Lei da Selva - A História do Jogo do Bicho (resenha)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Lei da Selva - A História do Jogo do Bicho é uma série documental brasileira, dirigida por Pedro Asbeg e lançada em 2022. São quatro episódios, cada capítulo dura em média de 50 minutos e podem ser assistidos na Globoplay. A série conta com a participação de personagens como Marco Antônio Simas, Tainá de Paula, Bruno Paes Manso, Michel Misse, Fred Coelho, Marcelo Freixo, Chico Otávio e André Grimião. A série mostra O presente verbete pretende apresentar brevemente alguns dos principais temas abordados.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Sobre[editar | editar código-fonte]

Lei da Selva - A História do Jogo do Bicho | Fonte: Globoplay

Dirigida por Pedro Asbeg e escrita/roterizada por Arthur Muhlenberg e Tiago Peregrino, a série foi produzida pela produtora independente Kromaki.

“Lei da Selva” é uma série documental de quatro episódios que mostra como a loteria criada para financiar um jardim zoológico no Rio foi incorporada pela cultura popular e, nas mãos de contraventores organizados nos moldes da máfia italiana, transformou-se num imenso império do crime, movimentando bilhões e deixando um espesso rastro de sangue e corrupção que desemboca na milícia carioca.[1]

O jogo do bicho, que nasceu em um contexto bucólico há 130 anos no Rio de Janeiro, funcionou como uma das principais estruturas para a consolidação do poder paralelo no estado conhecido como milícia, segundo um dos quatro episódios do documentário. "A milícia nasceu de forma independente quando policiais aposentados se juntaram para fazer a segurança de Rio das Pedras", diz o diretor Pedro Asbeg sobre o bairro na Zona Oeste carioca. "O jogo do bicho, então, entendeu ser preciso se aproximar desses grupos para dar continuidade aos negócios", continua.[2]

A partir de 2005, o jogo ilegal, ao lado da exploração das máquinas caça-níquel, passou a dividir os territórios dominados pelos milicianos como parceiros de negócios. Esse ponto de inflexão foi marcado por uma série de mortes de pessoas ligadas ao jogo do bicho, entre elas a de Waldemir Paes Garcia, o Maninho, morto em 2004 após tentar dominar o território de Rogério Andrade, sobrinho do conhecido contraventor Castor de Andrade. Diante da ameaça, Rogério de Andrade decidiu reforçar sua segurança pessoal e, para isso, contratou policiais temidos por seus métodos violentos, entre eles, Ronnie Lessa, réu pela morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Créditos ao final do último episódio dedicam a série à memória de Marielle. O pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro pelo PSB, Marcelo Freixo, é um dos entrevistados e narra o momento em que soube da morte da companheira de partido.[2]

Lei da Selva | Fonte: Globoplay

Além de Lessa, o documentário mostra a relação do jogo do bicho com outro personagem policial famoso, Adriano da Nóbrega, assassinado em 2020 acusado de chefiar a maior milícia do Rio de Janeiro. Segundo o diretor Asbeg, ele trabalhou como segurança pessoal do bicheiro Maninho e como consultor de segurança quando fundou o escritório do crime para Rogério Andrade. Um dos episódios mostra que Nóbrega passou a chefiar um grupo de matadores profissionais que ganhavam dinheiro para cometer homicídios sob encomenda. "O jogo do bicho sempre teve matadores profissionais em sua folha de pagamento. Quando essa nova geração assume, eles percebem que podem terceirizar essa função", diz o jornalista Octavio Guedes no documentário.[2]

O documentário ressalta a ligação de Adriano da Nóbrega com Fabrício Queiroz, acusado de liderar um esquema de rachadinha no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) – eles negam. Os episódios são narrados pelo humorista Marcelo Adnet, que encarna "um coroa sentado em um boteco na Vila Isabel contando para os camaradas sobre a história do jogo do bicho", segundo o diretor.[2]

A origem do jogo do bicho[editar | editar código-fonte]

Logo no primeiro dos seus quatro episódios, a série revela a origem do jogo do bicho. A loteria foi criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, com o objetivo de arrecadar fundos para um jardim zoológico em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Rapidamente, a atividade se espalhou pela cidade e, com o passar dos anos, acabou se transformando em um império criminoso que movimenta bilhões.[3]

O barão João Batista Viana Drummond organizava sorteios diários de bilhetes para atrair visitantes e impedir o fechamento do zoológico do Rio de Janeiro.[2]

“A gente se acostumou, no Brasil, a lidar com a contravenção de forma muito tranquila. No Rio, em particular, a linha entre o legal e o ilegal é muito tênue. O jogo do bicho é um exemplo típico disso. Há 130 anos ele existe, com banquinhas em todo lugar, e todo mundo sabe. Mais do que contar a origem, o que é relevante na série é ajudar a entender as conexões criminosas do jogo e como isso foi abraçado pela cultura popular”, pontua o diretor.[3]

Corrupção e contravenção[editar | editar código-fonte]

Avançando no tempo, a série documental revela os movimentos e articulações que garantiram a sobrevivência do jogo do bicho até os dias de hoje. Apresentando personagens fundamentais para esse processo, como Castor de Andrade e Capitão Guimarães, a produção evidencia o rastro de violência e corrupção deixado por essa atividade. Também fica claro seu poder de penetrar nos mais diferentes setores da sociedade carioca, mantendo ligações controversas com escolas de samba, times de futebol, o tráfico de drogas, as milícias e policiais.

Cada episódio, segundo o diretor, passou por uma análise jurídica, para resguardar a produção de futuras contestações. “Me sinto seguro para falar sobre casos públicos e notórios, que passaram por investigações do Ministério Público, da Polícia Federal e da Polícia Civil, com várias pessoas indiciadas. Não estamos acusando ninguém sem provas, já que nos baseamos nos próprios autos dos processos”, explica.[3]

Depoimentos e fatos verídicos[editar | editar código-fonte]

Asbeg costura sua rede de informações sobre o jogo do bicho a partir de fatos históricos e depoimentos gravados em estúdio, durante a pandemia de Covid-19. O carnavalesco Milton Cunha, o deputado Marcelo Freixo e a urbanista Tainá de Paula estão entre os entrevistados, além de jornalistas, historiadores, sociólogos e outros especialistas.

“Contamos com uma grande pesquisa, baseada em documentos, jornais e livros sobre o assunto. Isso já trouxe algum embasamento e, conversando com os entrevistados, eles foram trazendo mais informações. Ainda assim, a série não é baseada só em dados. Há também um lado opinativo de cada convidado muito forte”, afirma.[3]

Os capítulos[editar | editar código-fonte]

O primeiro capítulo – “O Bicho Pegou” – parece morno, se comparado com série que a Globoplay dedicou ao rei dos bicheiros, Castor de Andrade (“Doutor Castor”, 2021). Mas, já no segundo – “O Bicho é Pop” –, a série pega no breu. Vibrante e corajosa, mostra as articulações entre bicheiros, mídia, políticos, policiais, juízes. Revela a proximidade de altas autoridades dos três Poderes do Brasil contemporâneo com este mundo semi-oculto. Os jornais e, principalmente, a Rede Globo, é vista em relações sociais com os bicheiros. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, passa a conviver socialmente com as agremiações carnavalescas, dedicando atenção singular à Mocidade Independente de Padre Miguel (conhecida no final do século passado como “a Escola da Globo”).

A série não esconde nada. Não poupa nem Leonel Brizola, governador do Rio por duas vezes, nem seu vice-governador, no primeiro mandato (1982-85), Darcy Ribeiro. O escritor e antropólogo aparece em ceia com todos os grandes bicheiros do Rio de Janeiro, unidos na poderosa Liesa (Liga das Escolas de Samba). E veremos, além de Darcy, o próprio Brizola, todo o Rio de Janeiro e o Brasil no dia da inauguração da belíssima Passarela do Samba desenhada por Oscar Niemeyer.

Para mostrar que os bicheiros haviam se transformado em figuras populares no imaginário brasileiro, a série lembra a presença deles na literatura, no teatro, na telenovela (“Bandeira 2”, com o irresistível Tucão, interpretado por Paulo Gracindo) e no cinema (“O Boca de Ouro”, “O Rei do Rio”, “Águia na Cabeça”). Castor de Andrade, Miro, Luizinho Drummond, Raul Capitão, Anísio Abrahão David, Capitão Guimarães não eram mais chamados de bicheiros, mas sim de “patronos” de escolas de samba. Saíam nas revistas e jornais, frequentavam festas e jantares de gente de bem.

Até que, em 1993, o procurador de Justiça Antônio Carlos Biscaia decidiu "pôr fim" a isso. Era de conhecimento público que atrás do Jogo de Bicho rolavam crimes sangrentos, luta por territórios e parcerias com mafiosos italianos na implantação de máquinas eletrônicas instaladas em todos os bares e biroscas, os famosos caça-níqueis. Uma nova geração de bicheiros – Maninho, filho de Miro, era seu símbolo mais vistoso – envolvia-se com tráfico de armas e drogas.

O capítulo 3 – “Enjaulados” – mostra a cúpula do bicho na cadeia devido às ações da juíza Denise Frossard e de fonte secreta que entregou a contabilidade do Jogo do Bicho para o Judiciário. Castor transformou sua cela (ele tinha direitos de portador de diploma de curso superior, pois era formado em Direito), num verdadeiro quarto de hotel 5 estrelas. Mandava até reformar as viaturas da Polícia, pois achava um esculacho ver os policiais andando em carros velhos.

Os “patronos do samba” estavam envelhecendo e seus “herdeiros” vinham dispostos a tudo. Maninho, porém, morreu antes do pai Miro. Mas Castor, que fizera do sobrinho Rogério Andrade uma espécie de “herdeiro administrativo”, não imaginava a guerra que seria travada entre este e seus herdeiros diretos – os filhos Paulinho Andrade e Carmen. Paulinho foi executado um ano depois do pai. Mesmo escoltado por nove seguranças, Iggnácio foi assassinado em 2020. Agora, Rogério Andrade, o sobrinho, comanda a herança do “bicho” Castor.

O quarto capítulo de “Lei da Selva” – Pátria Armada (com “r”) – é de arrepiar: sangrento, amedrontador, politizado. O espectador vai deparar-se com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada, junto com seu motorista, numa noite do Rio (14 de março de 2018), por pistoleiros milicianos. Veremos, também, personagens que passaram a frequentar nossas páginas político-policiais: Ronnie Lessa, Élcio Queiroz, Anderson Nóbrega, Álvaro Lins, Fabrício Queiroz…. o escritório do Crime. A lista envolve ex-policiais, do Bope e de outros batalhões, e políticos eleitos para a Câmara de Vereadores e Assembléia Legislativa do Rio (e até para o Congresso Nacional) com dinheiro da contravenção.[4]

Trailer[editar | editar código-fonte]