levaram a uma participação crescente na luta popular. “Uma luta pela melhoria das condições de vida, pela democracia e pelo socialismo”, faz questão de frisar.
Almir sabe que essa luta não pode ser feita sem que haja meios de comunicação que a fortaleçam. Seu sonho sempre foi a existência de um jornal popular. “No movimento comunitário a gente sente a necessidade de ter meios de comunicação nossos, ligados às nossas lutas. Eu sentia muito essa falta quando presidia a Famerj”, diz.
Com o término de sua gestão na Famerj decidiu colocar a sua experiência a serviço da Comunicação Popular. Daí surgiu a ideia de editar um jornal de bairro em Jacarepaguá. Nascia o Jornal Abaixo-Assinado de Jacarepaguá. O nome escolhido era um reflexo da história de militância do grupo que compõe o jornal. “O que a gente mais fez na vida foi abaixo-assinado, desde 13, 14 anos que eu faço abaixo-assinado. Então, o nome do jornal ficou Abaixo-Assinado”.
O objetivo do Abaixo-Assinado de Jacarepaguá é ser porta-voz das lutas sociais da Baixada de Jacarepaguá. “Nossa região é extremamente conservadora”, conta Almir. “Através do jornal queremos dar nossa contribuição à luta popular e ajudar na mobilização das pessoas”, conta Almir.
O jornal assim se define:
O jornal Abaixo-Assinado de Jacarepaguá tem como missão a defesa da qualidade de vida da população da Baixada de Jacarepaguá, principalmente daqueles renegados pelo poder público. Mais do que simples denúncias, buscamos um debate democrático, sem rótulos e preconceitos, que possa envolver todos os agentes sociais da região, fomentando iniciativas para transformar Jacarepaguá em um recorte espacial menos desigual[1].
A equipe é composta por gente de boa vontade. Não tem nenhum jornalista envolvido. Ninguém é formado. O sonho de Almir é estudar Comunicação. Acredita que até os 60 anos entrará na faculdade de Jornalismo. Compõem a equipe donas de casa, professores, pessoas que fazem a luta social e que às vezes não tem nenhuma formação. É um grupo de militantes sociais. “Nós somos independentes, nós não temos rabo preso com ninguém. Nosso compromisso é com a luta social, é contribuir com a organização popular, divulgar as lutas sociais, mas acima de tudo pensar a região de uma maneira completamente fora daqueles que controlam a política brasileira”.
O objetivo[editar | editar código-fonte]
O objetivo do grupo é ir além do papel de um jornal. Eles gostariam de criar uma organização como o NPC na região para construir gradativamente mídias alternativas em Jacarepaguá, com a participação de jovens de lá. O grupo criou uma rede popular de comunicação, que já tem até nome e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o RPC. É uma pequena empresa com o objetivo de arrecadar recursos para o jornal, para a formação e para o surgimento de outras mídias.
No momento, além do jornal, o grupo está investindo na criação de uma editora popular. “Tem muita gente que tem seu livro guardado e que não tem meios de publicá-lo, então, nós queremos ser essa porta para as pessoas publicarem seus livros a um preço justo”, diz Almir. “Esses são os delírios que nós temos aqui. E o nosso delírio maior é consolidar o jornal Abaixo-Assinado de Jacarepaguá”, completa.
O jornaldebate as questões de Jacarepaguá com uma visão própria. Se contrapõe aos jornais que circulam na Baixada de Jacarepaguá e são ligados ao poder público, reproduzem as políticas do governo, não abrem espaço para questionamentos, para pensar o futuro da região, debater soluções. São jornais dependentes financeiramente desses governos e acabam não tendo uma visão crítica da região.
Além do jornal impresso, o grupo mantém uma página no Facebook, atualizada regularmente, com notícias e artigos de opinião. Para encontrar, basta digitar “Jornal Abaixo-Assinado de Jacarepaguá” no campo de busca do Facebook ou acessar http://on.fb.me/20Vpew7. O blog do jornal, com conteúdo riquíssimo sobre a região, anda um pouco desatualizado. Nele estão os colunistas, as edições do jornal impresso e informação diversas. Ele está no endereço www.jaajrj.com.br/blogs.
Sustentação financeira[editar | editar código-fonte]
Para financiar o jornal já foram feitas rifas, festas para arrecadar fundos, captação de recursos no comércio local, porém, a linha editorial de sempre questionar o poder público, municipal, estadual, de estar colocando o outro lado da moeda, outra visão da sociedade brasileira, deixa o comerciante com medo de associar sua marca ao jornal e sofrer represálias. “O poder municipal e estadual são vingativos e os políticos que representam esse poder aqui na região são muito mais vingativos. Então, o comerciante fala que gosta do jornal, mas que não publica sua marca porque vai sofrer retaliação, represálias da fiscalização”, desabafa Almir.
Um dos slogans do jornal é “Quem recebe e gosta do jornal Abaixo-Assinado, financia o jornal”. E há os que contribuem individualmente. Quem escreve para o jornal contribui financeiramente com R$ 50, R$ 100. Todos os meses as pessoas depositam e repassam recursos para pagar a gráfica e a diagramação. Gasolina, celular, distribuição fica por conta da equipe que faz tudo com recursos próprios.
Participação da comunidade[editar | editar código-fonte]
“O movimento social não tem canal de expressão em Jacarepaguá. As pessoas estão descobrindo e estão tendo noção do que acontece na região através do jornal Abaixo-Assinado”, fala Val Costa. Ele diz que o jornal conta com a participação de líderes das comunidades da região da Baixada de Jacarepaguá que participam diretamente do conselho editorial.
Como podemos ver, o modelo de funcionamento do jornal Abaixo-Assinado se aproxima muito do modelo de jornal popular praticado pelas comunidades na época da transição da Ditadura para a democracia, no Brasil. A idade de Almir, 55 anos, talvez explique essa continuidade. Em 1980 ele tinha 21 anos e já estava na luta por um mundo melhor.
[1] A definição pode ser acessada em http://bit.ly/20T4pl3
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Histórias, Memórias, Oralidades e Cartografia da Luta Social por terra e Moradia na Região de Jacarepaguá
- Irmão do Morro (documentário)