Mãe Apolinária

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Mãe Apolinária ‘Picurrucha’ (1912-1957)

Apolinária Mathias Baptista, também conhecida como ‘Mãe Apolinária’, ’ Mãe Currucha’ ou ‘Picurrucha’ foi uma das grandes expressões da religiosidade africana no Rio Grande do Sul (SCHUMAHER e BRAZIL, 2006). Foi uma importante ialorixá (mãe de santo; em iorubá: iyálorìṣa), nascida em 10 de março de 1912 no município de Tubarão (SC) e radicada em Porto Alegre (RS), fundadora da Sociedade Caboclos Amigos - Casa de Umbanda e Batuque de Porto Alegre.

Nascida aproximadamente duas décadas após a abolição da escravidão, sua mãe foi escravizada e fugiu para um quilombo, conta sua filha Marilu Paraguassú (SILVA, 2018), que não se recorda o nome da avó. Apolinária afirmava também ter em suas veias “uma boa porcentagem de sangue indígena” (CORREIO DO POVO, 1959).

*O verbete foi escrito baseado em entrevista realizada pelo autor com Marilú Paraguassú, filha de Apolinária, em 06 de dezembro de 2018.

Autoria: Luís Gustavo Ruwer da Silva (Preserve Morro Santana)*.

Sociedade Caboclos Amigos[editar | editar código-fonte]

Picurrucha era adepta da religião de matriz africana, da Nação Nagô-Oyó, da Bacia de Mãe Erminda de Oxum Bolomí, que também era de Santa Catarina. Quando “grande”, foi para Bahia, onde aprofundou seus estudos sobre religião com a conhecida ialorixá Menininha de Gantois (SILVA, 2018). Apolinária compra um terreno em Porto Alegre, no bairro no bairro Mont Serrat, onde fundou a casa de religião afro-brasileira de Umbanda e Batuque conhecida como Sociedade Caboclos Amigos, se tornando uma das mais importantes chefes de terreiro da cidade.


Apolinária era próxima também de Mestre Borel, uma das figuras culturais dentro da cultura de matriz africana mais importantes dentro do RS, um grande ícone da luta do negro no RS compositor, escritor e pesquisador da cultura. Com o tempo, Apolinária, e sua casa do Mont Serrat acabaram ganhando muita fama e atenção do grande público, por conta de suas grandes festas e cerimônias, que frequentemente eram noticiadas em reportagens pela imprensa metropolitana.

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Contribuições para ciência e psicanálise[editar | editar código-fonte]

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Em 1952, Apolinária abriu seu templo para a pesquisa científica e por conta disso, muitos de seus rituais foram registrados fotograficamente, e as rezas gravadas em fita magnética e acetato. Grandes nomes das ciências e das artes chegaram a participar de suas cerimônias, como o regente e folclorista alemão Fritz Jöde. Muitos psicanalistas observavam suas cerimônias para desenvolver estudos a respeito do “estado de santo”, como Angel Garma, Arnaldo Raskovsy e Ernesto La Plata  (CORREIO DO POVO, 1959).




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O grande sonho[editar | editar código-fonte]

Para além de sua importância religiosa, Apolinária era conhecida por sua solidariedade e generosidade. Gostava muito de crianças, com quem conversava, brincava e as acolhia em sua casa. Foi mãe de quatro filhos carnais: Maria do Carmo, Marino, Maria Antônia e Marilu. Além disso, chegou a ter cerca de 40 crianças adotivas sob sua guarda. Seu maior sonho era o de construir uma grande instituição de acolhimento de menores abandonados em torno de sua casa de religião. Por conta da visibilidade dos problemas de espaço e buscando concretizar um projeto ambicioso de construir um novo terreiro que também funcionasse como uma instituição de acolhimento, Apolinária comprou quatro terrenos no entorno do Morro Santana, onde hoje se localiza o Jardim Ypu, onde começou a construção de seu projeto (SILVA, 2018).

Um novo terreiro, fora da orla extrema da cidade. Terreiro de tais proporções como talvez não exista outro no Brasil. Enorme área construída, com dois pisos. A sala de dança ritual teria quatorze metros de lado. Ao redor do edifício principal, muitas casas de seus crentes mais chegados. (CORREIO DO POVO, 1959)

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O projeto arquitetônico foi concebido pelo Eng. Civil Ênio José Verçosa, que foi convidado por um dos filhos de religião da casa e ficou impressionado com a grandiosidade do projeto. A casa foi levantada com recursos próprios e dos filhos, e a própria família trabalhava na obra, erguendo tijolos e abrindo poços. De acordo com sua filha Marilú, parte da obra já estava “levantada”, onde funcionava na parte de cima o salão de religião. Na parte de baixo, haveriam quartos para acolhimentos de pessoas em situação de rua e crianças (SILVA, 2018).

Comprado o grande terreno de uma empresa imobiliária, abriram e sentaram os alicerces. Para suprir as necessidades de água escavaram um profundo poço Finda a jornada na cidade os fiéis para lá se dirigiam e trabalhavam até a madrugada. Fabuloso movimento de terras, ciclópicos muros de pedra, e as paredes se elevaram pouco a pouco. Puzera a cobertura. Uma laje de concreto dava acesso direto da estrada ao piso superior. Tudo marchava bem.  (CORREIO DO POVO, 1959)

Falecimento[editar | editar código-fonte]

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Apolinária chegou a viver na nova casa por alguns anos, recebendo muitos filhos de religião, mas não chegou a ver a obra se concretizar. Em 5 de junho de 1958 Apolinária faleceu “do coração”, de acordo com Marilú:

Ela morreu de… Um bicho que ela tava cuidando. Ela tava cuidando de um bicho e morreu. Do coração, bem dizer né? [...] Ah, foi… Muita emoção. Bah, eu chorava que nem sei. Era agarrada com ela. [...] Foi um cavalo que ela tava cuidando, agora eu me lembrei. Ela tava cuidando de um cavalo e morreu.. Era obaluaiê. Ela comprou o cavalo pra mim e o cavalo morreu. (SILVA, 2018)

O jornal Correio do Povo afirma que fora o tétano seu “inimigo mortal”: “Inesperadamente se abate sobre Apolinária um inimigo mortal - Clostridium de  Nicolaier. Em outras palavras: o tétano. E tétano alto. Dias depois Apolinária era cadáver.” (CORREIO DO POVO, 1959). Marilú conta que  ela chegou a ser hospitalizada, e recebeu muitas visitas, principalmente dos filhos de religião, mas que faleceu “no dia seguinte” (SILVA, 2018).


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Em vão o “êru” que os seus filhos fizeram para salvar-lhe a vida, igual àquele, ou talvez mais impressionante, com que a própria Apolinária roubara à morte a velha cardíaca que no dia seguinte dançava na roda louvando os orixás. Em vão. Quando no “erú” já não baixou nenhum santo… esta era a vontade dos deuses. (CORREIO DO POVO, 1959).

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Foi tanta gente no enterro pra mãe” conta Marilu (SILVA, 2018). Seu funeral atraiu uma multidão de filhos e admiradores, que ao som de tambores e agês que ritmavam a dança, carregaram seu caixão. O cortejo foi escoltado por por batedores de polícia, montados em motocicletas. desde o bairro Mont’serrat até o cemitério São Miguel e Almas, na Azenha. “Quase pianíssimo as vozes diziam: ‘Ateté e e’laô. Oia funi banã. Ateté e’laô. Oia funi baña” (CORREIO DO POVO, 1959)

Homenagens póstumas[editar | editar código-fonte]

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Após seu falecimento, filhos de santo, simpatizantes e integrantes do movimento negro, em gratidão e homenagem, lutaram pela preservação de sua memória. Moradores do Morro Santana que já haviam sido beneficiado por suas curas e benfeitorias conquistaram a nomeação da principal avenida do Jardim Ypu como Av. Mãe Apolinária Matias Batista.

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Em 1988, ao lado de nomes como Lupicínio Rodrigues e Tesourinha, Mãe Apolinária foi reconhecida no Calendário Vultos Negros do Rio Grande do Sul, em razão do centenário da abolição da escravatura.

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Mais fotos[editar | editar código-fonte]

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Referências[editar | editar código-fonte]

SILVA, Luís Gustavo Ruwer. Saída de campo à Casa da Mãe Apolinária, 2018.

“Ogum baixou no terreiro de ‘Mãe’ Apolinária”. Revista do Globo Ano XXVI. 1955. Disponível em https://www.ufrgs.br/biev/texto/mae-apolinaria/

LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. 2011.

Mãe Apolinária - Uma legenda Afro-gaúcha. Jornal CORREIO DO POVO, 14 de junho de 1959.

Mulheres Negras do Brasil. SCHUMAHER e BRAZIL, 2006.

Calendário Vultos Negros do Rio Grande do Sul. Acervo Centro de Memória Mulheres do Brasil. 1988. Disponivel em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=arq_cultura&pagfis=9149